O falecido escrivão juramentado Hugo Leão de Castro (esse aí de cavanhaque), identificável na igualmente falecida Ipanema apenas como Hugo Bidet, era um inveterado boêmio e um doce vagabundo.
O apelido surgiu após promover uma feijoada para 50 amigos em seu apartamento.
Na falta de panelas, colocou os ingredientes da feijoada em um bidê que acabara de comprar.
De tão popular, o “sobrenome” passou a ser impresso até em seus talões de cheque.
Hugo Bidet tornou-se uma lenda de Ipanema dos anos 1960.
Diziam que estava em todos os bares do bairro (no mesmo horário).
Sempre de bolsa - foi um dos primeiros homens cariocas a usá-la - e, geralmente, na companhia de um ratinho branco.
A alegria maior eram os desfiles da Banda de Ipanema, da qual foi um dos fundadores e uma espécie de baluarte.
Empunhava um imponente trombone e, no meio da algazarra, ninguém percebia que ele apenas fingia tocar o instrumento.
Entre um chope e outro, atuava em peças de teatro e filmes.
Era artista plástico de talento.
Mas, quando perguntavam sua profissão, respondia com pesar: “Não sou músico”.
Está na história também por fundar a feira hippie da praça General Osório.
Escrevia ainda roteiros para tevê e colaborava com o Pasquim.
Inspirado na sua figura, aliás, Ivan Lessa e Jaguar criaram o personagem B.D., sucesso nas páginas do jornal.
Em 1977, após escrever uma carta em que dizia estar “louco, irremediavelmente louco”, deu um tiro no céu da boca.
Não morreu.
Pediu ajuda ao vizinho, foi tranquilamente de táxi ao hospital e ainda brincou com conhecidos no caminho.
Mas, nove dias depois, Ipanema perdia um dos ícones do tempo em que o bairro “era só felicidade”.
Lá, um dia, muitos antes do tresloucado gesto, Hugo Bidet sofreu um insulto hepático e foi garantir a sobrevida do fígado e dos bares locais com um médico desconhecido, mas muito recomendado.
Hugo cumpriu à risca a primeira missa terapêutica: nu, obediente, humilhado, apreensivo e diminuído diante do doutor, uma saudável e eterna excelência.
Respondeu com educação e firmeza a todas as perguntas do facultativo que, ao contrário do ponto, infelizmente não o é.
E disse a idade, contou as doenças infantis, discorreu sobre a biografia médico-familiar, negou doenças infectocontagiosas (omitiu uma remota gonorréia).
O médico, cabeça baixa, curvado sobre uma ficha, ia tomando nota mecanicamente, sem um comentário, um olhar, uma humanidade.
A última pergunta antes da sentença:
– O senhor bebe?
Resposta meio hesitante do Hugo:
– Socialmente...
O esculápio, moldado à americana, aparentemente ultrapassou o tempo necessário para escrever “socialmente”.
O Hugo, com medo do flagrante, acrescentou com humildade:
– É que eu tenho muitos amigos...
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