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quinta-feira, abril 03, 2014

Gaby Amarantos abre o coração – e dá pra ver o dinheiro lá dentro


André Forastieri

Gaby Ostentação é autocomplacente, autoreferente, pseudopopular, marketeira, obcecada com a imagem, crivada de preconceito de classe, e principalmente boçal.

Claro que tinha que ser apresentada ao público pela primeira vez no episódio final de Big Brother Brasil. E apropriadíssimo que a música só alcance todo o potencial de sua escrotidão no videoclipe.

Gaby prometia mais. Deu nisso – virou “famosa”, uma Preta Gil cover, modelo plástica-e-photoshop. Anda aparecendo muito na TV. Tem música na novela das sete. Vem aí o novo disco, produzido longe do Pará e do tecnobrega, com a missão de tocar na rádio. A “música de trabalho” é Todo Mundo, produzida pelo mesmo Mário Caldato dos Beastie Boys e de Marcelo D2. “É sobre a nossa felicidade em receber a Copa em casa e sobre o otimismo de que tudo dará certo”, explica Gaby, sem ironia visível.

Artisticamente, o álbum nasce supérfluo. O vídeo de Gaby Ostentação é mais que suficiente. Reúne um bando de famosos dublando Gaby e afetando gracinhas e dancinhas. Gente como Luciano Huck, Daniela Mercury, Marcelo Adnet, Marcelo Serrado, Fábio Porchat, Valeska Popozuda, Sérgio Mallandro, Anitta, Dani Calabresa e por aí vai.

A letra passa pito no funk ostentação. Gaby está acima dessas questões materiais, agora que não é mais feia e tá na moda. Diz:

Sou rica
Tô ostentando alegria
Gostosa
Do tipo Maravilhosa
Me escuta
sente a pressão
A felicidade não se compra com cartão

O que aprendemos hoje, amiguinhos? Que “o dinheiro não traz a felicidade”. Falou completar o bordão como aquele velho comercial de Benson & Hedges, “manda buscar”. Porque o vídeo é um bando de ricos e famosos pregando à periferia. Gente que tem muito, cantando a maravilha da vida simples para quem não tem nada.

Gaby Amarantos só aparece no final, silenciosa, carregando cartazes com as mensagens:

Ostente felicidade
Ostente respeito
Ostente paz
Ostente humildade

O vídeo foi lançado no dia da mentira. Acaba com Gaby dizendo “claro que eu não virei funkeira, né galera… a gente reuniu todos esses famosos para falar que a gente pode ostentar muita coisa além do dinheiro, que tá aqui no coração!”

Ostentar muita coisa, além do dinheiro. Dinheiro que tá aqui no coração… Entendeu? Arte não é o que o artista mostra, é o que eu enxergo. Gaby abre o coração, e a gente vê direitinho a grana lá dentro.

Miranda, produtor do primeiro disco de Gaby, e o cara que fez a música do Pará acontecer nacionalmente, lamentou publicamente, postando no Facebook:

“Para a artista talentosíssima que é, que lançou um disco tão inovador e respeitado por todos mesmo que pouco ouvido pelo povo – e pode ser esse o motivo – retroagir para uma música tão fuleira, brega no sentido mais errado da palavra, ainda se valendo de uma quase crítica (oportunista?) a um dos gêneros mais autênticos do país, irmão gêmeo de sua Xirley… ainda por cima embevecida de personalidades globais! Resta-me perguntar: cadê você, Gaby? Que nunca mais apareceu aqui… (citando o mestre Odair José).”

Miranda, amigão, grande coração, segue torcendo por Gaby, e explicitou isso em um segundo post. Eu não. Nem ela precisa da nossa torcida. Tem novos amigos e boa antena. Captou e ostenta com galhardia o ethos da cena cultural carioca. Impressionante como os poucos críticos desta velha máfia não são capazes de capturá-la com tanta precisão quanto Gaby.

Gaby Ostentação navega no veio principal da cultura que compensa. Rebola no bloco dos tropicalistas ministros, e de seu cordão de puxa-sacos na academia e mídia. É o bonde do elogio da ignorância, da fetichização da favela. Trata-se de passar a mão na cabeça dos escravos, para que eles jamais ousem levantá-la. É tudo por dinheiro, sempre, sem fim, e quanto mais vier do tesouro nacional, melhor. Porque do público pagante, sabemos, não vem.

Gaby está prontinha para substituir Regina Casé no Esquenta. E o pior é que certamente consideraria isso um elogio.


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