Por Luís Fernando Verissimo
“Não se pode fazer omelete sem quebrar ovos” é “o fim
justifica os meios” transformada em receita. Mesmo que você concorde com a
velha e debatível máxima e sua versão para a cozinha, invocada para desculpar
algumas das piores barbáries da nossa espécie, é preciso lembrar o que disse,
certa vez, o crítico José Onofre: tem gente que não se interessa pela omelete,
gosta do barulhinho de ovos quebrando. Gosta do crec-crec. É o chamado fator
Filho da Puta.
Há Filhos da Puta em todos os grupos humanos. Eles se
caracterizam pela maldade gratuita, pelo chute a mais. No futebol existe uma
diferença, às vezes tênue, entre a “falta necessária” e a “falta desnecessária”
que o juiz flagra ou não flagra mas que expõe o Filho da Puta a um julgamento
instantâneo.
Mas o pior Filho da Puta é o que anda armado e tem a lei do
seu lado, ou pelo menos às suas costas. Você já o viu em ação. Raras vezes o
viu punido. É o policial que bate quando o manifestante já está dominado. O
militar que se aproveita do poder para exercer a sua prepotência, ou o seu
gosto em quebrar ovos.
As Forças Armadas e policiais brasileiros têm um péssimo
retrospecto quando se trata de controlar, ou mesmo reconhecer, seus Filhos da
Puta. Ou reconhecem e justificam. Existem teorias de contra insurgência que
defendem o terror como instrumento, a ameaça do excesso como método e,
portanto, o Filho da Puta como um boçal necessário.
Muitos Filhos da Puta hoje podem se convencer de que não
estavam fazendo outra coisa nas salas de tortura, durante a longa noite dos
generais, senão um omelete redentor.
Com o aumento da criminalidade a questão de meios e fins se
torna debatível como nunca. Tem gente clamando por um “endurecimento” na
repressão ao crime, e não são poucos os que querem estender a dureza a outras
ameaças à ordem, como manifestações legítimas de sem-terras e outros
despossuídos da nossa pseudo-social-democracia contra uma falsa ordem.
A emergência do momento justificaria todos os meios,
inclusive os mais potencialmente desastrados. A tese da violência contra a
violência depende, para vencer, de um certo cochilo deliberado, uma certa
suspensão de pudores jurídicos e morais – ou seja, de uma licença tácita para
os Filhos da Puta exercerem o seu gosto pelo crec-crec. Até as coisas
melhorarem – ou não sobrarem mais ovos, o que vier primeiro.
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