Xico Sá
No varejão das pequenas crendices e mandingas, homem e mulher
revelam uma diferença lindamente patética: a fêmea se põe mística quando inicia
o processo de abandono do seu marido ou namorado; o macho se torna o mais
crente e supersticioso das criaturas de Deus apenas depois que a casa cai,
depois de um belo chute no traseiro.
Quando a sua mulher ou namorada, amigo, começa a falar em
retorno de Saturno, na simbologia do tarô, nos recados do feng shui, etc, te
liga, campeão: é pé na bunda à vista e na certa. Por trás de todo mapa astral
ou de uma nova visita à cartomante há sempre um bom par de chifres à nossa
espera.
Aí só nos resta chupar o frio chicabom da solidão, como me
ensinou o tio Nelson. Só nos resta mascar o jiló do desprezo. Só nos cabe
sentar à margem do rio Piedra e chorar, segundo a recomendação suspeita do mago
Paulo Coelho, este sim um incansável místico globalizado.
Sim, amigo, a mulher é esotérica desde a véspera da
tragédia. Nós batemos na porta da cigana mais vagabunda apenas depois que Inês
é morta. Aqui me pego, agora mesmo, reparem no ridículo, lendo o destino e a
sorte na borra de café, o velho método das Arábias.
Mais perdido do que um escoteiro nerd e lesado no Pico da
Neblina, um homem é capaz de tudo. No mato sem cachorro ou GPS, o macho
moderno, este cara carente de banco de praça, faz sinal de SOS até para
náufragos piores do que ele. Ô vidinha-Titanic e miserável.
Opa, calma, calma, que vejo algo nos desenhos involuntários
do fundo da xícara. Tento enxergar na borra do café o meu destino, a minha
sorte e as escaramuças da pessoa amada, aquela maldita que nos parafusa na
testa uma fantasia de viking. Sério, amigo, como somos esotéricos depois que a
casa cai.
Peraí, epa, calma de novo que vejo algo bem definido no
diabo da xícara. Parece uma fruta. Pera, uva, maçã? Limpo as lentes de quase
dez graus de miopia e astigmatismo e finalmente decifro: uma cebola! Retrato do
meu choro e do abandono? Seria o mais óbvio e imediatista. Na dúvida, recorro
ao “Guia da leitura no sedimento do café – arte milenar árabe de interpretar
sua vida”, um livro da Batia Shorek e Sara Zehavi, que acabo de adquirir em um
sebo carioca.
Opa, reparem só no significado da tal cebola: “Indica que a
pessoa amada esconde algo do seu cônjuge e o assunto escondido é importante e
pode machucá-lo”. Neste caso nem escondia mais, já havia ido embora, estava da
caixa-prego pra frente, mas reparem como funciona a leitura da borra! Como
homem, apenas li atrasado o fundo da xícara. Uma fêmea mística teria sabido
tudo de véspera.
Nenhum comentário:
Postar um comentário