Antonio Gonçalves Filho
As imagens medievais do dinheiro são sempre pejorativas.
Tudo para impressionar a matula, resistente aos ensinamentos religiosos. Le
Goff, em A Idade Média e o Dinheiro, lembra que o principal símbolo
iconográfico do dinheiro no período é uma bolsa no pescoço de um rico, que a
leva consigo para o inferno. Dante evoca a mesma imagem em A Divina Comédia. No
sétimo círculo infernal ele pode não reconhecer nenhum dos condenados, mas
percebe que eles trazem, pendurada no pescoço, uma bolsa. Dante,
cautelosamente, se afasta deles, prosseguindo em sua caminhada.
Outro que se ocupou de prometer aos ricos o inferno foi
Isidoro de Sevilha (cerca de 570-636), autor do primeiro best-seller latino,
conforme classificação livre do historiador Bernard Ribemont (em Homens e
Mulheres da Idade Média). Figura maior da Espanha visigoda, Isidoro, autor de
Etimologias (mais de dez edições entre 1470 e 1530) e canonizado em 1598, foi
recentemente escolhido como santo patrono dos especialistas em informática por seu
conhecimento enciclopédico.
Isidoro considerava o amor ao dinheiro à frente dos pecados
capitais, mas não condenava os ricos ou a riqueza. Um homem, observa Le Goff,
pode ser ao mesmo tempo pobre e rico – e não há aí nenhuma alusão metafórica.
Pobre, porque dependente de um rei, que podia doar terras a um homem – por
combater os muçulmanos, por exemplo –, mas também tirar dele a última moeda.
Poder e dinheiro não andavam juntos na era medieval, ao contrário do que
acontece na modernidade.
O dinheiro é produto dessa modernidade, lembra o
historiador. Na época medieval, ele estava menos presente do que no Império
Romano. Entre os séculos 4.º e 12, a moeda perdeu importância e só lentamente
voltou a ser revalorizada. O desenvolvimento urbano e o fortalecimento das
ordens mendicantes deram um novo impulso ao dinheiro nessa sociedade dominada
pela religião.
Assim como a fada diabólica Melusina, que assombrou a imaginação
de todas as classes sociais, o dinheiro assustava o homem medieval. Era preciso
construir catedrais góticas e a Igreja soube muito bem arrancar matéria-prima e
mão de obra gratuita de seus fiéis. As catedrais custaram caro e, segundo Le
Goff, junto às Cruzadas e à fragmentação monetária, sua construção foi uma das
razões de a economia europeia não ter decolado na Idade Média, apesar do
desenvolvimento do comércio exterior ao longo do século 13.
Os Estados nascentes desse século, que permitiam a príncipes
e reis cunharem moedas e arrecadar impostos, ainda não concorriam com o poder
da Santa Sé, que ameaçava os usurários com as chamas do inferno – e o único
meio de escapar dele era restituir aquilo que ganhavam ao cobrar juros de
outros infelizes cristãos. Le Goff admite que tem poucos documentos em mãos
informando sobre a realidade dessas restituições. Outros historiadores acham
que a religião não tinha lá tanta influência sobre o homem medieval.
O francês discorda. Lembra como religiosos (o monge francês
Geoffrey de Vendôme, entre eles) compararam a hóstia sagrada a uma moeda de
melhor cunhagem. Numa era que viu surgir os seguros e as letras de câmbio, não
podia existir melhor lugar para um usurário do que a crença na existência do
Purgatório, que favoreceu as doações em dinheiro à Igreja por meio das caixas
de esmolas e das bacias das almas. A hóstia consagrada virou, de fato, uma
moeda necessária à salvação, o que prova que o dinheiro não se emancipou dos
valores da religião, conclui Le Goff.
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