O caderno “Ilustrada”, da Folha de São Paulo, convocou dois jornalistas (Marco Rodrigo Almeida e Ivan Finotti) para incensar o bufão global na matéria “Jô Soares lança ‘As Esganadas’, sobre serial killer de gordas”.
Eles começam com um primor de servilismo cultural na apresentação e depois partem para o puxa-saquismo mais abjeto. Leiam:
Depois de assassinar prostitutas, decepar orelhas, tramar a morte de políticos e envenenar escritores, o gordo mais famoso do Brasil tem um novo alvo: as gordas.
Nos 16 últimos anos, desde que publicou “O Xangô de Baker Street”, nenhum escritor brasileiro lucrou mais com o crime do que Jô Soares.
Ainda maior que sua ficha literária/criminal é a fila de leitores que ele já matou de rir: seus três romances anteriores já venderam mais de 1 milhão de cópias no Brasil.
O número crescerá a partir de hoje, com “As Esganadas”.
A tiragem inicial é de 80 mil exemplares, e os direitos estão sendo negociados para publicação na França.
O novo título segue a linha dos precedentes: mortes, pitadas de suspense, humor e fatos históricos reais.
Desta vez a trama acontece no Rio de 1938, ano em que o escritor nasceu.
Um perigoso serial killer está às soltas, perseguindo jovens gordas.
Se em “O Xangô...” Jô trouxe Sherlock Holmes ao Brasil para desvendar uma série de crimes, em “As Esganadas” o herói é mais inusitado.
Trata-se do “Esteves sem metafísica” do poema “Tabacaria” (1928), de Fernando Pessoa:
“O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?)/ Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica”, diz a estrofe final, do heterônimo Álvaro de Campos.
No romance de Jô, o personagem de Pessoa toma a forma do gorducho, bigodudo e extremamente sagaz detetive português Tobias Esteves.
“Lembrei do poema e pensei que um cara que chamado assim só poderia ser um policial, com um tipo de lógica binária, que não fosse dado a divagações”, conta Jô.
Escrever o romance consumiu um ano e meio de trabalho.
A maior parte do tempo foi gasta com a parte favorita de Jô.
“O que eu gosto mesmo é a pesquisa. O livro é só uma consequência”, assume.
Para “As Esganadas” ele precisava saber coisas tão díspares quanto o trajeto dos bondes, os nomes dos navios que partiam do Rio para a Europa numa determinada data e se as cortinas do Theatro Municipal do Rio abriam na vertical ou na horizontal.
“Às vezes você pode perder uma semana com isso. Você fica pentelhando por causa de uma diferença de data que provavelmente só vai ter importância para o autor.”
Bom, a matéria da Ilustrada para aí.
Tentei ler o “Xangô de Bond Street” umas trocentas vezes.
Não consegui sair da primeira página.
Era um festival de lugares comuns tão idiotas do tipo que eu não via desde que o saboroso Almanaque Capivarol deixou de circular.
O Almanaque Capivarol fazia parte da minha infância e era perfeitamente tolerável.
No romance da gorda cretina, eu já estava medianamente adulto e sabia separar o joio do trigo.
Aquele romance babaca era puro joio misturado com esterco de pangaré de filme mexicano.
Comecei a acreditar que eu era um idiota por estar criticando um livro de merda extra forte que todo mundo elogiava (“todo mundo” aí significa o establishment cultural do eixo Rio-São Paulo).
Não via aquela lambança midiática nos lançamentos de livros do Millor Fernandes, Luiz Fernando Verissimo e Aldir Blanc, para ficar só nos humoristas.
Muito menos nos livros de João Antônio, Rubem Fonseca, Garcia Marquez ou Vargas Llosa, para falar dos grandes romancistas.
Ou, vá lá, nos livros do sensacional Ruy Castro, que transita entre o humorismo, o romance e a crônica com a mesma desenvoltura.
E o que falar do mutismo da mídia em relação a Jason Tércio, Toninho Vaz, Joaquim Ferreira dos Santos e José Castello, que eu, humildemente, considero os melhores escritores da atualidade?
Foi então que um amigo me mandou a xerox de um artigo publicado pelo jornalista Paulo Nogueira, na revista Exame - ele é o atual chairman do descolado blog Diário do Centro do Mundo, que ainda não coloquei entre meus favoritos por absoluta falta de tempo.
Em setembro do ano passado, Paulo publicou um artigo intitulado “O Xangô de Jô”, que transcrevo abaixo:
“TELEFONE para você, Paulo.”
Era Márcia, minha secretária na Exame. A mais confiável secretária do mundo até me levar uma quantia considerável graças a meus controles então frouxos sobre minha conta corrente. Ali aprendi uma coisa essencial com secretárias: você não pode expô-las à tentação. É um mal que você faz para elas. Dar senha de cartão de crédito, por exemplo, é um erro absurdo. Cometi esse e vários outros.
“Quem é?”, perguntei.
“Diz que é o Jô.”
Era mesmo. Era 1998. Jô tinha acabado de lançar “O Xangô de Baker Street”, um romance policial entre médio e ruim. Mas, como sempre acontece com gente que como Jô tem boas conexões na imprensa, a repercussão foi extraordinária. Todo mundo deu. Todo mundo elogiou. Jô falou do livro num Roda Viva que dá bem o tom da cobertura. Logo na apresentação, alguns depoimentos sobre Jô foram mostrados.
Lula, por exemplo, disse o seguinte: “Jô é a grande novidade da década brasileira. Tudo que eu falar é pouco diante do que ele merece”. Ziraldo emendou: “O Jô não existe!” Antônio Ermírio de Moraes tinha o que falar sobre Jô também: “A nossa maior diferença reside em ser o Jô o mais elegante e eu o menos elegante do Brasil.” Ferrnanda Montenegro arrematou: “O Jô é um talento múltiplo. Em nossa geração não se viu nada igual”.
Assim Jô era tratado.
Se seus talentos são múltiplos, é algo que não sei. Conheço, basicamente, o de humorista, dos tempos de programas semanais da Rede Globo. Mas como escritor Jô é abaixo da linha da mediocridade. Bem como outros romancistas bissextos brasileiros, como Chico Buarque. Nessa categoria, o melhor é o guitarrista Tony Belotto, que tem uma mão boa para romances noir.
Minha quilometragem em policiais era longa quando Jô lançou “O Xangô”. Na adolescência, meu pai me dera Agatha Christie. Li toda. Ainda hoje, admiro imensamente Agatha Christie pela engenhosidade da trama, pela criação de personagens notáveis como Hercule Poirot e Miss Marple, e pela concisão de seus livros. Quando vejo romances de 500, 600 páginas, como cada volume da Trilogia Millenium, lembro sempre da frugalidade literária de Agatha Christie.
Papai também me dava para ler, menino, os contos de mistério da coleção de Elery Queen. Depois, mergulhei nos americanos essenciais, como Raymond Chandler e Dashiell Hammett. Varri todo Rex Stout com seu detetive glutão, Nero Wolfe, e boa parte de Erle Stanley Gardner, o pai de Perry Mason. Era versado também em Ross McDonald (Lew Archer) e John D. MacDonald (Travis McGee). Em minha última fase de leitor de policiais, descobri o talento singular da inglesa PD James, que só começou a escrever depois dos 40 anos. Adam Dalgliesh, o poeta detetive de PD James, é um grande personagem.
A familiaridade com literatura me levou a ser responsável pela seção de livros da Veja aos 26 anos. Uma vez, na redação, o diretor-adjunto Elio Gaspari perguntou para mim qual era mesmo o nome do personagem de Stendhal que em “A Cartuxa de Parma” passa por Waterloo sem se dar conta do que estava acontecendo. Fabrizio Del Dongo, eu sabia. Meu prestígio diante de Gaspari aumentou naquele momento.
Bem, Jô estava muito distante de todos os escritores de alto padrão. Foi o que escrevi numa seção de assuntos pessoais da Exame. Era essa a a razão do telefonema. Eu trabalhava com a porta sempre aberta. A conversa acabou atraindo uma pequena multidão de jornalistas. O mais animado, ali, era o diretor de arte Píndaro Camarinha Sobrinho. Píndaro, um dos mais talentosos e menos pretensiosos diretores de arte com quem trabalhei, jantava de vez em quando com Jô. Conhecera-o quando era editor de arte da Veja e Jô, colunista.
Jô começou com a clássica tentativa de intimidação que pessoas como ele costumam fazer.
“Sou amigo do Roberto e do Thomaz”.
“Hmmm”.
Ele se referia a Roberto Civita, dono da Abril, e Thomaz Souto Corrêa, então diretor editorial. Eu sabia muito bem que na Abril não vigorava nenhum esquema especial de proteção contra críticas negativas de livros de amigos — reais ou alegados — de quem quer que fosse. Logo, o introito de Jô não me comoveu. Ele falava suficientemente alto para que as pessoas em minha sala acompanhassem o diálogo.
“O livro é bestseller na França”, me disse depois Jô.
“Hmmmm”.
Disse a ele que nenhum dos argumentos que ele trouxera para a queixa tinha o menor significado para mim.
Eu continuava a achar fraco “O Xangô”. Um amador em ação, em suma. A resenha que escrevi é um texto que eu gostaria de ler de novo. Não guardei. Depois de meus primeiros anos em que recortava caprichosamente tudo que escrevia e guardava numa pasta, passei ao oposto. Nunca mais guardei nada. Não gosto de ler o que escrevi porque frequentemente tenho a sensação de que poderia ter feito melhor.
Mas aquela crítica eu queria rever. Nela, eu deixei claro um fato comum na imprensa brasileira. Pessoas influentes como Jô Soares recebem, a despeito de seus méritos, um tratamento VIP. É o que o jornalista JR Guzzo gosta de chamar de “ação entre amigos”. É um sintoma de infantilidade e deslumbramento dos jornalistas.
Nelson Rodrigues escreveu, à sua maneira divertida e corrosiva, que certa vez procurou um amigo jornalista e pediu uma crítica favorável a uma de suas peças. “Mas sem ressalvas”, emendou. Ele queria aplausos incondicionais. Nada de “por outro lado”. Vista a obra teatral de Nelson Rodrigues meio século depois da mendicância autopromocional que ele fez, você percebe que não havia necessidade de gestos tão abjetos. Nelson Rodrigues é um gênio universal do teatro, subestimado porque seu idioma era o português e só o português. (O que não impediu a Editora Record de lançar livros do bestseller Harold Robbins em que Nelson Rodrigues aparecia na capa como tradutor.)
Jô não é Nelson Rodrigues, e provavelmente sabe disso. E se NR se dava ao trabalho de pedir louvação, Jô não tinha que fazer nada para que isso acontecesse. A mentalidade nas seções de cultura da imprensa brasileira estava tomada pelo aplauso automático e em pé, aos gritos de ‘bravo!’, para celebridades como Jô Soares.
Minha resenha na Exame apenas notava isso. Gostei que a redação tivesse se juntado para ouvir a conversa. Ela tinha, para mim, um caráter pedagógico. A Exame tinha que ficar fora daquele ar viciado de compadrio em que a vítima é o leitor — e ficou.
Na Putney Bridge com minha caçula Camila, longe do Xangô, mas perto da Baker Street
É clássica a sentença que diz que se você soubesse como é feita a salsicha não a comeria. Muitas vezes pensei, em minha carreira, que se o público soubesse como são feitas certas coisas nas redações, ficaria um tanto desapontado. Dentro de minhas possibilidades limitadas, me insurgi, desde que tive o primeiro cargo de poder efetivo, contra práticas que me provocavam engulhos, como o endeusamento literário sem razão nenhuma de pseudo-romancistas tipo Jô Soares.
9 comentários:
Gostei da crítica.
Considero o segundo livro, "O Homem que matou Getúlio Vargas", bem melhor que O Xango.
Procurei no Google críticas a respeito de "As Esganadas", que por imensa curiosidade concordei pagar R$36 por uma cópia. Não sei nada sobre o livro, pouco sei sobre Jô Soares por trás das câmeras (e que, acredito eu, não deve ser muito diferente do que se vê nas câmeras, mas que de certa forma me diverte no seu tom sarcástico, egocêntrico e grosseiro sem querer querendo ser grosseiro). Foi então que achei esta matéria a respeito do livro, ou melhor, do Jô, porque do livro pouco foi dito além do que é encontrado na própria orelha da obra. É então que me questiono se o livro realmente foi lido assim como "O Xangô...", pois bem também sei que, não sabendo do que se escrever, escrevemos sobre outras coisas. Mas enfim... acredito que Jô Soares seja realmente aquele tipo clichê do "ame ou odeie", assim como também sei que a popularidade, o lobby e todas as formalidades que rondam o gordo, é o que faz tudo por ele feito um sucesso, diminuindo outros que criaram muito por mérito próprio e pouco foram reconhecidos. Isso é difícil, eu sei, mas estamos falando da mídia popularesca, aquela que consome apenas aquilo que invade suas casas sem licença. Não amo, mas também não odeio Jô Soares, e sei passar no coador muito do que por ele é feio ou dito, pois tenho a consciência do que o cerca. Não acho O Xangô ruim, muito pelo contrário, no estilo policial/investigativo/histórico, acho um bom exemplo, e para a época que ele foi lançado, sim, tem seu charme. Digo isso pois faço parte daquela faixa de brasileiros que não devora livros como os títulos que você citou, mas também não esquece que livros existem. E, para os meus propósitos, Jô Soares pode não ser um grande escritor, mas me oferece o que procuro. A narrativa do Jô Soares é muito sucinta. Ele não descreve os passos do personagem ao andar daqui até a esquina, ele simplesmente leva o personagem até a esquina, e isso pra mim quebra muito do tal suspense que gosto. Jô gosta de descrever as coisas, os lugares, o momento e pouco da situação. Detestei "O Homem Que Matou Getulio Vargas", achei um livro medíocre, com uma solução rápida, um final minguado depois de páginas e páginas e páginas de muito sobre nada. "O Assassinato..." eu não li, por pura preguiça. "As Esganadas" me levou pela popularidade imediata por justamente tratar de um mundo que ele muito conhece, o dos gordos. Até o momento estou achando "simpático", mas novamente ele peca em descrever muito do que não deve ser descrito, e resumir muito o que não deveria ser resumido. Esse seu crime é o que mata as piadas ou a narrativa, e uma situação que poderia ser engraçada ou interessante se torna de amena a brochante. Apesar desses defeitos, gosto da construção que ele faz ao misturar ficção e realidade e no imenso interesse que ele tem de transformar suas metódicas pesquisas e seu interesse em pequenas coisas em uma parte importante de suas histórias. Jô Soares virou um personagem de si mesmo e que aprendeu corretamente com sua escola a dar aquilo que a massa gosta e a tirar proveito de anos de influência para fazer parecer interessante o que é descartável. Não o culpo por isso, e não o odeio por isso. Em todos os ramos artísticos isso existe, e querer parecer ou ser cult o tempo inteiro não me faz melhor ou pior, pelo contrário, me deixa cansado. Talvez isso o canse também.
Maravilhosa crítica.
me peguei com as esganadas, e deitei todas as páginas em uma tarde, e posso lhe afirmar, não valeu a pena, perdi minha tarde.
abraços
Franklin
Terminei de ler As Esganadas ontem.
Comprei pelo Submarino, ou seja, esperei ansioso pelo livro.
Ontem postei o seguinte no Facebook:
Jô, devolva meu dinheiro ou vomito o que li.
Obviamente, estou todo vomitado. Sinto-me como as gordas do livro, entalado com textos indigestos e crus, sem nada. A fome literária só cresceu depois deste livro pobre, sem nenhum momento marcante ou personagem.
O trecho do teatro pareceu-me a parte principal do livro e nessa hora, eu bocejei.
Caronte, seu filho de uma égua, você merecia uma história melhor, faltou sal nessa sopa de lama... e Tobias, vá procurar emprego como figurante do Zorra Total porque você não convenceu em nada.
Qualquer episódio do Scooby Doo é mais interessante, tem mais suspense. Lamentável, Jô frescou com a cara de muita gente com essa enganação... sinto-me engasgado com tanta raiva.
Quantos escritores bons estão por aí no Brasil, se oferecendo pra mostrar os textos à primos, amigos e professores desinteressados, sem a chance de publicar seus livros? O que vale é o que gera dinheiro, claro, mas porque não ter qualidade? Porque ninguém disse ao Jô que aquele final não funcionaria? Perda de tempo e de calorias mentais. Qual é o próximo distúrbio do Jô? Escrever sobre SP e a profunda história do rio Tieté? Considero As Esganadas uma piada de mal gosto do Jô para uma platéia se roendo por dentro.
Realmente, é um livro comercial e ponto. Já não havia conseguido ler os anteriores e sentia-me complexada diante da tiragem consumida e eu alheia. Mas depois de ler essa coletânea de dados históricos, na minha opinião, muito pretensiosa, tive a impressão que o autor, Jô, é um solitário que quer dividir suas impressões e não tem com quem, explorando o seu público para fazer esse papel, que ainda paga por isso.Enfim, não gostei, não recomendo e me decepcionei, pois gosto do Jô, entrevistador.
Li "As esganadas" e aquele final me fez sentir um esganado enganado. Que pobreza literária! Fico imaginando que ao compor aquele final, bem nas últimas linhas, Jô Soares foi acometido de uma imensa dor de barriga e escreveu o que tinha pra sair de suas entranhas e o que restou foi "aquilo". O Procon e o Ministério Público deviam atuar. Quero meu dinheiro de volta.
André Luiz Alvez
O livro vai de morno a ruim. É o típico caso da obra que vira best seller porque seu autor é da mídia, mais precisamente da GLOBO, isto, e somente isto, explica seu "sucesso"...de vendas....se fosse eu quem tivesse escrito, provavelmente nem sequer a minha mãe iria querer ler. O enredo é superficial, não prende o leitor, os mistérios são fracos e o final pior ainda. As várias tentativas do autor em fazer piadas ou criar personagens engraçados foram um completo fracasso ao longo de toda a narrativa. Não há personagens fortes, marcantes, enfim, nada dá certo. E claro, Jô Soares aproveita para vomitar toda a sua verborragia e tentar pagar de conhecedor de tudo. Fica a moral da história: o seu livro vai ser um sucesso? Depende, se a Globo falar que é, então é!! O resto, é resto!! E pensar que no Natal do ano passado, apareceram três pessoas diferentes dando este livro de presente. Isto é o que eu chama de "globalização"...ou seria "imbecilização"?
http://revistacidadesol.blogspot.com.br/2011/12/gastroplastifilosofia-jo-e-mais.html
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