Por Xico Sá
Nada melhor que uma mulher que acabou de chegar da feira.
Sacola na mão, fome de viver, sorriso de princesa. Os vendedores de frutas,
peixes e verduras são mestres na arte de reconhecer talentos e animar as moças
com os seus adjetivos. Adjetivos às pencas, elogios às dúzias, mimos, dizeres,
samba exaltação, graças.
Meia hora de uma mulher na feira vale mais do que um mês de
análise, do que a onda de orientalismos tantos do mercado, do que a yoga, do
que o mestre japonês das agulhas, do que uma banheira de sais, do que um dia na
Oscar Freire...
Nem mesmo quando as mulheres estão acompanhadas, os
feirantes dão sossego. Esperam você, jovem mancebo, se distanciar um pouco,
dois, três passos, e tome gracejos e flertes à baciada.
“Olha a manga, gostosa!”, bradam, administrando com malícia
a vírgula e o duplo sentido na ponta da língua.
“Ovo e uva boa!”, arriscam para as elegantes damas de preto.
“Essa é modelo!”, capricham para as gazelas saltitantes.
“Gisele!”
“Se eu fosse um peixe, eu seria um namorado!”.
É a boa guerra dos mascates. Eles vão no ponto, exatos como
neurocirurgiões do desejo. Sabem de longe, por exemplo, quando uma mulher tem
alguma encrenca com a idade.
Em um segundo, sapecam um tratamento carinhoso: “Pra mulher nova, bonita e carinhosa, eu não
vendo... eu me dou todinho!”
E mais: “Só vendo pra menores de 18 acompanhada pelos pais”.
Em dias de chuva, mandam ver de acordo com o meteorologista:
“Essa é enxuta até debaixo d'água”, alardeiam.
Um bom feirante reduz até os efeitos de uma TPM, de uma
dívida nunca paga, de uma culpa que corrói o juízo, de um regime ainda sem
resultados – elas ainda não sabem que uma polegada a mais, uma a menos, pouco
importa para quem tem gosto de fato por mulher.
Nada como incentivar o caminho da feira mais próxima da sua
casa para as mulheres.
No Ceasa, então, os
adjetivos saem a grosso e a varejo, na bacia ou nos caixotes.
Os feirantes não mentem jamais. Eles sabem, mais do que
ninguém, que em toda mulher, seja quem for, existe um traço ou um aspecto de
beleza.
Afinal de contas, mulher é metonímia, parte pelo todo, você
passa a apreciá-la por uma boca, um pé, uma orelha, uma mão, uma omoplata, um
belo ilíaco ressaltado, uma saboneteira, uma marca sulcada de vacina, um corte
no joelhinho esquerdo, uma cicatriz de artes de infância, uma bela bunda faceira,
uma falsa magra, um umbiguinho do mundo, aquele tom cinza dos cotovelos da
espera...
Na passarela dos feirantes, a insegurança feminina, mesmo
naqueles dias em que o cabelo acorda brigando com as leis do cosmo, dissolve-se
em segundos, num suspiro, na velocidade de um pastel, na ligeireza de um
caldo-de-cana.
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