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quarta-feira, maio 18, 2016

Uma outra Argentina possível


Por Mario Vargas Llosa

Será que finalmente terminou para a Argentina o tempo dos desvarios populistas e do feitiço suicida que o “socialismo do século XXI” de Chávez e Maduro exerceu sobre o governo dos Kirchner? Depois de passar uma semana neste país, alegra-me dizer que sim, que, em seus poucos meses no poder, Mauricio Macri conseguiu levar a cabo reformas valentes e radicais para desmontar a máquina intervencionista e demagógica que estava arruinando uma das nações mais ricas do mundo, isolando-a e empurrando-a para o abismo.

Não é necessário recorrer a pesquisas e estatísticas para demonstrá-lo: a mudança está no ar que se respira, na maneira como as pessoas falam do momento atual, no alívio e no otimismo com que ouço a maior parte dos conhecidos e desconhecidos comentar a política atual.

É verdade que a oposição peronista – ainda que talvez fosse melhor dizer kirchnerista, pois o peronismo, formado por um leque de tendências, não é unívoco em sua oposição, mas sim diversificado e matizado – não deu ao novo governo um prazo de carência, e começou a atacá-lo sem piedade e a tentar sabotar osinceramiento [adequação à realidade] da economia – o cancelamento dos subsídios que a asfixiavam – e se colocar em posição contrária às reformas. Mas os benefícios já são visíveis e inequívocos.

Desde seu acordo com os detentores dos chamados “fundos abutres”, a Argentina recuperou o crédito internacional, e o desaparecimento do cepo [controle cambial] devolveu à sua moeda uma estabilidade da qual não usufruía há tempos.

A visita do presidente Obama, que significou um importante aval à nova Argentina, abriu um desfile de visitantes dignos de nota, das áreas política e econômica, que vêm para explorar a possibilidade de investir em uma terra pródiga em recursos que as políticas autistas e nacionalistas da senhora Cristina Kirchner estavam levando a uma ruinosa autarquia. E em política internacional o governo de Macri reverteu totalmente aquela do regime anterior, manifestando sua vocação democrática, criticando a violação da legalidade e dos direitos humanos na Venezuela e pedindo que o regime de Maduro abra um diálogo com a oposição a fim de assegurar uma transição pacífica que ponha fim à lenta desintegração de um país que o estatismo e o coletivismo levaram à fome e ao caos.

Que diferente é ligar a televisão e, em vez dos lugares-comuns e dos slogans terceiro-mundistas que faziam às vezes de ideias nos discursos da senhora Kirchner, escutar o presidente Macri, em uma entrevista coletiva, explicando com clareza, simplicidade e franqueza que desafogar uma economia paralisada pelo construtivismo demagógico tem um preço alto e inevitável e que, sem esse saneamento que é voltar da fantasia à realidade, a Argentina nunca sairia do buraco no qual foi atirada por uma ideologia fracassada em todos os países que a aplicaram.

Ouvi-o explicar também, de maneira absolutamente persuasiva, por que a erroneamente chamada lei antidemissões, que acaba de ser aprovada pela oposição no Senado, só servirá para dificultar a geração de novos empregos, ao desencorajar as empresas a ampliar seus serviços e contratar mais funcionários.

Em todas as intervenções públicas e em conversas privadas que escutei esta semana o novo chefe de governo argentino me pareceu desprovido da arrogância que costuma acompanhar o poder e da retórica inconsistente de tantos políticos, e empenhado em construir pontes e em convencer seus compatriotas de que os sacrifícios necessários para acabar com o nefasto populismo são o único caminho através do qual a Argentina pode recuperar a prosperidade e a modernidade das quais já usufruiu no passado.

E evidentemente há razões para acreditar nisso. A Argentina é um país muito rico em recursos naturais e humanos; o sistema educacional exemplar que teve no passado, apesar de ter se deteriorado com as más políticas dos governos precedentes, ainda produz cidadãos mais bem formados do que a média latino-americana – talvez nenhum outro país da região tenha exportado mais técnicos de alto nível para o resto do mundo –, e não há dúvidas de que, com as reformas agora em andamento, os investimentos estrangeiros, retraídos durante todos estes anos, voltarão em grande número a uma terra tão pródiga, criando os empregos necessários e elevando os níveis de vida e as oportunidades para os argentinos.

Há um aspecto que gostaria de destacar entre as mudanças vividas pela Argentina. Com a liberdade de expressão, que sofreu tantas avarias durante os governos dos Kirchner, a corrupção, que sob esse Estado que Octavio Paz chamou de “ogro filantrópico” proliferou de maneira cancerosa, agora é revelada e, justamente nestes dias a imprensa dá notícias estarrecedoras sobre as quantias vertiginosas acumuladas pelos testas de ferro dos antigos mandatários, monopolizando as obras públicas de regiões inteiras e saqueando seus orçamentos de maneira impudica, transformando em bilionários aqueles donos do poder que se vangloriavam de ser revolucionários anti-imperialistas e inimigos jurados do capitalismo.

Duvido muito que haja um só capitalista no mundo que tenha acumulado uma fortuna tão prodigiosa como Lázaro Baez, aparentemente testa de ferro de Néstor Kirchner e agora na prisão, ex-tesoureiro de um banco de Santa Cruz que alguns anos depois possuía cerca de 400 propriedades rurais e urbanas e cerca de uma centena de automóveis em seu país, e comprava apartamentos e casas em Miami por mais de 100 milhões de dólares.

O êxito da Argentina nas pacíficas reformas democráticas e liberais que está empreendendo tem uma importância que transcende suas fronteiras. A América Latina pode aprender muito com este país que, depois de quase chegar ao fundo do poço por culpa da ideologia coletivista e estatista que esteve a ponto de arruiná-lo, ergue-se de suas próprias cinzas com os votos de seus cidadãos e tem a coragem de desfazer o caminho equivocado.

E inicia um novo, aquele dos países que graças à liberdade – a única verdadeira, ou seja, a que engloba a política, a economia, a cultura e os âmbitos social, cultural e pessoal – alcançaram os melhores níveis de vida da atualidade, os que mais reduziram a violência nas relações humanas e os que criaram a maior igualdade de oportunidades para que seus cidadãos possam concretizar suas aspirações e seus sonhos.

Ainda que às vezes de maneira confusa, acredito que este seja um ideal que foi criando raízes nos países latino-americanos, onde os antigos modelos que disputavam a preferência da população – as ditaduras militares e as revoluções armadas socialistas – perderam prestígio e atualidade e só valem para minorias insignificantes. Por isso é que, com exceção de Cuba e Venezuela, em toda a região agora há democracias, apesar de algumas serem muito imperfeitas e estarem ameaçadas pela corrupção.

A Argentina pode servir de exemplo para renová-las, purificá-las e atualizá-las, de modo que se integrem ao mundo e aproveitem as grandes possibilidades que este oferece aos países que se apropriam da cultura da liberdade.

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