Parceria do compositor amazonense Paulo Onça (esse gente fina de camisa vermelha) com o sambista Jorge Aragão, a música “Feitio de Paixão” havia estourado em todo o Brasil e Paulo Onça se sentia o rei da cocada preta.
O diabo é que, com exceção dos pagodeiros da cidade, ninguém sabia quem era Paulo Onça, apesar de ele já ter gravado seis CDs e feito sambas enredo para quase todas as escolas de samba de Manaus.
No ano da gravação original, ainda saboreando o sucesso da canção nos hit parades do país, Paulo Onça resolveu conhecer o Festival de Parintins, onde participaria de uma roda de pagode no bar Chapão em companhia de seu brother Chico da Silva.
Paulo Onça convidou para acompanhá-lo na empreitada o pagodeiro Mafu, outro ilustre desconhecido fora do mundo do samba da cidade.
Como o festival cairia num final de semana, a população manauara em peso viajou para a ilha da fantasia.
Paulo Onça só encontrou duas vagas em um barco de linha retardatário e assim mesmo ainda teria que viajar de “baladeira” no 2.º compartimento, perto do porão de cargas.
Invocado com aquele negócio de dormir de rede no meio da pobreza, o compositor foi conversar com o dono do barco.
O sujeito estava na cabine de comando, verificando alguns instrumentos.
Paulo Onça entreabriu a porta e foi direto ao assunto:
- Meu amigo, eu sou o famoso compositor Paulo Onça, co-autor da música “Feitio de Peixão”, gravada pelo também famoso Jorge Aragão, e gostaria de receber um tratamento diferenciado. Será que não dava para você descolar um camarote com ar condicionado pra mim viajar com um pouco mais de conforto?...
O sujeito olhou para o compositor como se estivesse vendo um marciano pela primeira vez, cuspiu o tabaco que estava mascando num cesto de lixo, olhou o relógio de pulso, sacudiu uma cordinha dando três badaladas em um sino (indicativo de que o barco ia partir) e aí, sem dar uma palavra, fechou a porta na cara do sambista e a trancou por dentro com um ferrolho.
Paulo Onça ficou puto.
Na fila do jantar, que começou a ser servidor às 7 horas da noite, o compositor percebeu duas meninas cochichando e apontando pra ele.
Paulo Onça estufou o peito e ficou todo posudo.
Finalmente alguém havia reconhecido o seu talento.
Alguém, não. Duas pessoas, Aliás, duas meninas mortas de gostosas.
Ele colocou o prato na mesa e ficou aguardando a abordagem.
Com o canto do olho, Paulo Onça percebeu as gatinhas se aproximando. Estufou mais ainda o peito.
Mas, de repente, as meninas passaram por ele e foram direto aonde estava o pagodeiro Mafu, na outra ponta da mesa.
Coincidentemente, o pagodeiro estava na fila do jantar atrás do compositor na hora em que as meninas começaram a xavecar.
Paulo Onça ficou tão nervoso que quase se engasgou com uma espinha de jaraqui frito servido no jantar.
A morena, que era a mais espevitada e saliente das duas, interpelou o pagodeiro:
- A minha amiga aqui quer saber se você é o cantor Amado Batista...
Com o sangue-frio de um piloto da Al Qaeda se aproximando das torres gêmeas, Mafu não deixou por menos:
- Sou sim, minha filha, sou sim. Mas não espalha, senão aglomera...
O rosto das duas meninas se iluminaram.
A morena se aproximou do ouvido de Mafu e susurrou:
- Quando o senhor terminar de jantar, vá lá em cima, na área de lazer, que tem umas pessoas que querem lhe conhecer...
Não deu outra.
Quinze minutos depois, enquanto Paulo Onça, conformado, se ajeitava na “baladeira” para começar a dormir, Mafu, sorrateiramente, subiu pra área de lazer do barco.
Seis meninas o aguardavam ansiosamente, numa mesa repleta de tira-gosto e biritas.
O suposto Amado Batista foi tratado como um rei. Cada uma delas queria ser mais hospitaleira do que a outra. E o melhor é que ele nem precisaria exercitar seus dotes vocais.
Cientes de que o cantor estava viajando “incógnito”, nenhuma delas estava disposta a compartilhar aquele segredo com o restante do barco.
Resultado: Mafu, aliás, Amado Batista, foi praticamente obrigado a passar o rodo nas seis meninas, algumas, inclusive, mais de uma vez.
Nas dezoito horas que duraram a viagem, ele comeu do bom e do melhor sem gastar um tostão, dormiu num espaçoso camarote com ar-condicionado na companhia de seis mulheres peladas e não desceu ao porão nem pra visitar o amigo Paulo Onça.
E tudo isso sem jamais ter tido uma única música gravada pelo Jorge Aragão...
Um comentário:
Ótimo texto, Grande Simão! Sou filho do Onça e já fui aluno do seu filho Márcio. :D Parabéns novamente!
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