Por Marcos de Vasconcellos
Em novembro de 1968, a Rainha Elizabeth II e o Príncipe
Consorte visitaram o Brasil. Desse evento, acionado por razões políticas e
sobretudo comerciais, restaram algumas histórias auriverdes, sendo que uma
delas exemplifica o carinho e o respeito que o real marido da coroa inglesa
dedica aos bolivianos, como somos entendidos pelo Presidente Reagan.
Numa das inúmeras recepções ao reverenciado e ilustre casal,
regurgitando cinderelas e príncipes locais metidos nas melhores roupinhas e
conduzidos pelas melhores abóboras, o Príncipe brandiu a torto e a direito sua
famosa língua de cobra.
Aproximou-se um general miudinho para as apresentações do
protocolo. O peito do militar era uma superfície inteiramente coberta de
crachás, mais medalhado que dez Napoleões, atestado de cem batalhas de Itararé,
cumpridas e vencidas. Comentário de Philipe, Duque de Edinburgo:
– As próximas o senhor terá que pendurá-las nas costas...
No programa real dos visitantes, constava a fatal ida ao
Maracanã, para a fatal partida entre paulistas e cariocas. O Itamaraty iniciou
a difícil busca de um cavalheiro que conhecesse fluentemente a língua inglesa,
que fosse bem-nascido, comedido, conciso e que manjasse de futebol. Escolhido:
Manuel Bernardez de Thormes Muller, ou Maneco Muller, ou, ainda, Jacinto de
Thormes.
Maracanã entupido, começa a partida, em homenagem aos
soberanos A seleção paulista, tendo como base o Santos de Pelé, e a carioca, o
Botafogo de Gérson. Juiz: Armando Marques que, logo no início, foi brindado com
seu insulto predileto, esgoelado por milhares de torcedores:
– Bi-cha! Bi-cha! Bi-cha!
Elizabeth II quis saber o que tanto gritavam e Maneco
driblou o que pôde para evitar a tradução literal.
Nessa altura, aproxima-se solícito, atropelando o cicerone
brasileiro, o embaixador de Sua Majestade e, querendo mostrar serviço e
intimidades com a Corte, praticamente ajoelhou-se e traduziu o “bicha” ao pé da
letra. Deu-se mal a cariocada. A rainha ficou uma arara e o trêfego
representante diplomático esgueirou-se, rabo entre as pernas, e sumiu de vista.
É rotineira a fixação de placas de bronze numa dependência
nobre do Maracanã, comemorando qualquer coisa de importância e não poderia ser
diferente com a visita das duas majestades. A placa, onde figuravam os reais
perfis, tinha um listão de autoridades brasileiras, (que provavelmente já não
mais o são há tempo) que insistiram em aparecer junto às outras excelências.
É rotineira a remoção das placas tão logo os seus motivos cessem.
Essa, a da Rainha, já está no vinagre há muito tempo, assim como está no
vinagre dela as lembranças do Brasil.
Para encerrar a tal visita, que já é tarde.
– Qual a diferença entre o futebol inglês e o brasileiro? –
quis saber a monarca, em adrede questionamento preparado pelo protocolo.
Maneco, à La Fontaine, explicou:
– Os jogadores ingleses jogam o futebol-força, viril, para
nós até truculento. São touros (bulls). Os nossos jogadores são mais
dançarinos, mais leves, preferem se insinuar a combater corpo-a-corpo. São
parecidos com cobras (snakes).
Hora depois, Maneco ouviu a monarca repetir-lhe o
comentário, fingindo conhecer o esporte, esquecida que era de autoria do
tradutor.
Essas realezas não prestam atenção a ninguém.
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