Por Deonísio da Silva
Todas as sociedades sempre festejavam alguma coisa: a
colheita, o nascimento de animais, os casamentos, o nascimento dos filhos, etc.
Os primeiros carnavais, ainda sem este nome, foram
realizados entre os anos 600 e 520 a.C. na Grécia antiga, de onde foram
trazidos para Roma e adaptados ou mesclados aos festejos pagãos.
Palavras como “sol”, “estrela”, “céu”, ”riqueza” e
“felicidade” estão em canções de línguas muito antigas e, traduzidas ou
adaptadas, chegaram aos sambas-enredos, depois de longas viagens, repletas de
escalas em muitas nações, que tinham culturas diferenciadas e complexas formas
de organização.
Nas duas culturas que mais influenciaram as culturas
lusófonas, a grega e a latina, as festas carnavalescas davam destaque nas
homenagens aos deuses da fertilidade e da produção.
Na Roma antiga, Saturno, deus da agricultura; Baco, deus das
vinhas, do vinho, da sensualidade; Ceres, deusa das flores e dos trigais: o
étimo de seu nome ainda hoje permanece na palavra cereal. E, entre outros,
Príapo, deus da fertilidade humana, pois o falo, tal como representado em
Príapo, era indispensável à procriação. Hoje, já tem sido dispensado em algumas
gestações.
A coisa mais parecida com o atual Carnaval, na Roma antiga,
eram as saturnais. Tribunais, escolas, fóruns e outras instituições públicas
fechavam as portas. O povo dançava alegremente ao lado de um barco que
desfilava sobre rodas pelas ruas, o carrus navalis, carro naval. Desfilar é
sair da fila, destacar-se dentre os demais. Parece forçada a etimologia que dá
o Italiano para carnevale (de carne levare, porque, depois das festas do Carnaval,
vem a proibição de comer carne…)
A Igreja pôs-se a organizar todas as festas pagãs, no século
IV, depois que o Cristianismo foi aceito como religião oficial,
disciplinando-as e por vezes deslocando-as, de acordo com os interesses dos
novos donos do poder, dali por diante associados ao poder imperial de Roma.
O Carnaval foi uma das festas deslocadas. Realizado entre 17
e 23 de Dezembro, veio a ter lugar à entrada da quaresma, separado da festa do
deus Solis Invictus, o Sol Invicto, que por sua vez foi substituída pelo Natal.
Os festejos autorizados pela Santa Sé eram realizados à
entrada da quaresma e em algumas culturas, como na luso-brasileira, tiveram
originalmente a variante de entrudo, do latim introitus, entrada. Isto é,
entrada da quaresma.
No primeiro Carnaval autorizado pelo Papa, proliferaram as
alegorias, as comparações, as corridas de corcundas e de anões, os atos de
jogar farinha e ovos uns nos outros etc., que perduraram por séculos! A sátira
também teve seu lugar. Rainhas, princesas e outras autoridades eram
representadas por célebres beldades, como as prostitutas mais conhecidas e
devidamente disfarçadas no meio de mulheres virtuosas, sem excluir os bobos da
corte, também misturados a outros bobos, tratados como reis nos desfiles.
O Brasil faz o maior carnaval do mundo, e o Carnaval do Rio
de Janeiro é anunciado como o maior espetáculo da Terra. Vemos também algumas
influências do carnaval italiano de Veneza, principalmente com os seus bailes
de máscaras, que escondiam a identidade das pessoas, que assim podiam ser o que
quisessem. Não podemos esquecer que pessoa veio do latim persona e quer dizer
justamente máscara.
O Carnaval brasileiro deve muito à Família Real portuguesa
que para cá partiu em 1807, chegando em 1808. O povo adorava a monarquia e nos
desfiles homenageava tanto os deuses pagãos, incluindo o rei Momo, como rainhas
e princesas, misturando-os a divindades de diversas culturas.
A grande marca do carnaval é a inclusão social. Só fica de
fora quem quiser. Todos estão convidados a festejar. Durante três dias (que no
Brasil são cinco, pois as festas vão de sexta a Quarta-feira de Cinzas), o rico
e o pobre, patrões e empregados, feios e bonitos, todos comportam-se como se
fossem iguais.
Os meses que antecedem o Carnaval são de dieta para milhares
de pessoas. Inverte-se o preceito: a abstinência precede o Carnaval! As lipos
também. Na Quarta-feira de Cinzas, volta a realidade, que somente será abolida
no próximo Carnaval.
Se os leitores são ateus, agnósticos, católicos, cristãos de
outros ramos ou religiosos de outros credos,
isto não vem ao caso, pois só alguém sem cultura nenhuma deixaria de
reconhecer que a civilização ocidental, para o bem ou para o mal, é herdeira de
outras mais antigas, como a egípcia e a greco-romana, mas é principalmente
judaico-cristã, e essas duas últimas estão presentes, explicita ou
implicitamente, em usos, costumes, cerimônias, festejos, efemérides e,
principalmente, nas palavras que proferimos ou calamos.
Deonísio da Silva é Diretor
do Instituto da Palavra & Professor Titular Visitante da Universidade
Estácio de Sá
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