Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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quinta-feira, janeiro 14, 2010
Meus tipos inesquecíveis (2)
Marajara era o nome de um índio piratapuia semi-aculturado viciado em futebol. Morava em uma pequena tapera de palha nas imediações do campo do Penarol, em Petrópolis. Nunca fez outra coisa na vida a não ser treinar times de futebol. Sua melhor criação foi o time do Canarinho, um dos adversários mais aguerridos do Murrinhas do Egito. Diariamente, incluindo os dias de jogo, ele fazia uma reca de moleques – Ernâni, Eraldo, Digdon, Bordado, Ferrinho, Tobias, Irineu, etc – correr do campo do Penarol até o igarapé do Crespo, na Raiz. Chegando lá, os moleques se banhavam rapidamente no igarapé e voltavam correndo de volta para a sede do clube (a tapera do Marajara), onde recebiam uma caneca de mingau de banana. Como o mingau era feito com o abominável “Leite do Posto” (os primeiros experimentos de leite de soja, testados no Terceiro Mundo por conta dos acordos MEC-USAID), metade dos atletas era acometida de desinteria na mesma hora. Pra gente, do Murrinhas do Egito, que costumávamos enfrentar o Canarinho desfalcado de seus melhores atletas por conta do famoso mingau de banana, era uma mão na roda. Dizem que Marajara continua na ativa, treinando times de meninos lá pras bandas da Alvorada. Não, ele nunca sentou em cadeira ocupada!
Quando não estava vendendo uísque na Pensão Maranhense, Matá-Matá estava encafifado dentro do cinema Guarany, nas sessões das 13h. Não podia ver um menino se dirigindo ao sanitário, que ele ia atrás. Esperava o moleque terminar de urinar e então, antes que o gajo desse as duas sacudidelas finais, ele se ajoelhava ao lado da vítima e suplicava para terminar de limpar o bráulio com a boca. Era bem-sucedido na maioria das vezes. Pagava pelo consentimento com balas de pippermint bem azedinhas. Nas sessões das 16h, onde os moleques eram mais taludinhos, Matá-Matá preferia arriar as calças para ser sodomizado ali mesmo, na frente de todo mundo, pagando em dinheiro vivo. Foi o responsável direto pela inicação sexual de milhares de moleques.
Viúva de seo Aurélio, uns dos sócios de Adriano Bernardino no cinema Avenida, Dona Iaiá morava na rua Henrique Martins, mas diariamente ficava postada diante da bilheteria do cinema fazendo uma sinopse dos filmes em cartaz. Apesar de sessentona, ela se vestia e se maquiava como uma garotinha entrando na puberdade: várias camadas de rouge nas bochechas, batom vermelho-hemorragia nos lábios – que ficavam com um grotesco aspecto de coração, típico das beldades do cinema mudo! – sobrancelhas riscadas a lápis, sombra cor de esmeralda, pó compacto no pescoço, cabelos pintados em cores quentes (roxo, laranja, amarelo-limão), vestidos estampados acima dos joelhos, bolsa de verniz combinando com o sapato de salto alto, ambos em cores berrantes, e assim por diante. Educadíssima, ela recomendava alguns filmes e fuzilava alguns outros. Se conseguiu assistir a todos os filmes que dizia, Dona Iaiá deve ter sido a maior cinéfila da humanidade.
Morando próximo do antigo campo Duca Brito, nas imediaçãoes do Beco do Macedo, o folclórico Boca de Bilha era irmão de Rosaly Durães, uma das mulheres mais bonitas de Manaus, e também uma das atrações do clássico Rio-Nal, a disputa de futebol entre os times do Rio Negro e o Nacional que eletrizava a população amazonense. Supostamente homossexual, ex-hanseniano, completamente desdentado, Boca de Bilha era o chefe da torcida organizada “Leão Azul” e maestro oficial da charanga nacionalina que animava as partidas do time. Mal comparando, seria tipo ver o carnavalesco Clovis Bornay como chefe da torcida organizada Raça Rubro-negra, do Flamengo, uma coisa absolutamente nonsense. Para manter a disputa no mesmo nível, o também homossexual Eurico criou a torcida “Galo Gay”, do Rio Negro, mas não era a mesma coisa.
O farmacêutico Francisco Menescal Filho herdou a drogaria do pai, também farmacêutico, no início dos anos 70. Localizada no canto da rua J.Carlos Antony com a rua Carvalho Leal, em frente ao atual posto de gasolina LM, a Drogaria Menescal se transformou rapidamente na Meca dos cristão novos recém-iniciados em doenças venéreas. Bonachão, prestativo e homossexual enrustido, Dr. Menescal tinha na ponta da língua a cura para todos os males, de blenorragia a cancro mole, de cavalo de crista a esquentamento: “Dois tetrex de 500mg, uma dose de manhã outra de tarde, durante 7 dias”. Em caso de recidiva da doença, ele era peremptório: “Uma injeção de benzetacil de 4.800.000 unidades de três em três dias durante duas semanas”. As injeções eram aplicadas por Valdir Corrêa, Gaudêncio Neto ou Edy Silva, todos balconistas da drogaria. O putanheiro Walter Sabará era cliente golden do Menescal e, praticamente, foi contemplado com todas as doenças venéreas existentes naquela época. É um sobrevivente.
Carmem Doida era uma mulher clara, de boa aparência, cabelos curtos, longas pernas, queimada de sol, sempre carregando um saco imundo cheio de teréns e falando sozinha. Se algum moleque mexesse com ela, Carmem Doida jogava pedras e depois corria atrás. Era a favorita da molecada porque se dispunha a participar daquela improvisada brincadeira de “manja”. Dizem que dentro de casa, ela se comportava normalmente. As alucinações só aconteciam quando ela colocava os pés na rua. Foi a doida mais bonita que já conheci. Alguns moleques da minha área chegaram a manter relações sexuais com ela.
Nega Charuto era uma negra mirradinha, cabelo bem curtinho, enfiada em um vestido tipo saco, sempre com uma trouxa de teréns na cabeça e puxando um moleque também mirradinho por uma das mãos. Supostamente, o menino era seu filho, apelidado de Charuto. Ela não corria atrás da molecada implicante: limitava-se a jogar pedras, garrafas e no que mais pusesse as mãos. Mas tinha uma pontaria infernal. Uma lenda urbana diz que o moleque Charuto, depois de adulto, se transformou no famoso apresentador de telejornais Célio Antunes. Há controvérsias.
Bombalá era branco, usava cabelo de corte meia-cabeleira, também falava sozinhos com parceiros imaginários e vivia em um permanente estado de alegria, a despeito das aporrinhações dos moleques. Morava com duas irmãs, em uma bonita casa na avenida Joaquim Nabuco, ao lado da padaria Modelo. Vestia-se com certo aprumo e, na maioria das vezes, estava sempre bem asseado. Seu grande momento de glória era quando desfilava orgulhoso, nas paradas escolares de Sete de Setembro, à frente do Colégio Estadual do Amazonas. Uma lenda urbana garante que ele era irmão legítimo do empresário Philipe Daou. Também há controvérsias.
Passo Largo era negro, com feições de barbadiano e cabelos revoltos de um autêntico rastafari. Carregava um saco imundo nas costas, possivelmente também cheios de teréns. Ele ia andando e de repente estancava, como se, de repente, uma imensa cratera houvesse se aberto na sua frente. E ele ficava ali uns cinco, seis minutos, querendo continuar sua caminhada, mas tendo que transpor aquele obstáculo surgido do nada. Então, num esforço hercúleo, abria as pernas em um vertiginoso compasso e vencia a suposta cratera. A molecada aplaudia delirantemente. Ele sorria discretamente e avançava em passo acelerado até que, uns 50 metros depois, nova cratera lhe impedisse a caminhada. E Passo Largo fazia tudo de novo. Era um artista!
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