Algumas decisões politicamente corretas são tão absurdas,
tão próximas do ridículo que até artistas consagrados são contra. É o que está
acontecendo com o fascismo cultural envolvido na censura às músicas consideradas
incorretas nos repertórios das bandas e blocos de rua.
A lista é considerável. Segundo o Estadão, O Cordão do
Boitatá, no Rio, decidiu acatar a proibição de não tocar O Teu Cabelo Não Nega, de Lamartine Babo. Os versos “mas como a cor
não pega, mulata / mulata eu quero o teu amor” seriam os vilões de um mundo que
não condizia com a realidade.
Outro clássico das marchinhas de carnaval que fizeram a
alegria de muitos, Ai que Saudades da
Amélia, que Mario Lago e Ataulfo Alves fizeram em 1942, já está na lista
das “proibidas do carnaval”.
O próprio Caetano Veloso diz: “Sou mulato e adoro a palavra
mulato: é como o país é chamado em Aquarela
do Brasil, que é nosso hino não oficial. Sempre detestei A Cabeleira do Zezé por causa do refrão
“corta o cabelo dele”, que é repetido como incitação a um quase linchamento.
Mas não tenho vontade de proibir nada”. Às vezes, até o polêmico baiano tem
noção do ridículo.
A folia contra o bom-senso também chegou a São Paulo onde
alguns blocos se posicionaram a favor do cuidado com o que iriam tocar para não
reforçarem supostos preconceitos. A clássica Índio Quer Apito foi vetada por ser depreciativa aos costumes e
hábitos dos nossos silvícolas.
O compositor João Roberto Kelly tem cerca de 100 marchinhas,
todas diametralmente opostas às ideias da patrulha do mimimi: Cabeleira do Zezé, Menino Gay, Maria Sapatão
e Mulata Bossa Nova são algumas.
“Nunca vi um patrulhamento tão grande, nem no tempo da
ditadura. Carnaval é brincadeira, meu querido. A gente goza do careca, do
barrigudo, não podemos levar as coisas ao pé da letra”, ensina ele.
Tom Zé é outro que se assusta quando ouve que sambistas
estão deixando de tocar Amélia. “Puxa vida, mas ela era uma mulher tão
dedicada… Carnaval é a época de fazer tudo ao contrário, mas agora querem
consertar o mundo.”
“Estão querendo mostrar serviço no lugar errado”, insiste
Djavan. Para ele, a discussão do reforço de estereótipos precisa passar, antes,
pela educação. “O racismo está ligado à falta de formação, desde sempre.”
Ney Matogrosso reforça a opinião de que há patrulhamento
desnecessário. Ele lembra que Maria Sapatão, por exemplo, não fala mal da
mulher quando diz que “o sapatão está na moda, o mundo aplaudiu / É um barato,
é um sucesso / dentro e fora do Brasil”.
“Estão gastando energia com coisas desnecessárias”, afirma.
O pesquisador Tárik de Souza também fala: “Ninguém pode ser
obrigado a cantar o que não quer. Mas a volta da censura, mesmo que por razões
consideradas nobres, é algo assustador. O carnaval tem sempre um sentido
anárquico e caricatural. Já pensou se forem revisar também as chanchadas da
Atlântida, vetar os personagens malvados e politicamente incorretos dos
folhetins de TV? Vamos acabar num quartel ou num colégio de freiras
carmelitas...”
Reforçando a hipocrisia da patrulha do mimimi, Ruy Castro,
outro pesquisador, se atenta ao termo “mulata”: “Das dezenas de marchas que
falam da mulata, muitas foram compostas por Assis Valente, Wilson Baptista,
Haroldo Lobo, a dupla Zé e Zilda, Haroldo Barbosa, Monsueto Menezes etc. etc.,
e lançadas por cantores como Orlando Silva, Silvio Caldas, Aracy de Almeida,
Carmen Costa, Ciro Monteiro, Moreira da Silva, Jorge Veiga, Ângela Maria etc.
etc.. Todos mulatos. E não viam nenhum problema nisso.”
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