Arnaldo Jabor
Converso com muita gente culta, de gravata, e concluo: três
milhões de pessoas foram protestar nas ruas, mas pouca gente entende realmente
o que está acontecendo no Brasil profundo. Profundo no sentido de detalhes contábeis,
dos segredos de gaveta que só os carunchos conhecem. Ninguém sabe nada. Essa
deficiência da opinião pública é que os petistas usarão para arrasar o governo
do Temer.
Como o presidente em exercício tem pouco tempo, e como a
cagada deixada por Dilma e PT foi imensa, teremos dois anos (se Deus ajudar)
para reorganizar a economia, que teve perda quase total. É difícil, por causa
das sabotagens e da lentidão brasileira. Por isso, Lula está adorando o
impeachment de Dilma. É a melhor coisa que podia lhe ter acontecido.
O Sarney disse outro dia na gravação que Lula estava muito
deprimido. Deve estar, mas não é uma melancolia inócua, passiva, sem rumo; não,
Lula está se preparando para sapatear em cima dos erros e dificuldades
inevitáveis desse governo.
Agora, ele e seu PT podem partir para a oposição, contando
com uma população imensa de imbecis que serão convencidos de que o impeachment
foi só para acabar com a Lava Jato.
A narrativa deles será a de que todo mundo sempre roubou e
que eles só entraram na regra do jogo. Mentira. A corrupção do PT inventou algo
novo: corromper para governar, pois revolucionário pode roubar em nome do Bem.
E, assim, bateram um recorde mundial: nunca na história do mundo houve uma roubalheira
organizada como essa.
Temer tem a difícil tarefa de andar na corda bamba, no fio
da navalha entre uma equipe econômica de primeiro time e um restolho de
vagabundos, que aparelharam ministérios e repartições em geral. Se bobear,
Temer pode eleger o Lula em 18, se o ‘grande líder do povo’ não for em cana.
Uma transição de governo intempestiva gera medo, mas também
uma esperança de mudança imediata. “Ahhh…, acabou o PT, o ‘petrolão’ – agora
seremos felizes.” Auriverde ilusão de minha terra…
O problema é que a herança maldita dessa terrível senhora é
um emaranhado infernal para se consertar. Em dois anos, seríamos uma Venezuela.
E esta é a felicidade do Lula: a expectativa dos mal informados (que são a
maioria) vai se esfarinhar e o Temer será culpado pela cagada que o PT deixou
no meio-fio. A culpa vai ser dele em pouco tempo.
Brasileiro ‘assiste’ ao Brasil. Brasileiro assiste à
política como um Fla x Flu, torcendo, xingando juiz, mas quer que o Estado
resolva tudo, pois não sabe que o Estado é o problema e não a solução. A
sociedade protesta, mas não sabe como tomar as rédeas.
Este governo tem um só caminho: conquistar um apoio da
sociedade, para que ela entenda que não se trata de ideologias e, sim, de uma
tragédia contábil. “É a economia, estúpidos!” (citando o refrão batido do James
Carville.)
Temer vai ter de arrumar as contas. Só. E, aí, vem a
esparrela: como expulsar 100 mil vagabundos aparelhados no governo? Como
impedir que volte a lama debaixo do tapete? Nosso complexo de impotentes
renasce feito rabo de lagarto. Debaixo de nossos olhos, a máquina da sordidez
nacional ressuscita, como um monstro de ficção científica, um “Alien”.
Os escândalos, cada vez maiores, não podem encobrir o dano
nas contas públicas. E tem mais: vai haver aumento de impostos, sim. Não
adianta chorar. É impossível, só com ajustes e cortes, resolver o buraco da
Dilma de R$ 170 bilhões jogados no lixo. E aí? Como explicar?
Esse é o maior perigo: a teia de escândalos pode mascarar os
urgentes acertos da República devastada.
Precisamos que o Temer dê certo, ao menos na economia.
Porque ninguém vai às ruas apoiá-lo. Todo mundo tem medo de apoiar governos. É
impossível imaginar que brasileiros vão às ruas para defender o ajuste fiscal:
“Queremos ajustes!”. É mais fácil ser contra. A oposição enobrece, a adesão é humilhante.
Por outro lado, os militantes pagos da CUT, do MST e outras
siglas vão para as ruas, gritar contra. Rolam boatos fortes de que o PT está
reunindo muita grana para comprar uns três senadores. É possível.
Por isso, acho que uma das coisas mais sérias que este
governo tem de buscar é a comunicação com o país.
Vi outro dia o Temer falando e achei que ele está imbuído de
um desejo real de entrar para a história como um cara que ajudou a consertar o
Brasil. Houve momentos em que ele mostrou uma virilidade legal. Por exemplo,
quando disse que já tinha sido secretário de Segurança em SP e que não tinha
medo de bandido. Ali, o povo gostou.
Acho que gostou também quando ele disse que não tem medo de
errar e que, se errar em algo, consertá-lo-á. Acho ótimo um presidente falando
em mesóclises. Melhor que a Dilma na mandioca. Temer tem de falar, muito,
explicar para a população o que significa esta fase de nossa vida, muito além
de corrupção ou ideologias.
Tem de explicar. Olho no olho. Sem propaganda. Tem de conquistar
um carisma. Tem de explicar, como numa gramática, o que é dívida pública,
gastos inúteis, aparelhamento do Estado; as pessoas têm de saber contra o que
estão gritando ou marchando.
A corrupção imensa, pavorosa, não é o núcleo da questão. Ela
nasce das condições arcaicas de dentro da organização política e
administrativa. Nossa formação patrimonialista está explodindo agora, depois de
séculos. É preciso criar um espaço simbólico para esta presidência transitória.
FHC não explicou com clareza o que estava fazendo em seu
governo. FHC não conseguiu criar um espaço reconhecível pela opinião pública,
que não pode ser confundido com propaganda ou marketing.
Por isso, seu excelente governo, que acabou com a inflação e
nos jogou num novo mundo administrativo, acabou arrasado pela oposição do PT
diante de uma opinião pública desinformada, aérea. É preciso que as pessoas se
sintam passageiras no trem do seu governo.
É importante que o lado ‘espetaculoso’ das denúncias não
crie uma institucionalização da zona. Há um velho hábito de acharmos que o
Brasil não tem jeito. O perigo é ficarmos cínicos, fatalistas e desesperados.
Se não der certo, estamos fodidos.
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