Luís Fernando Veríssimo
Gosto daquela cena do Júlio César, de Shakespeare, em que um
grupo de cidadãos, inflamado pelo discurso de Marco Antônio sobre o corpo
recém-esfaqueado de César que começa como um lamento e termina como uma
incitação à vingança, encontra Cinna, o Poeta, e o confunde com um dos
assassinos. Cinna convence o grupo de que não faz parte da conspiração, mas
isto não o salva. O grupo, exaltado, quer sangue. Cinna é apenas um poeta?
Então “matem-no pelos seus maus versos!”, grita alguém. E Cinna é abatido.
Quando os cães da guerra estão soltos, nos diz Shakespeare, ninguém é inocente.
Imaginei uma variação da cena em que Cinna se identifica,
não como um poeta, mas como um humorista. O grupo não acredita, e desafia Cinna
a provar que é o que diz. Cinna hesita.
– Sim, bem, hmm, deixa ver...
– Matem-no!
– Calma! Deixem eu pensar. Hmmm. Sim. Lá vai.
E Cinna começa a declamar.
– Eu sou Cinna, de Siena, em cena / porque esta é a cena do
Cinna / que preferia ser Cinna lá em / cima, em Siena / do que Cinna em cena e
sem rima. / Mas até quando, em Siena, se encena / esta cena com o pobre do
Cinna / ele morre no fim, é uma pena / por absoluta falta de clima. / E assim
cai em cena o de Siena / pois a cena do Cinna ensina / que ele morre em Siena
ou em cena / porque esta é a sina do Cinna.
Todos se entreolham. Ouve-se uma risada. Depois outra.
“Razoável”, diz alguém. Cinna se entusiasma.
– Vocês conhecem a história da mulher do Brutus? Todos sabem
que a mulher de César precisa ficar acima de qualquer suspeita, e não apenas
ser virtuosa, mas parecer virtuosa. Já com a mulher do Brutus é diferente: ela
tem um fraco por homens mal-encarados. Gosta de ficar embaixo de qualquer
suspeito. Hein? Hein?
Há mais risadas. Estou agradando, pensa Cinna. Talvez até me
salve! Ele continua:
– Dizem que a mulher do Brutus recebe tantos homens na sua
cama que quando o próprio marido a procura, ela diz “Até tu, Brutus?!”.
Mais risadas. Cinna levanta os braços e diz:
– Acabou, gente. Foi ótimo, mas tenho que ir. Vocês foram
uma ótima plateia. Os que me emprestaram seus ouvidos os receberão de volta
pelo correio. Mas sem os brincos. Rá rá. Tchau, hein turma?
Mas alguém grita:
– Matem-no!
Cinna é agarrado.
– O que é isto? Eu não provei que era humorista?
– Provou.
– Então por que vão me matar?
– Por fazer humor numa hora destas!
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