Fevereiro de 1965. Festa de carnaval na sede da Associação Atlética Banco do Brasil, localizada nos altos de um prédio na Marechal Deodoro, a duzentos metros da Chefatura de Polícia.
De repente, começa uma grande briga no salão. A polícia intervém. Os estudantes universitários Gaia Nina, Felix Valois, Alfredo Santana e Edgard Messias, todos ligados ao “Partidão”, acabam sendo presos e levados para o “casarão” da Marechal Deodoro.
Também ligado ao “Partidão”, o futuro médico Zé Maria Gomes Monteiro entra em ação. Enquanto o baile não era reiniciado, ele fez um discurso curto e grosso:
– Camaradas, negócio seguinte: os futuros advogados da nossa população mais carente e desassistida foram presos injustamente e só vão sair do xilindró depois que a gente molhar a mão dos gorilas que estão a serviço da ditadura. Hoje é sábado de carnaval e não é justo que eles passem a noite presos. Eu vou passar a sacolinha e quem quiser que ajude como puder...
Depois de meia hora, Zé Gomes já havia levantado cerca de R$ 2 mil (em valores de hoje), o salário mensal de um comissário de polícia. Com a grana na mão, ele foi até a Chefatura de Polícia. O delegado Belota era o plantonista.
Dirigindo-se a um dos policiais que estava na portaria, Zé Gomes foi peremptório:
– Avise ao delegado Belota que o doutor José Maria Gomes Monteiro está aqui na portaria e deseja falar com ele em regime de urgência urgentíssima...
Pensando tratar-se de algum figurão do governo por conta do nome imponente, o meganha apressou-se em dar o recado. Dali a cinco minutos, Zé Gomes entrou na sala do delegado.
Ele colocou a grana em cima da mesa e disparou:
– Meu queridíssimo, estimadíssimo e excelentíssimo doutor Belota. Eu trouxe um dinheirinho extra para pagar as despesas da carceragem de alguns amigos meus de comprovada boa índole, que estão detidos aqui nesta augusta delegacia há cerca de 50 minutos. Creio que esta grana é suficiente para cobrir as despesas deles por tal espaço de tempo. Agora, se não fosse abusar de sua permanente boa vontade, eu gostaria que o senhor liberasse os meninos que foram presos por causa de uma simples confusãozinha à toa na sede da AABB. E lhe prometo que eu vou me responsabilizar pessoalmente pelos futuros atos da meninada...
O delegado Belota conferiu a grana, colocou no bolso do paletó e avisou:
– Entre lá na carceragem, identifique seus amigos, leve eles embora e torça pra não ocorrerem novos tumultos ou a cobra vai fumar...
Zé Gomes foi até a carceragem, que ficava nos fundos da Chefatura, e, dirigindo-se ao carcereiro, também foi peremptório:
– Eu sou o doutor José Maria Gomes Monteiro e estou vindo do gabinete do excelentíssimo delegado doutor Belota. Ele me autorizou a liberar todo mundo...
O carcereiro, pensando tratar-se de um blefe, foi até a porta e berrou:
– Doutor Belota, é pra liberar todo mundo?
Pensando que o carcereiro estava se referindo aos comunistas detidos, o delegado gritou de volta:
– É, porra! É pra liberar todo mundo! E vê se não me enche mais o saco pelas próximas doze horas...
Zé Gomes deixou a Chefatura de Polícia em companhia de uns 80 presos, incluindo Gaia Nina, Felix Valois, Edgard Messias e Alfredo Santana.
Na Marechal Deodoro, ele falou aos ex-detidos:
– Moçada, quem liberou vocês não fui eu, mas sim o glorioso Partido Comunista Brasileiro. E agora vocês são nossos convidados para participar do baile de carnaval da AABB. Os ingressos e as bebidas são por nossa conta...
Foi uma festa.
Na segunda-feira, mais da metade dos ex-presos estava se filiando ao PCB. Deve ter sido o maior recrutamento de militantes comunistas da história do partido.
Também, pudera. Quem não gostaria de participar de um partido pai-d’égua daquele, que além de ter moral para soltar presos em pleno sábado gordo ainda bancava inesquecíveis bailes de carnaval?...
Nenhum comentário:
Postar um comentário