Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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segunda-feira, outubro 17, 2011
O endiabrado Sadok Pirangy
Sadok me garantiu que vai estar em forma para o Super Master de Futebol, no campo do Penarol, exclusivo para jogadores acima de 60 anos, com previsão de início agora em dezembro
Agosto de 1965. No final da rua Tefé, quase no cruzamento com a rua Urucará, funcionava o campinho do Sidônio, um humilde operário da Fitejuta.
A pelada oficial acontecia no sábado, com o time do Sidônio entrando em campo às 15h, contra uma adversário escolhido previamente para uma “partida de dez”.
Isso significa dizer que não havia tempo a ser cronometrado: ganhava quem conseguisse fazer primeiro dez gols no adversário, durasse a partida quinze minutos ou 72 horas.
As substituições também eram inesgotáveis – qualquer pessoa podia vestir a camisa do time e entrar em campo, na hora em que o técnico mandasse.
Era um campo de futebol society: sete na linha e um goleiro.
O Cruz Alta, time do Sidônio, que ele orgulhosamente dizia ser do bairro da Raiz, estava invicto há 32 partidas.
Foi quando eles convidaram o time do Barcelona, da Cachoeirinha, que estava estreando um novo centroavante, Sadok Pirangy, um exímio driblador, brilhante cabeceador e chutador invocado, que jogava no infanto-juvenil do Fast Club.
Detalhe: Sadok, que tinha um canhão nas pernas, era ambidestro – metia o foguete com as duas pernas.
Com dois minutos de jogo, Sadok recebeu uma bola de costas para o gol, fez que ia passar para o lateral, o marcador foi na onda, ele girou sobre o próprio corpo e deu uma canetada.
A bola bateu com tanta força na rede que foi parar no meio campo.
Barcelona 1X0.
Sidônio ficou visivelmente perturbado.
Na mesma hora, ele colocou três zagueiros para marcar o estiloso centroavante.
Acabou desguarnecendo os flancos, o que é fatal no futebol-society.
Com quinze minutos de jogo, o Barcelona já estava ganhando de 3X0 - graças a duas assistências primorosas de Sadok.
Sidônio entrou em desespero.
Refez a estratégia de marcação, com dois homens colados em Sadok e o terceiro jogando de líbero, para partir rápido, em contra-ataques, rumo ao gol adversário.
Também não deu certo.
Com meia hora de jogo, o Barcelona já estava ganhando de 5X1.
Foi quando uma senhora mirradinha se aproximou da beira do campo e disparou:
– Sidônio, meu filho, hoje é o casamento do teu primo Zé Geraldo. Você é um dos padrinhos, não se esqueça! A gente tem que estar na igreja às 18h!
– Já ouvi, mãezinha, fique fria que daqui a pouco a gente vai pra igreja...
O jogo recomeçou.
Sidônio conseguiu fazer uma retranca quase impossível de ser transposta, com todo mundo no campo de defesa.
O diabo é que toda vez que o Barcelona cruzava uma bola na área, o Sadok estava lá, subindo de cabeça, pra mandar pros fundos da rede.
Com duas horas de jogo, o Barcelona já estava ganhando de 7X2.
Foi quando a senhora mirradinha se aproximou da beira do campo pela segunda vez e disparou:
– Sidônio, meu filho, hoje é o casamento do teu primo Zé Geraldo. Você é um dos padrinhos, não se esqueça! A gente tem que estar na igreja às 18h!
– Já ouvi, mãezinha querida, fique fria que daqui a pouco a gente vai pra igreja. É só uma questão de tempo...
O jogo começou a esquentar.
Qualquer sujeito com corpo de halterofilista entrava em campo pelo Cruz Alta, com a incumbência específica de quebrar as duas pernas do centroavante.
Sadok, mais endiabrado do que nunca, limitava-se a tourear as vacas brabas.
Um “chagão” aqui, um “chapéu” ali, e colocava alguém na cara do gol. Um massacre.
Com três horas de jogo, o Barcelona estava ganhando de 9X3, quando a senhora mirradinha se aproximou da beira do campo pela terceira vez e disparou:
– Sidônio, meu filho, hoje é o casamento do teu primo Zé Geraldo. Você é um dos padrinhos, não se esqueça! A gente tem que estar na igreja às 18h! E falta quinze minutos pra começar a cerimônia...
Sidônio, espumando de ódio e sentindo na pele que a invencibilidade do Cruz Alta estava indo pelo ralo, nem discutiu:
– Mamãe, vá a senhora e o Zé Geraldo pra puta que pariu! Eu quero é que aquele corno se foda! Não vou ser padrinho daquele viado, porra nenhuma! Vá se foder a senhora, o Zé Geraldo, a futura puta dele, o padre, os outros padrinhos, os convidados e a puta que pariu! Eu quero é que vocês todos se fodam e me deixem em paz! Vão tomar no cu, entendeu? Vão, vocês todos, tomar no olho do cu, que estou me lixando pra essa merda toda!
A senhora mirradinha saiu quase correndo da beira do campo e tomou chá de sumiço.
Dez minutos depois, Sadok colocou uma pá de cal na disputa, depois de driblar o goleiro e fazer Barcelona 10X4.
O Zé Geraldo nunca mais falou com o Sidônio.
Essas coisas não se diz em público.
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