Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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sábado, novembro 01, 2008
A quizumba do Chico da Silva em Belém do Pará
Formado em arquitetura pela Universidade Federal do Pará, o petista Edmilson Rodrigues (aí ao lado do cartunista Luciano Meskyta, dono de um inconfundível cavanhaque cafa) foi eleito deputado estadual do Pará em 1986 e reelegeu-se em 1990.
Em 1996, ele venceu a eleição para a Prefeitura de Belém usando como jingle de campanha a música “Vermelho”, de Chico da Silva (“A cor do meu batuque tem o toque e tem o som da minha voz / Vermelho, vermelhaço, vermelhusco, vermelhante, vermelhão / O velho comunista se aliançou ao rubro do rubor do meu amor / O brilho do meu canto tem o tom e a expressão da minha cor”).
Alertado pelo compositor paraense Nilson Chaves de que deveria cobrar direitos autorais pela utilização da música, Chico da Silva embarcou para Belém no início de agosto de 1996. Durante dois meses, o compositor parintinense tentou, sem sucesso, ser recebido pelos dirigentes petistas.
Acabou retornando para Manaus sem um tostão no bolso e se sentindo um tremendo otário, pelo mico que pagou na capital paraense. A música continuou sendo usada como jingle do PT pelos quatros anos seguintes.
Na campanha da reeleição de Edmilson, em 2000, Chico da Silva resolveu colocar os pingos nos is. Ele enviou uma procuração para o também compositor parintinense Pedrinho Ribeiro, que estava morando em Belém, lhe dando plenos poderes para entrar com uma representação criminal contra o PT, por violação dos direitos autorais.
Durante três meses, Pedrinho tentou chegar a um acordo com os dirigentes petistas, mas só conseguia ser recebido por pessoas do quinto escalão, que não tinham nenhum poder decisório.
Disposto a abandonar a via diplomática e partir para a ignorância, Pedrinho deu um telefonema para Chico da Silva, que soou como um ultimato:
– Olha, compadre, os caras tão jogando duro. A única solução é você vir aqui e colocar a boca no trombone. Tem um candidato da oposição que paga até 10 mil reais para você aparecer no horário político dele dando um ralho no Edmilson. No meio artístico, todo mundo já sabe da história e acham que o PT está te sacaneando. Vem logo pra Belém ou você vai dançar de novo!...
Uma semana antes da eleição toca o telefone celular de Pedrinho, que estava caçando lebres nas quebradas de Ananindeua.
– Alô? Pedrinho Ribeiro? Aqui é Chico da Silva. Já estou na área, compadre! Acabei de chegar em Belém! – avisou o compositor.
– Onde é que você está, para que eu possa te pegar?... – pergunta Pedrinho.
– Você sabe onde fica o Hilton?... – questiona Chico, caprichando na pronúncia britânica do hotel mais famoso (e caro) da cidade.
– Sei, claro que sei! – garante Pedrinho, já começando a achar que Chico da Silva estava indo com muita sede ao pote.
– Pois eu estou atrás do Hilton, na Pensão Sete Sete! – anunciou Chico da Silva, sem deixar de acentuar a pronúncia britânica do hotel.
(Pra quem não conhece Belém, atrás do Hilton fica a zona do baixo meretrício da capital paraense. São pensões e hotéis de alta rotatividade, com diária de R$ 10 e troca de lençóis da cama a cada quinze dias. O renomado compositor parintinense, realmente, não estava em boa situação financeira...)
Meia hora depois Pedrinho estaciona o seu Fiat Prêmio caindo aos pedaços na Pensão 77. Chico da Silva entrou no carro e já ficou meio cabreiro, porque a porta do passageiro não fechava:
– Porra, meu procurador, esse carango aqui está pedindo pra ir pro ferro velho... Vamos botar pra cima dos caras do PT e levantar um troco para dar uma arrumadinha nessa porcaria, tá certo?...
Pedrinho concordou. Os dirigentes do PT, não. Eles continuaram dando “barrigadas” nos dois músicos. Como a eleição era no domingo, Pedrinho tentou a última cartada. Convenceu Chico da Silva a peitar o prefeito no último comício da campanha, que seria realizado na quinta-feira, numa invasão na periferia de Belém.
Chico não se fez de rogado. Na hora em que Edmilson chegou ao local e começou a beijar crianças, antes de subir no palanque, Chico driblou os seguranças, deu uma “gravata” no prefeito e contou seu drama, no pé do ouvido. Edmilson ficou possesso:
– Porra, Mascarenhas, que merda é essa?... Que falta de respeito é esse com o Chico da Silva?... Resolve esse problema dele agora!... Agora!!!...
Coordenador da campanha, o paranaense Eustáquio Mascarenhas, ex-militante do PCBR, pediu desculpas ao prefeito, disse que não estava sabendo de nada e marcou um encontro com o compositor para o dia seguinte, às 18h.
Pedrinho ficou desconfiado. Reunião sobre grana numa sexta-feira, com o horário bancário encerrado, estava cheirando a nova “barrigada”.
No dia seguinte, com os principais caciques petistas reunidos em torno de uma mesa no comitê central do PT, Mascarenhas foi direto ao ponto:
– Muito bem, sêo Chico da Silva. Quanto é que o senhor pretende receber de direitos autorais pelo uso da sua música?...
– Olha, se eu fosse entrar na Justiça contra vocês, eu ia receber de 300 a 400 mil paus, porque o PT usou minha música durante quatro anos seguidos e nunca me deu um tostão! – explicou o compositor. “Mas como eu tenho simpatia pela luta de vocês, com 60 mil a gente mata essa parada...”
Mascarenhas tomou um susto. Os demais dirigentes entreolharam-se, visivelmente desnorteados. O paranaense retomou a palavra:
– Olha, sêo Chico da Silva, infelizmente a gente só está preparado para lhe dar 10 mil reais! – anunciou o sujeito. “Mesmo porque se não fosse o PT, essa sua música não teria ficado famosa...”
Ao ouvir aquilo, Chico da Silva ficou transtornado:
– Famosa por causa do PT?!! Famosa por causa do PT?!! Olha, compadre, eu sou o Chico da Silva!!! O Brasil inteiro conhece o meu trabalho! Tu conheces “Sufoco”? (Chico cantarolou um pouco) Essa música é minha e foi com ela que a Alcione ficou famosa! Tu conheces “É preciso muito amor”? (Chico cantarolou um pouco) Essa é uma parceria minha com o Noca da Portela e foi gravada na França pelo Paul Mauriat! A música “Vermelho” virou hino do Benfica de Portugal e do Inter de Porto Alegre! Eu sou o Chico da Silva, porra, não preciso da bosta do PT para ser famoso! Eu sou um trabalhador e socialista igual aquele cara ali (Chico apontou para um imenso mural com a foto do Che Guevara), mas vocês são uns picaretas! Vocês dizem que vão ajudar os trabalhadores, mas estão botando no meu sem coar! Porra, compadre, eu vivo das minhas composições, do meu trabalho intelectual! Eu sou um trabalhador! Eu tenho família pra criar! Isso que vocês estão fazendo comigo é sacanagem!”. Aí, virando-se para Pedrinho, determinou: “Vamos embora, meu procurador, que com esses picaretas não tem mais jogo!...”
Pânico no bordel. A tesoureira da campanha tentou serenar os ânimos:
– Olha, Chico da Silva, a gente não tem nenhum interesse em lhe prejudicar. A gente quer usar sua música também no segundo turno. Será que não dava pra gente fechar esse acordo em R$ 30 mil?...
Com o sangue-frio de um condenado à morte enfrentando o pelotão de fuzilamento, Chico não se deu por achado:
– Eu queria que vocês me dessem licença, mas preciso discutir essa nova proposta a sós, com meu procurador...
Os dirigentes petistas saíram da sala. Pedrinho Ribeiro quase esganou o compositor:
– Porra, Chico, tu tás ficando louco? Aceita logo essa porra e vamos embora, antes que eles dêem marcha-ré!... Eu estou tão liso que se jogarem um gato em mim ele não se agarra... E tu deves estar muito pior do que eu!... Deixa de ser louco e segura logo essa ponteira!!!
Convencido pelo procurador, Chico embolsou a grana. Dez mil reais em espécie e dois cheques pré-datados de dez mil. Os dois músicos voltaram para a pensão e Chico começou a arrumar a mala. Pedrinho ficou folheando uma revista Playboy, aguardando ansiosamente sua parte na “bufunfa”.
Com o canto dos olhos, ele percebeu Chico da Silva separando cinco pacotes de mil reais cada. “Bom, cinco mil não era só o que eu esperava, mas está de bom tamanho”, pensou com seus botões. “Afinal de contas, eu fui o estrategista da parada”.
De repente, Chico retirou um pacote de mil reais do monte. Foi como se Pedrinho tivesse recebido um murro no fígado. Ele sentiu as pernas tremerem e a vista escurecer. Ainda grogue, buscou o canto neutro do ringue.
De repente, Chico retirou outro pacote de mil reais do monte. Foi como se Pedrinho tivesse recebido um tiro à queima-roupa, no meio da lata. Ele estava esperando a extrema-unção, quando o conterrâneo se aproximou:
– Meu compadre, aqui estão três mil reais pelo seu trabalho...
Antes que Pedrinho esboçasse uma reação, Chico da Silva jogou a pá de cal: “Esse valor corresponde à porcentagem de 10%, que é a comissão universal dos procuradores!...” Não havia como contestar aquele princípio jurídico. Pedrinho embolsou a grana e foi deixar Chico da Silva no aeroporto.
O segundo turno da eleição municipal em Belém mostrou a banalização das denúncias como instrumento de campanha. Empatados tecnicamente até às vésperas da eleição, Edmilson e Duciomar Costa, do PSD, atacaram de forma tão brutal a idoneidade um do outro que acabaram se nivelando.
Chegaram ao final da campanha com o mesmo slogan. “Contra passado sujo, candidato limpo”, dizia Edmilson. “Contra campanha suja, candidato limpo”, respondia Duciomar.
O apelo da música “Vermelho”, de Chico da Silva, talvez tenha acabado por fazer a diferença e garantido um novo mandato ao petista...
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