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quarta-feira, fevereiro 07, 2018

A religião, a maldição e o samba portelense


Paulo da Portela (sem chapéu) ao lado de Heitor dos Prazeres

Por Edilson Nascimento

Não é novidade nenhuma para os internautas que religião e samba se dispõem em cruz. Quem nunca participou das festas para São Jorge e São Sebastião com muito samba? Qual a quadra de escola de samba que não tem o seu santo protetor perto da sua bateria e em lugares considerados vulneráveis? Que escola de samba que nunca deu um banho de ervas em sua quadra preparado pelas suas baianas? Qual porta-bandeira não rezou o seu mastro antes de entrar na avenida?

Pois é, este instrumento de confiança chamado religião, através de seus sacerdotes, alimenta a fé de muitos sambistas. Em 1974, ocorreu uma história que colocou os valores espirituais da diretoria de harmonia da nossa querida Portela em xeque.

Natal, saudoso personagem do samba carioca e então presidente da Portela, trouxe o trabalho de seu pai-de-santo. Trabalho feito, não teria para ninguém, a Azul e Branco de Madureira se consagraria campeã. Mas a tal mandinga tinha que ser feita pela harmonia da escola. E aí...

Hiram Araújo, grande historiador e pesquisador da cultura popular samba, era diretor e autor do enredo, “O Mundo Encantado de Pixinguinha?”, escolhido para este Carnaval. Natal o elegeu para realizar este favor, digamos assim, especial:

– Você tem que encher a boca de cachaça e jogar um pouco em cada alegoria!

Hiram, que nunca bebeu uma gota de álcool na vida, ficou espantado e disse que aquela não seria a primeira vez.
Com o tom veemente peculiar, Natal fez-se porta-voz da fúria dos deuses e esbravejou a praga:

– Pois então a Portela vai ficar 30 anos sem ser campeã!

O fato é que, neste ano, a Portela perdeu o Carnaval para o Salgueiro por 1 ponto e justamente no quesito enredo. Será que a praga caiu também sobre Hiram Araújo? Bom, pelo menos, ficou claro que a praga era por 30 anos mesmo. Porque em 2005, um ano depois do período desgraçado, a Águia querida quase foi rebaixada. Faltou muito pouco para que esse episódio lamentável acontecesse.

Uma escola de samba aguerrida, protegida por São Jorge, a azul e branco de Madureira ostenta 21 títulos, como bem diz a letra do samba de Carlinhos Madureira, Café da Portela e Iran Silva: “Olha eu aí, cheguei agora / Cheguei para levantar o seu astral / Posso perder, posso ganhar, isso é normal / Vinte e uma vezes campeã do Carnaval.”

Mas a letra de samba-enredo que melhor expressa o título deste post é a do Carnaval da Azul e Branco de 1984, “Contos de Areia”, letra de Dedão da Portela e Norival Reis: “Bahia é um encanto a mais / Visão de aquarela / E no ABC dos Orixás / Oraniah é Paulo da Portela / Um mundo azul e branco / O deus negro fez nascer / Paulo Benjamim de Oliveira / Fez esse mundo crescer (okê-okê) / Okê-okê, Oxossi / Faz nossa gente sambar / Okê-okê, Natal / Portela é canto no ar / Jogo feito, banca forte / Qual foi o bicho que deu? / Deu águia, símbolo da sorte / Pois vintes vezes venceu / É cheiro de mato / É terra molhada / É Clara Guerreira / Lá vem trovoada / Epa hei, Iansã! Epa hei! / Na ginga do estandarte / Portela derrama arte / Neste enredo sem igual / Faz da vida poesia / E canta sua alegria / Em tempo de carnaval / (Ê Bahia...) / Eis o cortejo irreal, com as maravilhas do mar / Fazendo o meu carnaval, é a vida a brincar / A luz raiou pra clarear a poesia / Num sentimento que desperta na folia (amor, amor ...) / Amor, sorria, ô ô ô, um novo dia despertou / E lá vou eu, pela imensidão do mar / Nessa onda que corta a avenida de espuma, me arrasta a sambar / E lá vou eu, pela imensidão do mar / Nessa onda que corta a avenida de espuma, me arrasta a sambar.”

O 22º título do GRES Portela só veio no ano passado após 33 anos de jejum.

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