Princesa Isabel, cidade do Alto Sertão da Paraíba, terra
onde se aquartelava a tropa cangaceira do temido Zé Pereira, berço da saga
biográfica do Coronel Feliciano, homem de muita fé, mas só em si mesmo. Homem
de truculência e bizarrice. Homem para homem nenhum botar defeito mode
continuar vivo.
Homem que não acreditava que a Terra fosse redonda e girasse
sobre seu próprio eixo. “Coisa de padre pra contar história. Se fosse redonda e
girasse ia ter muita indecência. Os home tudo por cima das mulé”. Homem que
odiava padre e santo e que negava esmola a cego. “Vá pedir dinheiro pra quem te
cegou, peste miserável!”. Homem que negava a existência da Arca de Noé com uma
argumentação imbatível:
– Uma vez teve um circo aqui. O elefante comeu sozinho umas
cinquenta arrobas de resto de cana. Imagine um barco inteiro cheio de bicho por
quarenta dias e quarenta noites! Onde o velho ia guardar a comida dos animais?
E concluía:
– Só de piolho eu conheço umas dez raças diferentes e uma
vez eu quis pegar um casal de rolinhas, só peguei macho.
A mulher do Coronel Feliciano, ao contrário do marido, era
beata de ralar joelho, vivia na missa, vivia rezando. Na grande seca de 1936,
toda a população se reuniu numa procissão para pedir água ao céu abrasador. O
Coronel pediu a seu modo: pegou uma imagem de São Judas Tadeu – um “calunga”,
como ele chamava –, amarrou no talo de um rojão – na “taboca” como tratam o
rabo do foguete por lá – e disparou a peça de artilharia que se espatifou,
junto com a imagem, a uns cem metros de altura. Coincidência ou milagre, no dia
seguinte desabou o maior pé-d’água do Sertão. Explicação prática do Coronel:
– Uai! E não era pra chover, cabra? Já imaginou um pipoco do
pé do ouvido a duzentos metros de altura! Tinha mais é que tomar providência!
O problema é que não parou mais de chover por três dias
seguidos, o açude estava pra estourar. O Coronel encheu um saco de santo, foi
no açude e, segundo ele, “pipinou os calungas de metro em metro” e avisou pras
santificadas imagens:
– Agora é com vocês! Se estourar desce tudo por água abaixo.
E vocês descem junto...
Dia seguinte parou de chover.
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