Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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sábado, janeiro 23, 2010
Ta-hi (pra você gostar de mim)
O diretor de assuntos mercadológicos do mocó implora que você leia esse texto ouvindo a seguinte marchinha: Ta-hi / Eu fiz tudo / Pra você gostar de mim / Ó meu bem / Não faz assim comigo não / Voceê tem, você tem / Que me dar seu coração / Meu amor não posso esquecer / Se dá alegria faz também sofrer / A minha vida foi sempre assim / Só chorando as mágoas / Que não têm fim / Essa estória de gostar de alguém / Já é mania que as pessoas têm / Se me ajudasse, Nosso Senhor / Eu não pensaria mais no amor.
Novembro de 1976. O excesso de confiança da Sharp do Brasil havia nos feito entrar em uma enrascada federal.
Por um erro de projeto que a gente já havia identificado no protótipo japonês, os modelos transistorizados do modelo SB 2002 foram produzidos com o “killer” (ceifador de cores) adiantado.
Bastava chuviscar um pouquinho, para o televisor colorido ficar permanentemente em preto & branco – mesmo com o AFT (ajuste automático de freqüência) acionado.
Pra quem havia gasto os tubos pra comprar um tv a cores e , de repente, via na sua casa aquela obra prima se transformar em um simplório televisor P&B, aquilo era simplesmente uma merda!
O telefone da minha sala não parava de tocar. Quase sempre, clientes putos da vida e pretendendo processar a Sharp.
Eu estava em nossa sala, na Sharp do Brasil, mostrando para o Jaques Castro e o Zeca Boy a lista de clientes insatisfeitos que precisavam ter seus produtos consertados naquele dia, quando, de repente, adentrou no recinto uma senhora meio idosa, portando um guarda-chuva, sendo pajeada por guardas de segurança.
Ela estava meio nervosa e queria falar comigo. Dispensei os guardas e os dois técnicos para tentar levar no bico mais uma suposta cliente insatisfeita.
Bramindo o guarda-chuva em minha direção, ela abriu o verbo:
– Você destruiu a minha vida. A única filha em que eu confiava está gestante de três meses por sua causa. Você é um monstro, você é um monstro, você é um monstro...
A senhora disse isso e começou a desmaiar. Só deu tempo de eu sair da mesa e ampará-la. Pânico no cabaré.
Chamei médicos e enfermeiros, veio o pessoal da CIPA com uma maca, deitaram a senhora na maca e levaram para o ambulatório. Crise de hipertensão, essas coisas.
Fiquei sabendo pelos guardas que a senhora era mãe da Jaqueline. Ela não sabia que a gente já transava há mais de dois anos.
Também não sabia que a gente vivia brigando, se separando e depois voltando.
Depois do carnaval daquele ano, a gente havia se separado de vez.
De repente, em agosto, havia rolado um “flash back”. A Jaqueline havia engravidado. Azar o dela, eu achava.
Quem não agüenta o tabuleiro, não coloca a rodilha na cabeça.
Com a senhora já medicada, fui tentar conversar civilizadamente. Ela abriu o jogo.
Supostamente, a Jaqueline era o quindim da família. Engravidando ela, eu havia infelicitado a família inteira. Como fazer aquilo com a mais pura, a mais casta, a mais querida, a mais prendada da família? Eu era um monstro.
Os dez irmãos da Jaqueline estavam dispostos a me matar na primeira oportunidade. Mas ela não queria que o seu novo neto nascesse sem pai. Também não queria que fosse bastardo.
Queria que eu casasse, mesmo que fosse de mentirinha, pro moleque ter o nome do pai na certidão de nascimento.
Ela criaria a criança. Eu não precisaria viver com a Jaqueline. Ela só queria evitar aquela infâmia, aquela nódoa permanente para o resto da família.
Não lembro direito, mas eu já devia ser um grande filho da puta naquela época para não aceitar condições tão excepcionais. Limitei-me a explicar:
– Deixe a criança nascer que depois a gente dá um jeito. Filhos se criam...
A senhora deixou a empresa cuspindo fogo.
Em janeiro daquele ano eu havia deixado o “apertamento” do Jaques Castro, no bairro da Glória, e voltado a morar na casa dos velhos.
Pra voltar a morar com o Jaques, bastava chamar um táxi.
Além do mais, a partir de janeiro de 1977, eu ia passar dois meses em São Paulo, estagiando na Sharp. Entre outras coisas, eu pretendia ir até o Rio de Janeiro e conhecer a Mariana, com que me correspondia por cartas há dois anos.
De repente, talvez nem voltasse mais pra Manaus. Casar com a Jaqueline, mesmo de mentirinha, definitivamente não estava incluído nos meus planos.
Havia um outro problema.
No começo de 1976, durante uma brincadeira na rua Maués, eu comecei a namorar com a Raiene, uma moradora da Bethânia que tinha pele de pêssego e belas pernas torneadas.
Um namoro casto e respeitoso, apesar de ela ser a cara da Ursula Andress dos tempos do “Satânico Dr. No”.
Ela tinha 17 anos e fazia o último ano de Edificações na ETFA.
Por vacilo de um de meus homeboys, a Raiene acabou sabendo da história do apartamento na rua Silves e comprou uns binóculos para ficar no quintal de sua casa tentando me flagrar quando eu abrisse a janela do covil.
Ela sabia qual era o prédio, mas não sabia qual era o apartamento.
Em março, não me lembro bem porque, eu havia terminado o meu relacionamento com a Jaqueline e começara a sair com a Nega Aline, uma globeleza sestrosa de 19 anos, que também trabalhava na Sharp.
Em termos de corpão, a Nega Aline era uma versão clonada da Adele Fátima e ostentava a única unanimidade da fábrica: era dona da bunda mais bonita do pedaço.
Se duvidarem, perguntem do deputado Liberman Moreno, que na época trabalhava na Sharp e ainda deve se lembrar da mercadoria.
A partir daí, a Nega Aline passou a ser a minha mulher de cama, mesa e banho enquanto a Raiene era a minha casta e pura namoradinha. Pra mim era um arranjo perfeito, sem complicações.
Só não foi melhor porque em agosto, mês do cachorro louco, tive uma recaída e em vez de levar a Nega Aline pro covil levei a Jaqueline. Ela foi e engravidou.
Não reatamos o namoro, tanto que continuei enrolado com a Nega Aline e a Raiene, mas a Jaqueline não topou abortar. Mulher é um bicho complicado.
No começo de setembro, por volta das 20h de uma sexta-feira, alguém bateu na porta do covil. Eu abri e dei de cara com a Raiene. Ela saiu correndo pelo corredor e eu simplesmente brochei.
A Nega Aline, que estava comigo no quarto, não entendeu nada. Provavelmente, a Raiene tinha me visto de binóculos abrindo a janela do tugúrio e foi lá pra conferir.
Sem saber o que fazer, optei por deixar a Nega Aline em sua casa, no bairro de São Jorge, e voltei para o Bar do Caxuxa.
A Raiene estava me esperando solitariamente em uma das mesas, com um anjo exterminador estampado em cada uma das pupilas.
– Se pra ficar contigo eu preciso dar a minha xana, amanhã você vai me comer! – ela disparou, assim que eu me sentei à mesa.
– Como te comer amanhã? Amanhã é o dia do João Carlos D’Antona usar o apartamento... – tentei mudar de assunto.
– Dá teu jeito! – ela vociferou. “Amanhã, eu vou chegar naquele apartamento às duas horas da tarde. Vou bater na porta. O primeiro que abrir vai me comer e foda-se!”
Percebi que, além de bêbada, ela estava injuriada.
Namoramos um pouco e fui lhe deixar na casa de uns parentes, ali na rua Urucará, próximo da rua Parintins. Antes de entrar na casa, ela me cochichou no ouvido:
– Amanhã, seu filho da puta! Amanhã!
Desci a ladeira da Parintins preocupado. Que caralho estava acontecendo? A revolução molecular estava acontecendo justamente no meu harém particular?
Passei a manhã inteira de sábado no telefone tentando localizar o João Carlos D’Antona para tentar convencê-lo a não ir ao pardieiro naquele dia. Se quisesse, ele que depois usasse todos os meus dias a seu bel-prazer.
Quando consegui falar com ele e explicar a proposta, o sacana topou na mesma hora.
Saí de casa ao meio-dia de sábado, com uma garrafa de vodka na bolsa a tiracolo. Comecei a beber na hora em que cheguei ao covil. Deixei a porta apenas encostada, de propósito.
Quando a Raiene chegou às 14h em ponto e bateu na porta, ela se abriu.
Eu estava sentado no estofado, bebendo “hi-fi” (vodka com suco de laranja) e ouvindo “While My Guitar Gently Weeps”, dos Beatles.
Ela trancou a porta e se jogou no meu colo. Começou a me beijar alucinadamente. Bebeu uns dois ou três “hi-fi”, antes que eu começasse a lhe despir.
Quando já estava só de calcinha e soutien, Raiene começou a chorar. Não entendi.
– Meu pai tem a maior confiança em mim e você vai me comer! Eu não vou ter cara para encarar o meu pai depois disso! Eu não quero engravidar! Para o ano eu começo uma faculdade e depois que me formar vou poder ajudar meus pais! Eu não quero perder tudo isso! Você não vai só me foder, você vai foder a minha família inteira! Você vai foder a minha família inteira! Você não presta! Você é um filho da puta!
Ela gritou isso tudo e simplesmente apagou. Não sei se assustada por ver meu amigo do andar de baixo em ponto de bala, não sei se por excesso de emoção, o certo é que eu continuava não entendendo porra nenhuma.
Deitado na cama, ao seu lado, esperei pacientemente ela recobrar os sentidos e voltar a me beijar.
Sem ligar muito para aquele histerismo tardio, tirei o seu soutien, a sua calcinha de renda negra e quando me preparava para entrar na cidadela, fui tomado por uma estranha sensação de pânico, má consciência, filhadaputice, whatever.
Aí, foi ela que não entendeu nada.
Eu já havia emprenhado uma virgem e não estava sabendo o que fazer. Iria repetir a dose de novo? E a troco de que? Para referendar meu papel de garanhão? Que porra era aquela?
Recoloquei a calcinha da Raiene no lugar, saí da cama, me sentei numa poltrona e comecei a detonar os meus hi-fi “heavy metal” (só vodka pura, sem gelo e sem a viadagem de suco de laranja).
Na sequência, coloquei pra tocar “Bangla Desh”, do George Harrison, que quebra qualquer clima sexual.
Invocadíssima com a desfeita, ela tirou a calcinha e começou a rebolar nua na minha frente. Só sossegou o facho quando ameacei dar-lhe umas porradas no quengo.
Completamente bêbado, me armei de uma faca de cortar pão, obriguei Raiene a vestir a roupa e a coloquei pra correr do apartamento. Ela foi embora segurando o choro.
Em dezembro daquele ano, uma semana depois da mãe da Jaqueline armar o barraco lá na empresa, eu estava aguardando um táxi para ir a uma brincadeira no Parque Dez, onde me esperava uma nova namorada chamada Regina (pense na Miriam Rios com o corpo da Sônia Braga, na época da novela “Gabriela”...), quando alguém me cutucou.
Olhei pra trás, era a Raiene. A gente não se via desde a presepada no apartamento.
– Preciso conversar contigo! – ela falou, com uma candura que eu nunca tinha percebido antes.
De mãos dadas, saímos caminhando até o Bar do Caxuxa. Pedimos sanduíches e batidas de jenipapo.
Olhando nos meus olhos, como se estivesse pedindo perdão, ela detonou:
– Estou grávida!
Rindo – quando se toma um susto desses, o melhor é rir nervosamente! –, continuei segurando a sua mão. Ela continuou:
– Fui a uma brincadeira lá no meu bairro, me embriaguei pensando em ti e um cara parecido contigo me comeu. Eu estava bêbada. Ele está puto até agora porque não sangrei. O sacana não acredita que foi a minha primeira vez. Acha que você já me come há uma porrada de tempo. Quer casar comigo, mas antes pretende te matar!
Mais sem graça do que dançar com irmã, expliquei pra Raiene que havia dez irmãos da Jaqueline nos primeiros lugares da fila esperando uma oportunidade pra me matar. Seu futuro marido que esperasse pela vez dele.
Ela riu muito. E voltamos a namorar castamente como se nada tivesse acontecido.
Deixei ela na casa dos parentes, por volta das 2h da manhã.
No dia seguinte, telefonei para a Regina explicando que havia faltado ao encontro por causa de um problema qualquer. Ela nem discutiu. Na mesma tarde fomos nos devorar no motel Rip.
Quando soube que eu havia engravidado a Jaqueline, a Nega Aline ficou mais braba do que siri na lata (ela realmente gostava de mim) e foi tomar satisfações comigo. Confessei o vacilo.
Chorando, ela me anarquizou de viva voz, me amaldiçoou e garantiu que nunca mais iria me ver. Cumpriu a palavra. Desconfio, inclusive, que foi embora de Manaus.
Quando retornei de São Paulo, em março de 1977, ela já não estava mais na empresa. Nunca mais voltei a vê-la.
Em meados de 1977, a doce Raiene se casou com o cara que a engravidou e foi embora para Boa Vista (RR).
Só voltei a vê-la em 1982, durante uma festa de carnaval no Refúgio, ali na estrada da Ponta Negra.
No dia seguinte, fui buscá-la na casa dos seus pais, onde ela passava as férias, e fomos para o motel Beira-rio, onde fizemos coisas que até Deus duvida. Também tem dessas coisas.
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