Jornalistas do Pasquim: A partir da esquerda
Ivan Lessa (sentado), Millôr Fernandes (de branco), Caulos (na janela) e Jaguar
(em pé)
Millôr Fernandes
Estou lembrando:
faz muitos anos, íamos, eu e o jornalista Jaguar, andando pela Praia Grande, em
Arraial do Cabo, tendo pela frente dezenas (oitenta?) de quilômetro de areia
branca, quase pó-de-arroz. Era meio-dia de um dia de semana. As ondas dessa
praia são sempre curtas, rápidas, verdes e transparentes.
Pode-se caminhar
dentro d’água centenas de metros e mergulhar tranquilamente na água fria, sem
perder o pé. O fundo do mar, coisa rara em praias rasas, é também de areia
limpa e sólida, nenhum lodo. Além da areia, na praia, há uma vegetação
ondulando permanentemente.
No recanto em
que morávamos – Jaguar tinha alugado uma
casa de pescador, o que, nele, nada tinha de folclore – havia uma elevação, uma
pequena montanha. Lá de cima caía uma pequena cascata de águas da Álcalis, e a
própria poluição da Álcalis era belíssima, jogando pro ar uma nuvem de brancura
diáfana.
Junto com a
paisagem constante, a paisagem mutante. Pescadores em suas tarefas normais,
redes espalhadas, abertas na praia, uma ou outra sendo remendada vagarosamente,
pássaros às centenas, sem medo, voejando rente ao chão, um ou outro burro
carregando pequenas mercadorias. Estávamos em pleno paraíso.
Fomos saindo da
praia, eu e Jaguar, passamos por um pequeno grupo de pescadores que, numa
sombra, junto de algumas canoas, olhavam o horizonte, trocando algumas palavras
preguiçosas, na indolência do começo da tarde. Jaguar disse: “Isso é que é
gente pura!” E eu disse: “Tá bem, Jaguar! Um tá querendo comer a mulher do
outro e outro tá querendo ficar com a canoa do um. Aquele vesguinho até bateu a
carteira do crioulão. O microcosmo é igualzinho ao macrocosmo, ô cara!”
Uma semana depois
Jaguar entrou na redação do Pasquim, onde trabalhávamos então, e me disse: “Pô,
que coisa, seu! Você tem toda a razão. Ontem apareceram três pinguins lá na
praia e os pescadores, sem a menor hesitação, pegaram uns paus e transformaram
os pinguins numa poça de sangue. Não entendi. Fiquei besta!”
É por essas
pequenas coisas que eu nunca perco a fé no ser humano.
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