Paulo da Portela (sem
chapéu) ao lado de Heitor dos Prazeres
Por Edilson Nascimento
Não é novidade nenhuma para os internautas que religião e
samba se dispõem em cruz. Quem nunca participou das festas para São Jorge e São
Sebastião com muito samba? Qual a quadra de escola de samba que não tem o seu
santo protetor perto da sua bateria e em lugares considerados vulneráveis? Que
escola de samba que nunca deu um banho de ervas em sua quadra preparado pelas
suas baianas? Qual porta-bandeira não rezou o seu mastro antes de entrar na
avenida?
Pois é, este instrumento de confiança chamado religião,
através de seus sacerdotes, alimenta a fé de muitos sambistas. Em 1974, ocorreu
uma história que colocou os valores espirituais da diretoria de harmonia da
nossa querida Portela em xeque.
Natal, saudoso personagem do samba carioca e então
presidente da Portela, trouxe o trabalho de seu pai-de-santo. Trabalho feito,
não teria para ninguém, a Azul e Branco de Madureira se consagraria campeã. Mas
a tal mandinga tinha que ser feita pela harmonia da escola. E aí...
Hiram Araújo, grande historiador e pesquisador da cultura
popular samba, era diretor e autor do enredo, “O Mundo Encantado de
Pixinguinha?”, escolhido para este Carnaval. Natal o elegeu para realizar este
favor, digamos assim, especial:
– Você tem que encher a boca de cachaça e jogar um pouco em
cada alegoria!
Hiram, que nunca bebeu uma gota de álcool na vida, ficou espantado
e disse que aquela não seria a primeira vez.
Com o tom veemente peculiar, Natal fez-se porta-voz da fúria
dos deuses e esbravejou a praga:
– Pois então a Portela vai ficar 30 anos sem ser campeã!
O fato é que, neste ano, a Portela perdeu o Carnaval para o
Salgueiro por 1 ponto e justamente no quesito enredo. Será que a praga caiu
também sobre Hiram Araújo? Bom, pelo menos, ficou claro que a praga era por 30
anos mesmo. Porque em 2005, um ano depois do período desgraçado, a Águia
querida quase foi rebaixada. Faltou muito pouco para que esse episódio
lamentável acontecesse.
Uma escola de samba aguerrida, protegida por São Jorge, a
azul e branco de Madureira ostenta 21 títulos, como bem diz a letra do samba de
Carlinhos Madureira, Café da Portela e Iran Silva: “Olha eu aí, cheguei agora /
Cheguei para levantar o seu astral / Posso perder, posso ganhar, isso é normal
/ Vinte e uma vezes campeã do Carnaval.”
Mas a letra de samba-enredo que melhor expressa o título
deste post é a do Carnaval da Azul e Branco de 1984, “Contos de Areia”, letra de
Dedão da Portela e Norival Reis: “Bahia é um encanto a mais / Visão de aquarela
/ E no ABC dos Orixás / Oraniah é Paulo da Portela / Um mundo azul e branco / O
deus negro fez nascer / Paulo Benjamim de Oliveira / Fez esse mundo crescer
(okê-okê) / Okê-okê, Oxossi / Faz nossa gente sambar / Okê-okê, Natal / Portela
é canto no ar / Jogo feito, banca forte / Qual foi o bicho que deu? / Deu
águia, símbolo da sorte / Pois vintes vezes venceu / É cheiro de mato / É terra
molhada / É Clara Guerreira / Lá vem trovoada / Epa hei, Iansã! Epa hei! / Na
ginga do estandarte / Portela derrama arte / Neste enredo sem igual / Faz da
vida poesia / E canta sua alegria / Em tempo de carnaval / (Ê Bahia...) / Eis o
cortejo irreal, com as maravilhas do mar / Fazendo o meu carnaval, é a vida a
brincar / A luz raiou pra clarear a poesia / Num sentimento que desperta na
folia (amor, amor ...) / Amor, sorria, ô ô ô, um novo dia despertou / E lá vou
eu, pela imensidão do mar / Nessa onda que corta a avenida de espuma, me
arrasta a sambar / E lá vou eu, pela imensidão do mar / Nessa onda que corta a
avenida de espuma, me arrasta a sambar.”
O 22º título do GRES Portela só veio no ano passado após 33
anos de jejum.
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