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segunda-feira, novembro 25, 2019

Metrópole à beira-mar: em novo livro, Ruy Castro revela um Rio que exala modernidade



Por Bolívar Torres

Vendo os holofotes de relance, na foto aqui do alto, é até difícil reconhecer a paisagem, mas trata-se de um panorama do Centro do Rio em 1922, quando ocorreu a iluminada Exposição do Centenário – montada no espaço onde, até o início daquele ano, ficava o Morro do Castelo. Lotado durante seus dez meses de duração, o evento apresentou “as últimas” da tecnologia e ciência para cariocas ávidos de novidades.

Em “Metrópole à beira-mar”, que chega agora às livrarias, Ruy Castro busca justamente capturar o espirito daquele Rio avant-garde dos anos 1920, com seus artistas, escritores, imprensa, moda, vida social e urbana. Algumas páginas trazem imagens dos principais personagens da época, mas também exemplos do design arrojado que brotava de propagandas, capas de revistas e livros, elementos do dia a dia que dão o tom arrojado daquela década. Uma modernidade que impressiona por seus traços com ecos de art déco e art nouveau. Mas Ruy ressalta:

– Ninguém chamava isso de modernismo. O modernismo aqui era no dia a dia, as pessoas o viviam. O Rio estava habituado a ser assim. Ninguém precisava dizer “eu sou moderno” porque aquilo não era uma ação entre amigos. Era a cidade.

Essa é a tese central do livro. Biógrafo de Nelson Rodrigues, Garrincha, Carmen Miranda e da bossa nova, o autor revela agora uma cidade onde a revolução estética não estava em um manifesto, mas sim na respiração das ruas e no seu estilo de vida.

A comparação com São Paulo e sua Semana de Arte Moderna, também de 1922, é inevitável, apesar de Ruy não discutir a rivalidade entre as duas cidades no livro. Sua conclusão sobre esse modernismo não declarado do Rio, porém, é fruto de uma pesquisa de quatro anos em torno da época. Ela aparece na costura do percurso de personalidades impressionantes, que não por acaso dividiram os mesmos anos loucos, as mesmas calçadas e cafés.

– Quando se pensa no modernismo dos anos 1920, se pensa sempre em São Paulo. Mas, pesquisando bem, repara-se que o que aconteceu no Rio nesse mesmo período foi a vida real, não era só a brincadeira de fazer revistinha de vanguarda – argumenta o biógrafo. – A modernidade estava em tudo: na área científica, no comportamento... Em todos os departamentos as coisas estavam fervendo.


Entre a selvageria do “carnaval da gripe espanhola” em 1919, que abre o livro, e os cavalos invadindo as ruas na Revolução de 1930, que o encerra, desfilam nomes como Villa-Lobos, J. Carlos, Pixinguinha, Manuel Bandeira e Carmen Miranda.

Mas há também outros um tanto esquecidos, como Théo-Filho, que definiu os “vícios” de uma época com seus best-sellers escandalosos; Jayme Ovalle, o poeta secreto que não precisou publicar livros para influenciar meio mundo; ou ainda Eugenia Moreyra, a primeira repórter mulher do país. Entre os velhos dinossauros como Coelho Neto e as novas gerações, figuras como Graça Aranha e Ronald de Carvalho cumpriam papel mediador. Eram a própria personificação das transições artísticas.

Mas que cidade é essa? Ruy pinta um Rio que não dorme. Com cerca de 1,1 milhão de habitantes e mais lâmpadas elétricas do que Paris, a então capital federal, onde o samba amadurecia, havia assassinado a noite, como observara Albert Einstein ao visitá-la.

A fisionomia, o cheiro e os sons da cidade foram alterados pelos automóveis, e nela se concentravam os mais badalados cafés e se imprimiam as mais sofisticadas revistas, que consagravam em suas páginas o savoir vivre da metrópole. Esse Rio, que todos os brasileiros queriam visitar, “tocou o Brasil para a frente” durante toda a década, conclui Ruy.

“Metrópole à beira-mar” lembra o seminal “O Rio de Janeiro de meu tempo”, em que o escritor Luiz Edmundo (1878-1961) descreve o clima da cidade na primeira década da virada do século e sua lenta transição do provincianismo para a modernidade. Já o livro de Ruy coloca em cena um Rio plenamente afirmado e adaptado à sua velocidade e às suas luzes.


O autor não gosta muito da comparação, já que, ao contrário de Edmundo, não nasceu na época que pintou (ele é de 1948). Mas concorda que retomou a história exatamente onde o antecessor a havia deixado. É o momento em que Coelho Neto e sua turma da Confeitaria Colombo perdem influência cultural, em que os pince-nez caem em desuso, e em que as roupas vão ficando mais curtas. Ao mesmo tempo, autores “imorais”, como Gilka Machado, tornam-se possíveis, e as mulheres descobrem que podem dançar juntinho.

– Existe um vácuo sobre essa época – defende Ruy. – A historiografia se interessa pelo século XIX, pela Belle Époque, por Pereira Passos. Aí mata o Lima Barreto e o João do Rio (mortos em 1922 e 1921, respectivamente) e pula direto pro Getúlio... Os anos 1920 ficam abandonados. Tive que descobrir coisas em fontes que não existiam.

A bibliografia de “Metrópole à beira-mar” se estende por 25 páginas, o que dá uma dimensão do esforço de pesquisa do autor. Como colecionador compulsivo, contudo, Ruy nem sempre precisou ir longe de casa, já que é dono de uma vasta coleção de livros e revistas do período, desde raras primeiras edições de Paulo da Silveira e Benjamim Costallat a números dos semanários “Fon-Fon” e “O Malho”. Daí sua precisão ao descrever, ano a ano, a evolução do vestuário, da arquitetura e do noticiário local.

– Foi o livro mais difícil para mim, muito mais do que as biografias que escrevi – conta o autor. – A biografia é a vida de uma só pessoa. No fim, você a ressuscita. Já este livro é o apanhado de uma época e de um tempo. E com várias pessoas que viveram em um único espaço. Durante os quatro anos que levei para escrever, reconstruí uma cidade que deixou de existir há cem anos.


Cinco traços do Rio nos anos 1920

Vultos do século XIX, design gráfico de vanguarda, canelas à mostra, mulheres empoderadas e um coquetel de vícios. Nos anos 1920, todos estes elementos estiveram presentes no cotidiano do Rio de Janeiro – e são examinados por Ruy Castro no livro “Metrópole à beira-mar”.

Fim de uma era

Toda uma época morreu com Ruy Barbosa, em 1923. O “homem mais inteligente do Brasil” era o último de uma longa lista de grandes figuras que personificavam o século XIX, como Euclides da Cunha (1866-1909), Barão do Rio Branco (1845-1912), Machado de Assis (1839-1908), Olavo Bilac (1865-1918). Para Ruy, a partida do diplomata, escritor e eterno candidato à presidência representou a virada definitiva para o século XX, liberando todo mundo e relaxando o ambiente.

– Foi como se todos pensassem: agora já pode dançar maxixe à vontade, já pode fazer sacanagem e falar palavrão, porque não tem aquele cara lá regulando se a gente está usando o adjetivo certo – brinca Ruy.

No entanto, como o próprio autor mostra, Barbosa já vinha se eclipsando em vida. E, apesar do funeral grandioso, via o seu prestígio cada vez mais diminuído entre as novas gerações.

Revolução gráfica e editorial

Um dos jornalistas mais bem pagos da época e campeão de vendas com o escandaloso romance “Mlle. Cinema” (apreendido por atentado à moralidade), Benjamim Costallat mudou a maneira de vender livros ao fundar a sua Costallat & Miccolis. Não apenas tinha faro único para encontrar temas da moda, como ainda sabia como poucos dar um aspecto sensacionalista aos livros que editava. Para isso, reinventou o projeto gráfico das publicações.

Se até então vigoravam as capas lisas e minimalistas, a Costallat & Miccolis apresentou ao Brasil ao Brasil capas vistosas e coloridas, assinadas por gênios como Di Cavalcanti e J. Carlos. Também mantinha, segundo Ruy, uma relação de raro profissionalismo com os seus autores. Com milhares de exemplares vendidos, praticamente inventou a edição moderna no país.


Evolução da moda

Ruy descreve, ano a ano, as mudanças no vestuário da cidade.

– A moda saiu daquela mulher toda cheia de roupa, chapéu de dois andares e peito de pomba, e foi para o cabelo curto, o chapeuzinho e uma roupa que foi se afunilando progressivamente – explica.

As saias, por sua vez, subiram ao meio das canelas. A mudança, que teria chegado ao Rio poucos meses após virar tendência no exterior, foi documentada com deslumbramento por jovens como o jornalista e escritor Peregrino Júnior.

As grandes “influenciadoras” desta moda foram as filhas dos diplomatas fixados nas muitas embaixadas do Rio além das imagens de filmes americanos, jornais e revistas, que promoviam um novo frescor. Já os conservadores falavam na “praga do melindrosismo”.

Mulheres em destaque

Há inúmeras mulheres protagonistas em “Metrópole à beira-mar”. Elas representam diversas áreas, como a soprano Bidu Sayão, as poetas Mercedes Dantas e Gilka Machado, as romancistas Chrysanthème e Albertina Bertha, a bióloga e ativista Bertha Lutz, a pioneira do jornalismo Eugenia Moreyra, entre tantas outras.

Ruy, porém, recusa a representação atual de que elas seriam reprimidas ou discriminadas por seus editores e críticos por serem mulheres. Embora reconheça que a realidade e oportunidades delas não era a mesma da imensa maioria das mulheres da época (“o grosso ainda estava em 1880”, escreve), o autor defende que elas eram figuras admiradas e respeitadas. Muitas autoras tinham invejável sucesso comercial.

– Se você dissesse a Albertina Bertha que ela era perseguida por ser mulher, ela era capaz de te matar! – diz Ruy.

Cidade entorpecida

O Rio seguiu a tendência mundial de se entorpecer em drogas após o fim da Primeira Guerra, entregando-se a “um alegre programa suicida, à base de éter, cocaína, morfina, heroína e ópio”. Diversos escritores descreveram (com conhecimento de causa) as fumeries de ópio, que começaram nas adjacências da rua Primeiro de Março e logo se estenderam aos bairros mais finos.

Menos chique e de fácil aplicação, a morfina era vendida em ampolas nas farmácias (foi cantada por Manuel Bandeira no poema “Pierrete”, de 1919). Já a cocaína tinha dezenas de apelidos, como pó de lua ou ainda fubá mimoso. Começou circulando livremente por lugares chiques como o restaurante Assirio, mas logo chegou aos banheiros do teatros e até aos salões de beleza.

– As coisas nem eram escondidas – lembra Ruy. – A revista “Para Todos”, que tirava 50 mil exemplares por semana, tinha inúmeras referências a cocaína em suas crônicas. O Álvaro Moreyra, aquela figura doce, era fascinado por cocaína e deu até o nome da droga a um livro dele.

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