Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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segunda-feira, outubro 31, 2011
Arte e Ciência de Entrar no Canavial sem se Machucar (Parte 1)
Com tantos motoristas filhos da puta se embriagando, atropelando e matando inocentes nos fins de semana, não se pode dizer que esta seja uma época de ouro para biriteiros.
O álcool é de novo a bola da vez e está começando a reivindicar para si a taça de vilão público número um, arrebatada na última década pelo cigarro.
Entrementes, vamos ouvir o que Charles Baudelaire, autoridade internacional em matéria de paraísos artificiais, diz do álcool, particularizado aqui no vinho: “O vinho é semelhante ao homem: não se saberá jamais até que ponto se pode estimá-lo ou desprezá-lo, amá-lo ou odiá-lo, nem de quantas ações sublimes ou de mancadas monstruosas ele é capaz. Não sejamos mais cruéis com ele do que somos com nós mesmos, e tratemo-lo como um igual”.
Pois então, tratemo-lo.
Quando Cole Porter, numa canção memorável, disse à sua amada “You go to my head, like the bubbles of a glass of champanhe...” (“Você me sobe à cabeça como as bolhas de uma taça de champanhe...”), ele se declarava em dose dupla: à mulher e à bebida, comparáveis porque sublimes, em princípio.
Mas o bardo americano poderia muito bem ter cantado o dry-martini.
E com a vantagem de que o gim, associado ao vermute branco seco (Noilly Pratt, de preferência), sobe à cabeça como uma “silver bullet” (“bala prateada”), um dos apelidos da bebida preferida do crítico e ensaísta Edmund Wilson (Rumo à Estação Finlândia), que se aboletava para escrever no bar do hotel Algonquin, em Nova York, diante de seis martinis, e só se levantava com o sexto cálice devidamente enxuto.
Nesse ponto, se as idéias do grande escritor podiam ainda se manter lúcidas, o mesmo não se diria de sua caligrafia e do controle sobre o próprio esfíncter.
Seja como for, e antes que nos percamos em divagações perfunctórias sobre qual tipo de mulher seria mais desejável – a que o faz como bolhas de champanhe ou a que nos dispara miolos adentro como bala prateada –, deixem-me dizer-lhes que o meu interesse pelas bebidas como tema não é inferior à queda que eu tenho por elas enquanto fenômenos líquidos, trabalhados pelo engenho do homem para nos dar prazer, e perfeitamente potáveis.
É um interesse legítimo, já que o próprio Cristo elegeu como seu primeiro milagre a famosa conversão da água em vinho, numa festa de casamento.
É claro que um bom vinho à mão sempre ajuda a conquistar as mulheres, ou pelo menos as melhores, dizem os experts, mas não creio ter sido essa a intenção imediata de Jesus Cristo.
O foco do milagre era mesmo a bebida, por acreditar, quem sabe, o bom Cristo que boa parte da alegria desse estranho mundo nos vem do álcool, graças a Deus.
Os gregos, como sempre, já sabiam disso bem antes de Cristo e já reverenciavam com especial carinho o deus do vinho, Baco.
Na antigüidade, Baco, ou Dionísio para os romanos, era considerado o deus do teatro e seu templo por excelência se situava no palco iluminado pelo sol e pelas estrelas das arenas gregas.
De fato, os grandes poetas dramáticos como Sófocles e Eurípedes contavam-se entre os fiéis seguidores de Baco.
Em honra dessa divindade é que escreviam seus Édipos e Medéias representados nos festivais dionisíacos, na abertura da primavera, por dias a fio, com os espectadores enchendo a cara, comendo, dormindo, defecando e copulando à vontade na platéia.
Aliás, se ainda hoje fossem assim, os teatros viveriam lotados e os templos dos neopregadores pecuniólatras andariam às moscas.
A Baco é que se creditava a inspiração, só Baco dava a seu fiel o máximo.
Só ele, quando ingerido em forma de vinho, tornava um reles mortal em deus, pelo menos até o advento da ressaca.
Por essa razão, até os nossos dias, esse deus grego é reverenciado por artistas em geral, e escritores americanos em particular.
O que escritor americano bebe não está nas calendas gregas.
Eles bebem antes, durante e depois de um grande porre.
Consta que o dramaturgo Tenessee Williams (“Um Bonde chamado Desejo”), em visita ao Brasil nos anos 50, despencou em seu hotel paulistano no vale do Anhangabaú num porre monumental.
Apagou na cama de terno e sapato e, no dia seguinte, ao abrir a janela de seu quarto, perguntou: “Mas que porra estou fazendo aqui nessa merda de Chicago?”
Esquecido da viagem, os modestos arranha-céus de São Paulo lembraram-lhe a grande cidade americana.
O que não faz o álcool...
O romancista Ernest Hemingway (“O Velho e o Mar”), outro que vivia tocado pelos eflúvios dionisíacos, foi visto mais de uma vez esfarelando empadinhas nas espáduas decotadas das mulheres madrilhenhas, durante as festas chiques dadas pela escritora Virginia Wolf em Paris, para despertar-lhes frisson e teson.
Se isso é verdade (duvido...), papa Hemingway estaria hoje confinado numa masmorra feminista levando chicotadas de uma Simone de Beauvoir vestida de espartilho, botas de salto agulha e sutiãs de aço.
Scott Fitzgerald (“O Grande Gabsty”), que sofria de complexo de pau pequeno, abria a braguilha nas festas e mostrava seu controvertido membro aos demais convidados pedindo-lhes opinião sincera: “Você acha muito pequeno? Que nota você lhe daria numa escala de um a cem? Setenta e cinco? Pare de tomar esse whisky ridículo e fale a verdade!”.
Outra versão dessa mesma história garante que Fitzgerald fez isso de fato, mas só uma vez, e com seu então amigo Hemingway, que descreveu o incidente no romance “Paris é uma festa”!.
O membro de Fitzgerald tinha proporções normais.
William Faulkner, que a julgar por sua fama tomava banho de cerveja, fazia gargarejo com gim e lavagem estomacal com bourbon todo santo dia, jurava que bebia para tornar as outras pessoas mais interessantes.
E, se não foi o Faulkner quem disse isso, foi sem dúvida algum outro escritor bebum, americano ou inglês, o que, para efeitos etílicos, é quase a mesma coisa.
E algum gastropunk espalhou que Herman Mankiewcz, romancista, dramaturgo e roteirista de Hollywood, jantando um dia na casa do patrão, Louis Meyer, big tycoon da MGM, bebeu tanto que deu um incontrolável vomitão no carpete.
Teve, porém, a fineza de tranqüilizar seu anfitrião: “Não se preocupe, o peixe saiu devidamente acompanhado do vinho branco”.
Já Truman Capote (autor da obra-prima “A Sangue-Frio”), que, fazendo jus ao nome, capotava dia sim, dia idem, emergiu, depois de um porre dionisíaco, de seu quarto de hotel nu como a necessidade.
Depois de percorrer corredores e saguões espelhados do famoso cinco-estrelas, dirigiu-se à recepção para reclamar: “Tem um sujeito pelado perambulando por aí. E o pior é que ele está me seguindo”.
Nem todas as histórias de escritor americano bebum são assim tão edificantes.
O beat William Burroughs (“Junky” e o “Almoço Nu”), por exemplo, tentando se curar do vício da heroína à base de doses tiranossáuricas de gim com anfetaminas, teve a infeliz ideia de equilibrar uma maçã na cabeça de sua mulher, Joan, e fazer mira na fruta com uma Magnum 44.
Errou por centímetros – e para baixo, explodindo a cabeça da esposa.
Amigos e seu próprio médico lhe aconselharam a voltar para a heroína.
Histórias, histórias.
As de bêbado são como as de pescador: tanto melhores quanto menos prováveis.
Não importa.
Aliás, foi Baudelaire que sentenciou cavernoso como um corvo do Edgar Allan Poe: “Um homem que só bebe água tem um segredo maligno a esconder de seus semelhantes”.
Ou, o que o poeta Paulo Mendes Campos, de certa feita, confidenciou para o também poeta Vinicius de Moraes: “Não conheço nenhuma amizade verdadeira que tenha começado em uma leiteria”.
Os escritores americanos Ernest Hemingway e Scott Fitzgerald e o filósofo francês Jean-Paul Sartre tinham em comum, além do imenso talento literário, uma mesma paixão: adoravam passar horas em mesas de bar apreciando alquimias alcoólicas.
Hemingway chegou a cunhar um quase poema a respeito de seus coquetéis prediletos: “My Mojito in La Bodeguita/ My Daiquiri in El Floridita”, saudando também os dois bares mais famosos de Cuba.
Fitzgerald e Sartre foram clientes assíduos, em Paris, do Harry’s New York Bar, fundado em 1923 pelo escocês Harry MacElhone.
Nasceram nesses cenários coquetéis como o Bloody Mary.
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Um comentário:
Simão, brilhante relato! Aliás, como ex-presidentes. poderíamos marcar um encontro com Baco para promover eleições para o Sindicato dos Escritores. Há recursos para entidades como o Sindicato nos editais do Fundo de Apoio ao Livro e a Leitura, do MINC. Não é para o mercado . É para a criação cultural. De qualquer modo, nunca bebi e já parei de fumar há 3 anos. Atualmente, minha inspiração vem através do Jabourandi, o famoso "João Brandinho". MIsturado com álcool de arroz, distende a percepção e a imaginação criativa, além de ser antioxidante e anti cancerígeno!
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