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domingo, abril 27, 2014

Dois perdidos numa noite suja


Anos 60. Divaldo Martins, hoje juiz aposentado, e Odivaldo Guerra, hoje despachante aposentado, eram estudantes do Colégio Estadual e parceiros de gandaia.

Divaldo morava no Conjunto Kubistchek, na Waupés, e Guerra, na rua Parintins, entre a Borba e a Urucará, ambos na Cachoeirinha.

Uma determinada noite de fevereiro, os dois resolveram tirar o atraso com as raparigas da boate Tererê, no coração da red zone de Manaus (o quadrilátero compreendido entre as ruas da Instalação, Frei José dos Inocentes, Itamaracá e Leonardo Antony).

Como eram lisos e confiados, a situação exigia o famoso xexo, ou seja, depois do serviço consumado, pernas pra que te quero e as vadias que fossem se queixar ao bispo.

Guerra deixou a sua lambreta estacionada num ponto estratégico da rua da Instalação e combinou com o garupa, Divaldo, a presepada. Os dois foram à luta.


Meia hora depois, Guerra saiu vazado do cafofo onde abatera a lebre, montou na lambreta, ligou a máquina e ficou esperando pelo parceiro.

Três minutos depois, lá vem Divaldo na carreira, sendo perseguido por uma puta armada de “jiquitaia” (uma lâmina de barbear encastoada entre dois palitos de picolé, que funcionava como uma navalha Solingen afiadíssima).

Nessa noite, Divaldo estava estreando um mocassim Ballet e, correndo em cima de paralelepípedos, o sapato do pé esquerdo ficou no caminho.

A puta apanhou o sapato como se fosse um troféu de guerra, mas continuou a perseguição.

Para sorte de Divaldo, estava passando o último ônibus da meia noite pela rua da Instalação.

Ágil como um gato, ele conseguiu subir no ônibus em movimento, sentou-se em uma das janelas sério que só cachorro andando de canoa, enquanto a puta corria ao lado do ônibus, gritando toda sorte de imprecações e triturando o mocassim com sua “jiquitaia” amoladíssima.

A puta desistiu da perseguição na rua Sete de Setembro.

Guerra acompanhou a presepada, montado na lambreta e seguindo o ônibus.

No Canto do Quintela, Divaldo desceu do ônibus, subiu na garupa da lambreta e os dois foram para casa.

Naquela época, os pais só davam sapatos para os filhos uma vez por ano, quase sempre no Natal.

Divaldo passou o resto do ano enfaixando diariamente o dedão do pé esquerdo com esparadrapo, para poder sair de casa usando, em um dos pés, o mocassim, e, no outro, uma sandália havaiana.

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