Pesquisar este blog

quinta-feira, fevereiro 01, 2018

A realeza e o nobre esporte bretão


Por Marcos de Vasconcellos

Em novembro de 1968, a Rainha Elizabeth II e o Príncipe Consorte visitaram o Brasil. Desse evento, acionado por razões políticas e sobretudo comerciais, restaram algumas histórias auriverdes, sendo que uma delas exemplifica o carinho e o respeito que o real marido da coroa inglesa dedica aos bolivianos, como somos entendidos pelo Presidente Reagan.

Numa das inúmeras recepções ao reverenciado e ilustre casal, regurgitando cinderelas e príncipes locais metidos nas melhores roupinhas e conduzidos pelas melhores abóboras, o Príncipe brandiu a torto e a direito sua famosa língua de cobra.

Aproximou-se um general miudinho para as apresentações do protocolo. O peito do militar era uma superfície inteiramente coberta de crachás, mais medalhado que dez Napoleões, atestado de cem batalhas de Itararé, cumpridas e vencidas. Comentário de Philipe, Duque de Edinburgo:

– As próximas o senhor terá que pendurá-las nas costas...

No programa real dos visitantes, constava a fatal ida ao Maracanã, para a fatal partida entre paulistas e cariocas. O Itamaraty iniciou a difícil busca de um cavalheiro que conhecesse fluentemente a língua inglesa, que fosse bem-nascido, comedido, conciso e que manjasse de futebol. Escolhido: Manuel Bernardez de Thormes Muller, ou Maneco Muller, ou, ainda, Jacinto de Thormes.

Maracanã entupido, começa a partida, em homenagem aos soberanos A seleção paulista, tendo como base o Santos de Pelé, e a carioca, o Botafogo de Gérson. Juiz: Armando Marques que, logo no início, foi brindado com seu insulto predileto, esgoelado por milhares de torcedores:

– Bi-cha! Bi-cha! Bi-cha!

Elizabeth II quis saber o que tanto gritavam e Maneco driblou o que pôde para evitar a tradução literal.

Nessa altura, aproxima-se solícito, atropelando o cicerone brasileiro, o embaixador de Sua Majestade e, querendo mostrar serviço e intimidades com a Corte, praticamente ajoelhou-se e traduziu o “bicha” ao pé da letra. Deu-se mal a cariocada. A rainha ficou uma arara e o trêfego representante diplomático esgueirou-se, rabo entre as pernas, e sumiu de vista.

É rotineira a fixação de placas de bronze numa dependência nobre do Maracanã, comemorando qualquer coisa de importância e não poderia ser diferente com a visita das duas majestades. A placa, onde figuravam os reais perfis, tinha um listão de autoridades brasileiras, (que provavelmente já não mais o são há tempo) que insistiram em aparecer junto às outras excelências.

É rotineira a remoção das placas tão logo os seus motivos cessem. Essa, a da Rainha, já está no vinagre há muito tempo, assim como está no vinagre dela as lembranças do Brasil.

Para encerrar a tal visita, que já é tarde.

– Qual a diferença entre o futebol inglês e o brasileiro? – quis saber a monarca, em adrede questionamento preparado pelo protocolo.

Maneco, à La Fontaine, explicou:

– Os jogadores ingleses jogam o futebol-força, viril, para nós até truculento. São touros (bulls). Os nossos jogadores são mais dançarinos, mais leves, preferem se insinuar a combater corpo-a-corpo. São parecidos com cobras (snakes).

Hora depois, Maneco ouviu a monarca repetir-lhe o comentário, fingindo conhecer o esporte, esquecida que era de autoria do tradutor.

Essas realezas não prestam atenção a ninguém.

Nenhum comentário: