O escritor Koushun
Takami, autor de Battle Royale
Quando foi publicado no Japão, em 1999, o livro Battle
Royale, do jovem Koushun Takami, tornou-se um dos mais vendidos e um dos mais
controversos romances lançados no país. O motivo era sua trama assustadora: no
final do século passado, um governo autoritário e repressivo enfrenta uma
recessão econômica e, por isso, tentar limitar o poder de expressão da
população. Para isso, é criada uma lei que obriga o sorteio de uma classe de
estudantes para participar de um jogo em que a principal regra é matar uns aos
outros, até restar apenas um.
Assim, sob o pretexto de viajar em excursão, 42 alunos são
enviados para uma ilha deserta onde recebem diversos tipos de arma. Sem
alternativa, eles iniciam a matança. Passados 15 anos, Battle Royale continua
intrigante, como prova a versão em português lançada agora pela editora Globo e
traduzida diretamente do japonês.
A obra, que inspirou um filme igualmente violento, dirigido
em 2000 por Kinji Fukasaku e estrelado por Takeshi Kitano, e uma adaptação para
o mangá em 15 tomos (publicada no Brasil de forma incompleta pela Conrad, em
2006), despertou inúmeras discussões, especialmente sobre o comportamento
humano em situações-limite. Afinal, na história, muitos dos jovens,
pressionados pelo terror psicológico, ignoram princípios civilizatórios e
partem para a mais básica forma de preservação da vida: a violência.
Outros, no entanto, ainda continuam a manter a
racionalidade, controlando os impulsos mais primordiais e buscando alternativas
intelectuais para superar a situação desesperadora. Por conta disso, o leitor
se vê em meio a um jogo de imprevisível desfecho e sem herói definido, pois
todos os personagens, mesmo os mais violentos, apresentam características de
fácil identificação.
Elogiado pelo cineasta Quentin Tarantino, que considerou a
versão cinematográfica o melhor filme que tinha visto nas últimas décadas, o
livro glorificou o escritor Koushun Takami, que não esconde sua admiração por
mestres do suspense como Stephen King e Robert Parker, como conta na seguinte
entrevista exclusiva ao Estado, realizada por e-mail e em japonês, com a
tradução de Jefferson José Teixeira, também responsável pela versão em
português do livro.
De que forma as obras
de Stephen King e Robert Parker influenciaram seu trabalho?
Se há algo que aprendi com as obras de King, provavelmente
seria escrever minuciosamente. Talvez seja uma forma cinematográfica de escrita.
Se alguém puxa o gatilho de uma pistola e uma bala é disparada, é importante
para o desenrolar da narrativa saber se o projétil atingirá ou não uma outra
pessoa. Porém, caso isso não ocorra, escreve-se sobre como uma parede atingida
por essa bala que errou o alvo voou para todo lado ou algo semelhante.
Logicamente, King é dotado de uma capacidade muito maior de construir um
universo ficcional em diversos planos e acredito que escrever em minúcias é a
única coisa que pude copiar relativamente bem do estilo dele.
E Parker?
A Spenser Series, de Robert Parker, é particularmente
interessante porque os diálogos entre Spenser e a namorada Susan giram com
frequência em torno de questões sociais, progredindo até chegar a discussões
calorosas envolvendo a condição humana. Aqui, também temos elementos
desnecessários à narrativa, mas que me fizeram atentar para o fato de que, em
obras de entretenimento, é permitido fazer algo parecido.
Seu estilo de
escrita, especialmente nos monólogos interiores, é muito particular. Como é o
processo de trabalho da criação dessa escrita?
Para ser sincero, não acho que a forma como escrevo meus
monólogos seja tão especial. Em obras de vários escritores que li (caso de
japoneses como Hideyuki Kikuchi, Saeko Himuro), essa é uma forma de escrever
relativamente comum. Não estaria eu apenas sendo influenciado por eles? Porém,
eu próprio sinto que escrevo muito na terceira pessoa com um jeito de primeira
pessoa. Até hoje, não consigo escrever bem se não for em uma terceira pessoa
desse tipo.
A violência, embora
sangrenta, está presente em alguns dos momentos mais belos do livro. Qual é a
função da violência em seu trabalho?
Talvez não seja uma resposta completa a esta pergunta, mas
sinto que violência e destruição são coisas “fáceis”. Leva-se tempo para
construir algo, mas destruir é fácil. Bem ou mal vivemos em um mundo onde se
amplia esse tipo de “facilidade”.
O senhor acredita que
a estabilidade emocional é necessária para escrever? Ou o senhor consegue
começar a trabalhar independente de seu estado de espírito? Aliás, seu estado
de espírito reflete em sua escrita?
De uma forma geral, é óbvio que se necessita até certo ponto
de estabilidade emocional, sem a qual se torna impossível criar algo bom (é
impressionante como Dostoievski e outros autores tenham podido escrever
enquanto eram perseguidos pelos cobradores de dívidas). No meu caso,
independentemente do estado emocional, sou capaz de produzir, por exemplo, um
artigo de jornal, mas, para escrever um livro, necessito de determinada concentração
mental. Aí me perguntam se isso significa que o fato de eu não escrever há
muito tempo um livro decente seria devido à minha condição emocional? A
resposta a essa pergunta é: sem Comentários. Porém, não pretendo de forma
alguma deixar de escrever livros. Mas, acontece que, quando se está
sentimental, seu texto se torna sentimental e procuro corrigir isso a todo
custo. E tem um outro lado - falando sinceramente, há casos em que o autor se
deixa levar por um tipo de revolta e, de uma tacada, escreve um volume de texto
considerável. Ou seja, é justamente o oposto da estabilidade emocional. Comigo,
isso acontece. Lembro-me que partes de Battle Royale foram escritas dessa
forma. Há um livrinho de Stephane Hessel, intitulado Indignez-Vous!, ou seja,
eu também sou de certa forma um ser político. Porém, o fato de não escrever um
livro há tempos significa que perdi essa capacidade de me revoltar contra algo?
A isso também eu respondo com um “sem comentários”. Mas não tenho nenhuma intenção
de deixar de escrever.
O senhor percorre uma
linha tênue entre comédia e tragédia. Como é possível manter esse equilíbrio?
Em primeiro lugar, um dos fundamentos de Battle Royale é o
medo. Conforme alguém disse certa vez, “é tênue a diferença entre o medo e o
riso”. Procurei empregar isso de forma positiva na obra. Outro motivo é que eu
próprio sou uma pessoa cômica. Posso dizer que me empenho ao máximo em provocar
risos nas pessoas. Por isso, não tem jeito: seja lá o que eu escreva, acaba
surgindo um elemento humorístico. Além disso, o simples fato de estarmos
vivendo, não é a grosso modo uma linha divisória entre o dramático e o cômico?
Quão importante é a
perspectiva do narrador? Existe uma conexão entre a perspectiva e a verdade?
Como disse há pouco, ao escrever um romance, só consigo
lidar bem com uma “terceira pessoa com jeito de primeira pessoa” (se não for
assim, torna-se completamente primeira pessoa). Além disso, em vez de escrever
sobre uma pessoa incompleta, prefiro escrever sobre uma pessoa “praticamente
completa” (jamais alguém mal formado, mas completo em um sentido positivo).
Basicamente prefiro escrever sobre esse tipo de pessoa. Isso acontece também
com Robert Parker. Tento seguir do meu jeito a tradição dos romances
detetivescos, desde Raymond Chandler. Na estrutura de Battle Royale, aparece o
ponto de vista de muitos personagens. Porém, mesmo assim, alguns dos
principais, a começar pelo protagonista, já possuem um firme código de conduta
(foi minha intenção escrever dessa forma, mesmo que, em grande parte, não
parecesse próprio a alunos da escola ginasial) e os diálogos deles constituem o
núcleo da obra. Todos os principais personagens praticamente “possuem visão de
mundo semelhante”. É exatamente o caso dos principais personagens que aparecem
na Spenser Series. Nomes e condutas, mesmo diferentes entre si, compartilham,
no final das contas, dos mesmos princípios.
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