Por Euler de França Belém
Umberto Eco (1932-2016) disse que as redes sociais
possibilitaram o surgimento – e quiçá uma hegemonia – de uma “legião de
imbecis”. Antes, concentrados em bares, tomando vinho ou cerveja, “falavam sem
prejudicar a coletividade. Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente
calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel. O
drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.
O escritor e filósofo italiano sugere que os jornais filtrem de maneira
rigorosa as informações divulgadas nas redes sociais, porque, no geral, não são
confiáveis.
O historiador escocês Niall Ferguson – autor de livros
seminais sobre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, além de
obras sobre a decadência do Ocidente (é autor de um livro heterodoxo no qual
apresenta a tese de que o colonialismo não foi lucrativo para a Inglaterra.
Trata-se de “Império – Como os Britânicos Fizeram o Mundo Moderno”, Crítica,
448 páginas, tradução de Marcelo Musa Cavallari) – segue o mesmo caminho de
Umberto Eco, acrescentando sua própria interpretação. O professor de Stanford
afirma que a polarização excessiva nas redes sociais está levando a sociedade
“a um estado de declínio” que só pode ser qualificado de “incivilidade”.
Suas interpretações foram colhidas pelos repórteres Ana
Paula Ribeiro e Gustavo Schimitt, de “O Globo”. “A minha preocupação hoje é que
a sociedade civil foi tão erodida pelo advento das redes sociais que não
podemos mais falar em sociedade civil. Os Estados Unidos se tornaram uma
sociedade não civilizada. A polarização se tornou um veneno. Eu me pergunto se
a civilização não está se tornando algo diferente, em uma não-civilização
ocidental”, critica Niall Ferguson. No livro “A Grande Degeneração – A
Decadência do Mundo Ocidental” (Planeta do Brasil, 128 páginas, tradução de
Janaina Marcantonio), o autor não arrola as redes sociais como um dos
fundamentos da ruína do Ocidente.
Dirigentes do Facebook e do Twitter não estão, sugere Niall
Ferguson, minimamente preocupados com a extensão do dano que está acontecendo
no tecido social. Quanto mais barbárie, produzida ou não pela tensão
ideológica, mais pessoas circulam pelas redes, aumentando seus ganhos
financeiros. “Uma das consequências das redes sociais gigantes é a polarização.
As pessoas se agrupam em grupos de esquerda ou de direita. O que notamos é um
maior engajamento em tuítes de linguagem moral, emocional e até obscena. As
redes estão polarizando a sociedade, produzindo visões extremistas e fake
news”, frisa o historiador.
Há quem compare Donald Trump a Ronald Reagan, a Bush pai e a
Bush filho. Apesar das limitações dos três, notadamente dos dois Bush – Reagan
revelou-se um estadista muito superior ao que esperava a intelligentsia
internacional –, Trump é muito mais despreparado. Sua visão de política global
é unicamente americana, não incorpora nem parte das ideias de seus “aliados”.
Império que se comporta tão-somente como nação isolada, como Estado fechado,
não tem futuro, às vezes nem presente. Por que um político com escassa visão
mundial se tornou presidente dos Estados Unidos? É provável que as redes tenham
contribuído para a vitória de Trump. Pode-se não gostar de Hillary Clinton, mas
não há dúvida de que é mais qualificada do que o presidente republicano. A
vitória de Trump resulta da hegemonia do provincianismo dos Estados Unidos –
país que é, a um só tempo, cosmopolita e caipira.
A rigor, Niall Ferguson não discute isto, mas sublinha que a
exposição de Trump era muito maior do que a de Hillary Clinton – inclusive em
Estados considerados democratas. Tudo indica, portanto, que as redes sociais
funcionaram, sobretudo para o candidato republicano. Niall Ferguson afirma que
os analistas de campanhas eleitorais devem ficar atentos às redes sociais.
Porque o comportamento dos candidatos, atraindo (ou não) seguidores e
engajamento, pode ser decisivo no resultado do pleito.
Eugênio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da
USP, apresenta uma tese ligeiramente diversa da de Niall Ferguson. O professor
diz que, mais do que incivilidade, a polarização está gerando insensatez nas
redes sociais. “A tendência é que discursos exacerbados sejam favorecidos nas
redes. E isso vai produzindo o efeito bolha: as pessoas que fazem parte delas
dentro das redes são governadas por algoritmos e não pelo discernimento
racional. O que é um paradoxo, porque tudo o que o Brasil precisa neste momento
é de sensatez. Mas parece que os ventos favorecem a insensatez”, afirma o
mestre. Não é uma visão apocalíptica, mas também não é integrada. É moderada.
Ao contrário do que diz Niall Ferguson, mais apocalíptico,
Eugênio Bucci sugere cautela, pois não aposta que as redes sociais vão
corromper a democracia no Ocidente. “As redes não podem ser definidas como mal
absoluto. É bom lembrar que também representam um arejamento das democracias. E
foram responsáveis por imprimir nova dinâmica nas relações entre a sociedade e
o Estado”, pontua.
O professor Fabio Malini, coordenador do Laboratório de
estudos sobre Internet e Cultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito
Santo (Ufes), corrobora a tese de Niall Fergunson. A incivilidade já predomina
no Brasil, sobretudo no comportamento político (o que vai além do comportamento
dos políticos). “A polarização é corriqueira na política. Mas, nas redes
sociais, tem um modelo específico de atenção das pessoas que influi nisso. A
proximidade tem sido a tônica de como algoritmos são construídos fortalecendo bolhas
ideológicas, onde há atitudes impulsivas, que redundam em decisões emocionais.”
As redes sociais são incontornáveis, quer dizer, vão
continuar (goste-se ou não, são positivas). O mais provável é que, após uma
primeira fase como terreno da barbárie, retome o caminho civilizatório, abrindo
oportunidade ao debate entre indivíduos que pensam de maneiras diferentes a
respeito de política, economia, cultura e comportamento. Isto, claro, numa
perspectiva otimista. No momento, tornaram-se frigoríficos de ideias, de
comportamentos e de pessoas. Talvez não seja possível piorar.
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