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quinta-feira, janeiro 28, 2010

Dois sujeitos da pesada


Arnaldo Botelho, eu, Rogelio Casado, Orlando Carioca e Afonso Toscano, durante um agito do jornal Candiru, no Bar do Armando

Empresário do ramo de perfuração de poços artesianos, Arnaldo Botelho instalou seu escritório no edifício Cidade de Manaus, no centro da cidade, mas quase não parava lá.

Diariamente, depois de conferir o saldo bancário da empresa por telefone, ele abria as janelas do escritório para que o sol entrasse e espantasse o bolor, e então se mandava. Suas preocupações existenciais eram outras.

Adepto do ditado “amigos, amigos, negócios à parte”, Arnaldo passava a maior parte do tempo nos canteiros de obra vigiando os passos do encarregado técnico das perfurações de poços, Orlando Carioca, um de seus melhores amigos.

Ele nunca demonstrou claramente, mas tinha um medo inexplicável de que, um dia, Orlando lhe passasse a perna.

Talvez pelo fato de Orlando fazer o trabalho pesado e Arnaldo simplesmente colher os louros da vitória.

De qualquer forma, era uma parceria afinada.

Um dia, o empresário começou a perceber que sua sala, volta e meia, amanhecia cheia de pêlos. Ele comentou o fato com Orlando Carioca, que foi direto ao xis da questão:

– Ora, porra, se tu não estás deixando cair os teus pêlos por causa de alguma doença de pele, é porque algum bicho está fazendo isso no teu lugar...

Eles resolveram dar uma incerta no escritório para descobrir o que estava acontecendo.

Por volta das 4h da tarde, os dois abriram sorrateiramente a sala do escritório e perceberam um vistoso gato angorá dormindo placidamente na mesa do Arnaldo, enquanto era banhado por um cálido raio de sol que atravessava uma das janelas.

Sem fazer barulho, eles fecharam todas as janelas do escritório, descalçaram os sapatos, colocaram nas mãos e resolveram dar um corretivo no intruso.

A primeira sapatada do Arnaldo pegou no meio do saco do gato.

Ele deu um miado aterrorizante e se atirou em direção à janela, tentando fugir.

Bateu com a cabeça no vidro fechado e, quando estava caindo, foi aparado no ar por um chute de direita do Orlando, que o arremessou a uns cinco metros.

O gato tentou dar um salto mortal de costas, mas foi atingido por uma nova sapatada do Arnaldo.

Miando desesperadamente, o gato avançou em direção ao Orlando, mas recebeu um novo chute na cara.

O angorá ainda estava meio grogue, quando Arnaldo se aproximou para dar o chute de misericórdia.

De repente, o felino deu um salto mortal carpado com dupla cambalhota, o pé do Arnaldo passou no vazio e acertou na quina da mesa do escritório. A unha do dedão do pé foi pro espaço.

Urrando de dor, Arnaldo pegou um taco de beisebol e partiu pra cima do gato. Acabar com as sete vidas dele tinha virado uma questão de honra.

O gato fez um twist simples pra se livrar de uma sapatada do Orlando, mas assim que tocou no solo executou um inesperado salto mortal triplo carpado de costas e desapareceu.

Levanta um estofado daqui, arrasta uma cadeira dali, e nada de o bichano aparecer. Depois de uns dez minutos, Orlando resolveu ir urinar.

Assim que ele abriu a porta do banheiro, o gato apareceu no meio da sala, surgido não se sabe de onde.

Como se fosse uma bala tracejante, o bichano embicou na direção do banheiro, fez um duplo twist com reversão e se atirou pela clarabóia do banheiro, que dava para o lado externo do edifício.

O apartamento ficava no 8º andar. Pra cair daquela altura e sobreviver, era preciso ter 77 vidas.

No dia seguinte, na hora em que o Arnaldo estava consultando o saldo bancário da empresa por telefone, alguém começou a bater violentamente na porta. Ele abriu a porta.

Era a locatária do escritório, que morava em um apartamento ao lado.

De olhos inchados de chorar a noite inteira, nervosíssima, a mulher foi logo questionando:

– Seu Arnaldo, o senhor, por acaso, não viu o Narayana?...

– Narayana? – espantou-se o empresário.

– É, o Narayana, o meu gatinho angorá de estimação. Ele costumava sair de casa pra vir brincar aqui no seu escritório, mas desde ontem ele não aparece... Estou achando que aconteceu alguma coisa muito ruim com ele...

Arnaldo deu uma desculpa qualquer e se livrou da vizinha.

Uma semana depois, os dois estavam abrindo a porta do escritório quando perceberam que vinha andando pelo corredor um gato todo maltrapilho. Era o Narayana.

Ao ver os dois inimigos mortais, ele ficou imóvel.

Calhou de nesse momento a vizinha deles estar saindo do apartamento. Quando ela viu o gatinho angorá, saiu correndo em direção dele:

– Narayana, meu filhinho, o que foi que aconteceu com você?...

O gato começou a dar uns miados langorosos, tristes, fúnebres.

A dona do gato colocou o bichano no colo e, enquanto o acariciava, insistia:

– Mas quem foi que fez essa malvadeza toda com você? Me conta, me fala, não me esconde nada. Quem foi que fez essa malvadeza toda com você?...

E o gato continuava com seus miados longos, entristecidos, chorosos, pungentes, de cortar a alma.

Totalmente hipnotizado pela cena, Arnaldo não conseguia girar a chave na fechadura da porta.

Orlando foi de uma sinceridade cruel:

– Abre logo essa porra e vamos entrar, porque esse angorá filho da puta vai contar tudinho praquela vagabunda...

Lá no fundo do corredor, sem parar de beijar e acariciar o gato, a mulher não dava tréguas:

– Mas por que foi que eles dois fizeram isso contigo? Me conta, por que foi que eles dois fizeram isso contigo?...

E o gato continuava miando desesperadamente, abrindo o coração, colocando os pingos nos is, chutando o pau da barraca.

No outro dia, Arnaldo Botelho se mudou para um novo escritório.

2.

Lá na turma do fundão, Arnaldo Botelho e os irmãos Nildo e Orlando Carioca

De tanto ouvir o antenado Orlando Carioca falar sobre os benefícios da Linfa Sen, uma técnica de massagem japonesa para perder peso, reduzir estômago e eliminar celulite, que combina drenagem linfática com shiatsu, o empresário Arnaldo Botelho, do alto de seus 150 kg, resolveu experimentar a novidade.

Aceitando uma sugestão de Orlando Carioca, ele procurou a clínica de estética da massagista japonesa Togawa Kikuchi, considerada a melhor da cidade.

A massagista era uma anciã de quase 70 anos, que ficou vivamente impressionada com o tamanho da pança do empresário.

Para deixar Arnaldo Botelho mais tranquilo, uma assistente da massagista explicou em que consistia a Linfa Sen:

– A massagem segue o caminho da linfa, o líquido do corpo composto de proteínas e lipídios que circula nos vasos linfáticos, e, ao mesmo tempo, estimula os pontos energéticos congestionados. A técnica consiste em trabalhar os caminhos dos meridianos ligados ao rim e à bexiga. Ao libertá-los, há melhoria na eliminação de toxinas e de gordura.

A anciã explicou que ele teria de ficar só de cuecas, deitar-se de costa em uma espécie de cama de hospital, encolher as pernas em direção à barriga e relaxar. O resto era com ela. Arnaldo seguiu as instruções ao pé da letra.

Posicionada entre as duas pernas vergadas do empresário, Togawa Kikuchi segurou nos seus tornozelos e começou a sacudi-los bem devagarzinho enquanto recitava uma espécie de mantra:

– Relaxa, sam... Relaxa, sam... Relaxa, sam...

Arnaldo ficou tão relaxado, que já estava a ponto de dormir.

De repente, a massagista empurrou violentamente os dois tornozelos em direção à pança do empresário.

Foi mais ou menos como usar um fole para atiçar as brasas de uma fogueira.

Arnaldo soltou um peido tão arrojado, sonoro e fedorento, que quase nocauteou a massagista.

A massa quente atingiu o rosto de Togawa Kikuchi com a força de uma bofetada.

Quase colocando os bofes pra fora, a massagista entoou um novo mantra:

– Sai, sai, sai, imundo... Muito nojento... Muito nojento... Eu não cuida muito nojento... Sai, sai, sai, imundo...

Por muito pouco, Arnaldo não foi expulso da clínica só de cueca.

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