Roberto Nascimento
Retrô é um adjetivo surrado e reducionista que pouco faz
para descrever a complexa relação que a música contemporânea tem com seu
passado.
No bloquinho do ‘retrô’ ou do ‘vintage’, desfilam revivals
como Sharon Jones e a Daptone que, apesar de ótimas apenas recriam o que foi
feito nos estúdios da Motown, nos anos 60, ao lado de vanguardistas como Ariel
Pink, cujo olhar lo fi sobre o pop de FM dos anos 80 (o famoso ‘easy listening’
diariamente servido no Brasil pela Alfa FM) teve forte impacto em uma cena de músicos
(focada em Los Angeles, mas espalhada pelo mundo) que compreendeu de forma
intuitiva que o ângulo pelo qual se enxerga uma memória ou uma referência é, em
si, uma ferramenta de criação.
Em um acessível meio-termo entre esses dois polos – não tão
preocupados com uma reconstituição estética, tampouco com o uso do passado em
prol de uma renovação – se encontram os discos do Beach House.
Formado, em 2004, com o primeiro disco lançado dois anos
depois, o duo de Victoria Legrand e Alex Scally tira do passado lições menos
estéticas do que musicais.
São como alguns compositores eruditos de outrora, cujo amor
pela arte de seus predecessores (como o de Brahms pela de Beethoven) teve
tremendo impacto em suas composições.
No caso do Beach House, isso fica nítido na economia de suas
canções, na forma com que arranjos são enxugados ao extremo, deixando, vez ou
outra, apenas um tecladinho barato e uma bateria eletrônica, para carregar a
melodia: a força está na estrutura e na melodia trabalhada.
Esta, não em seu sentido erudito – implicando que carregue o
máximo de lirismo em suas notas –, mas em sua sagacidade pop, que busca
alcançar o ‘gancho’ melódico da forma mais simples e elegante possível (vide
Paul McCartney, Brian Wilson, Stevie Wonder, e outros).
Em suas devidas proporções (graciosamente anunciadas na
delicadeza com que a música do Beach House tende a ser feita), o duo trabalha
nessa linhagem.
Uma canção como Master of None, por exemplo, que está no
disco de estreia do grupo, combina letra, melodia e a sutil melancolia de seu
arranjo de forma imaculada.
Lazuli, de Bloom, lançado em 2012, tem verso e refrão que se
entrelaçam em um gesto econômico, operando quase um minimalismo indie.
É Victoria que explica: “Entre os obstáculos de fazer uma
canção está a forma com que você consegue traduzir a pureza de um sentimento,
sem que isso se desfaça, usando o mínimo de elementos possíveis. No caso de
Master of None, escrevi aquelas palavras e elas tinham algo de uma brincadeira
ao mesmo tempo feliz e ressentida, amarga”, diz, sobre a letra “você sempre vai
à festa, e tira as penas de todos os pássaros”.
Em Bloom, disco que a banda mostra, junto às canções do belo
Teen Dream, de 2010, essa frágil arqueologia da busca de um gesto que não se
desfaça enquanto está sendo escavado por seu compositor, chegou a um nível de
mestre.
Muito foi dito sobre como o disco não representa uma
palpável evolução em relação a Teen Dream, mas isso foge do ponto do disco.
O Beach House não é uma banda de revoluções estéticas, e sim
uma de mestres cancionistas, uma arte cada vez mais raramente bem praticada no
panorama musical contemporâneo.
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