Calvin Hennick, da Esquire (tradução de Sergio JR)
Pelo menos os que postam comentários...
Há um lugar na Internet onde não há trolagem, belingerância,
ou trocadilhos infames. Um lugar onde ninguém é comparado a Hitler ou a Sarney.
Um lugar totalmente imune a dissecações equivocadas do Obamacare, um lugar onde
ninguém xinga o próximo de “petelho” ou “fascistóide” e as pessoas são capazes
(é verdade!) de se abster de sugerir ao semelhante que vá pra putaquepariu.
Esse lugar é a seção de comentários de qualquer site pornô.
Enquanto os comentários no resto da web aparentemente são
fruto de uma linha de montagem hiperprodutiva tocada por babacas solitários,
paranoicos e de pavio mais curto que coice de preá, os comentaristas dos sites
pornôs não estão nem aí para provar que são mais espertos do que você ou para estragar
o seu dia. Seus objetivos são muito mais simples.
Veja estes singelos exemplos catados no XVideos, um portal
onde passei horas, er... pesquisando o
fenômeno:
“O traseiro dela é TOP!”
“Nota 11! Essa nunca perde
a validade!”
“Ótimo vídeo.”
“Do cacete. Qual é o
nome dela?”
“Se a Kendra fosse
minha irmã eu pegava. Pode isso Arnaldo?”
Ok, talvez nem tudo seja tão edificante assim... Mas sinta
só, quantas declarações sinceras e diretas de admiração, junto de um simples
pedido de informações (“qual é o nome
dela?”).
Agora considere quão raras são coisas desse tipo no resto da
web. Em quase todo site recomendável para se navegar no trabalho, a turba
comenta não para agradecer, mas para soltar os cachorros. Não para perguntar,
mas para pontificar. Procure algum comentário num blog cultural que diga “grande artigo! Em que livraria eu compro as
obras completas do Campos de Carvalho?” Não vai achar, gafanhoto... (Mas acusações
de “petelho” ou “fascitoide” vão estar lá).
Não é só a política ou cultura que trazem à tona o pior da
raça humana. A seção de comentários de qualquer portal esportivo, depois de uma
rodada do Brasileirão é um guisado tóxico de homofobia, xingamentos e deglutição
de bacabas. Assista a qualquer videoclipe no YouTube, e com certeza estará infestado
por uma legião de fedelhos descolados dizendo que seu gosto musical é uma merda.
Eu mesmo vi o estopim da Terceira Guerra Mundial ser acesso numa discussão sobre
qual é a melhor forma de se treinar para o trecho de natação do triatlo.
Pelo visto, não há como evitar que sejamos escrotos uns com
os outros na internet – a não ser que estejamos assistindo a uma boa e velha
putaria, o que nos faz recobrar rapidinho nossa etiqueta.
Há exceções – a maioria dos vídeos com musas do tipo “gordelícia”
atrai comentários como “que mulherão” e “perfeita!”, mas nem todos. Vez por
outra um clipe interracial se torna uma espécie de ímã atraindo sermões segregacionistas.
Mas a vasta maioria das pessoas segue o conselho da Sra. sua mãe e ou dizem
alguma coisa gentil, ou se calam.
A questão é: por quê? O que o pornô tem de especial que nos
impede de virar essa claque ambulante que nos tornamos em qualquer outro lugar,
no instante em que conseguimos uma conexão WiFi?
A explicação fácil é que só ficamos com uma das mãos livres
pra comentar. Ou teria a ver com o desvio do fluxo sanguíneo do cérebro para outro
lugar. Mas acho que tem coisa mais profunda envolvida.
Pornografia é um lance primal. Em qualquer outro endereço
online – mesmo em lugares em que você está anônimo – nós, digamos, continuamos
“vestidos”, incapazes de desnudar nossos egos. Achamos que estamos, como diria J.
Silvestre, “absolutamente certos” sobre tudo – e é muito importante que todos
saibam disso.
Mas quando vemos um pornô, não estamos tentando impressionar
ninguém ou provar nada para nós mesmos. Ficamos totalmente “pelados”. E assim,
em vez de criticar os vídeos ou debater seus méritos até odiar uma pessoa que
nunca vimos na vida, a gente simplesmente relaxa e goza em nossa humanidade
compartilhada.
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