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sábado, novembro 01, 2008

Gil volta ao palco em boa forma


Lauro Lisboa Garcia
Nos cinco anos e meio em que exerceu o cargo de ministro da Cultura, Gilberto Gil nunca deixou a música totalmente de lado. Fez shows esporádicos nos pequenos períodos de folga, mas não sentiu necessidade, nem teve tempo, de parar tudo para compor alguma canção. "Elas vieram naturalmente", diz. Quando tinha um bom número delas - algumas compostas durante as viagens do ministro, outras em casa -, chegou a hora de gravar Banda Larga Cordel, CD no qual é baseado o show que ele faz hoje e amanhã em São Paulo. Além de assinalar a volta do compositor e do músico à música, o álbum é um flagrante de sua boa forma artística, com belas melodias e letras luminosas.

Nove dessas canções estão no roteiro do show, em que ele canta acompanhado por Sérgio Chiavazolli e Bem Gil (guitarras), Arthur Maia (baixo), Alex Fonseca (bateria), Cláudio Andrade (teclados) e Gustavo di Dalva (percussão). A cenografia é de Hélio Eichbauer.

O uso abusivo da voz para falar nos anos de ministério causaram danos a suas cordas vocais. Agora, depois de uma cirurgia para remover um pólipo na corda direita, com exercícios diários e assistência de uma fonoaudióloga, ele diz que está melhor. "Estou cuidando, porque a perda de qualidade vocal já seria natural na fase velha, mas com o uso abusivo da fala no ministério, isso se acentuou mais ainda", diz o cantor, de 66 anos. "Nos dois shows do Rio consegui uma qualidade vocal boa, o público ficou satisfeito com o fato de eu poder cantar bem e espero que isso se mantenha, que seja sustentável."

Não só por causa da questão do esforço vocal, "mas também por causa da adequação ao espírito da maturidade", Gil tem abaixado o tom de canções antigas que voltou a cantar, como A Gente Precisa Ver o Luar, Aquele Abraço, Andar com Fé, Super-Homem - A Canção. As novas composições acompanham essa tendência. "A voz da maturidade é mais grave, a da juventude é mais aguda", brinca o compositor.

Entusiasta de novas tecnologias - fato que sempre expressou em letras de canções -, o progressista Gil tem estimulado o público a fotografar e filmar suas apresentações. É uma atitude controversa. Muitos artistas, como Kanye West, que se apresentou no TIM Festival na semana passada, tentam impedir o trabalho de profissionais, enquanto o público se refestela com câmeras de alta resolução. De qualquer maneira, os avisos de proibição das casas de shows já caíram em desuso.

"Os meios de comunicação, de certa forma, estão seguindo as normas do modelo vigente até aqui, regulado ou auto-regulado em função dessas separações de territórios, dessas especificações de domínios", diz Gil. "Essas tecnologias novas e a convergência delas - a democratização, o barateamento, a socialização - estão determinando uma necessária quebra desses padrões", observa Gil. "Estão propondo democratização, compartilhamento, diversidade, protagonismos variados, autorias multiplicadas. Os conteúdos produzidos pelo espectador já estão nas televisões. Mesmo as de modelo clássico estão começando a experimentar isso nos Estados Unidos e em outros lugares. Algumas já estão surgindo baseadas nesse modelo, como é o caso da Current, do Al Gore, que tem 75% da programação produzida pelo espectador", exemplifica.

"Aí surgem novas questões sobre autoralidade, titularidades, quem é dono da imagem, quem não é, quem licencia, como é que se vai legislar, como é que vai regular tudo isso, preservar, garantir direitos adquiridos, como é que se vai dar espaço para novas formas de direitos. São desafios novos para o sistema todo", aponta o cantor, que em relação à própria imagem diz que ela pode ser usada indiscriminadamente "para uso cultural, para uso comercial é outra coisa".

Quanto ao repertório do show, ele diz que se preocupou "medianamente, minimamente" em montar um roteiro com canções de afinidades temáticas, como fez com os shows que precederam Banda Larga Cordel. "Além do tema das tecnologias, da banda larga e tudo mais há também ainda um certo rescaldo de meus trabalhos conceituais, da época moderna, não sou pós-moderno. Acabei entrando na pós-modernidade meio empurrado, mas sou egresso da modernidade, do tempo em que essas coisas - discos como Sgt. Pepper?s (Beatles), Construção (Chico Buarque), Krig-ha, Bandolo! (Raul Seixas) - tinham sentido", diz. "Hoje em dia, não sei, essas coisas podem ser recuperadas para os shows , em contextos específicos, mas não são elementos da prática comum do mercado."

Agora que deixou o ministério, o cantor diz que acompanha a gestão de seu sucessor, Juca Ferreira, "muito a distância": "Primeiro porque não quero parecer muito próximo do ministério, a indicar que tenho dificuldades de estar longe. Segundo, é preciso que o Juca se sinta absolutamente livre para imprimir seu próprio modo. Depois, acho que preciso me afastar pra que me acostume com as outras coisas: com a casa, com o lazer, com a preguiça, com não fazer nada, com o esquecimento das coisas."

Nas eleições deste ano, para prefeitos e vereadores, ele não votou em ninguém porque estava viajando. Também não quis fazer campanha para nenhum político, nem no Rio nem na Bahia, ao contrário de Caetano Veloso, que apoiou Fernando Gabeira (do mesmo Partido Verde de Gil) para a prefeitura do Rio. "Achei ótimo o desempenho de Gabeira. Ele conseguiu estabelecer uma percepção mais forte do que ele significa, o que significa a cultura política dele, a nova deslocadura de uma série de elementos da tradição do passado. Achei muito bacana como especialmente a classe média carioca, um pouco mais munida de elementos para a compreensão do jogo político, do léxico político, compreendeu Gabeira. Foi por pouco que não ganhou, foi por um nariz, como ele falou."

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