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quinta-feira, agosto 22, 2013

Mestres de uma arqueologia de letras e melodias


Roberto Nascimento

Retrô é um adjetivo surrado e reducionista que pouco faz para descrever a complexa relação que a música contemporânea tem com seu passado.

No bloquinho do ‘retrô’ ou do ‘vintage’, desfilam revivals como Sharon Jones e a Daptone que, apesar de ótimas apenas recriam o que foi feito nos estúdios da Motown, nos anos 60, ao lado de vanguardistas como Ariel Pink, cujo olhar lo fi sobre o pop de FM dos anos 80 (o famoso ‘easy listening’ diariamente servido no Brasil pela Alfa FM) teve forte impacto em uma cena de músicos (focada em Los Angeles, mas espalhada pelo mundo) que compreendeu de forma intuitiva que o ângulo pelo qual se enxerga uma memória ou uma referência é, em si, uma ferramenta de criação.

Em um acessível meio-termo entre esses dois polos – não tão preocupados com uma reconstituição estética, tampouco com o uso do passado em prol de uma renovação – se encontram os discos do Beach House.


Formado, em 2004, com o primeiro disco lançado dois anos depois, o duo de Victoria Legrand e Alex Scally tira do passado lições menos estéticas do que musicais.

São como alguns compositores eruditos de outrora, cujo amor pela arte de seus predecessores (como o de Brahms pela de Beethoven) teve tremendo impacto em suas composições.

No caso do Beach House, isso fica nítido na economia de suas canções, na forma com que arranjos são enxugados ao extremo, deixando, vez ou outra, apenas um tecladinho barato e uma bateria eletrônica, para carregar a melodia: a força está na estrutura e na melodia trabalhada.

Esta, não em seu sentido erudito – implicando que carregue o máximo de lirismo em suas notas –, mas em sua sagacidade pop, que busca alcançar o ‘gancho’ melódico da forma mais simples e elegante possível (vide Paul McCartney, Brian Wilson, Stevie Wonder, e outros).

Em suas devidas proporções (graciosamente anunciadas na delicadeza com que a música do Beach House tende a ser feita), o duo trabalha nessa linhagem.

Uma canção como Master of None, por exemplo, que está no disco de estreia do grupo, combina letra, melodia e a sutil melancolia de seu arranjo de forma imaculada.

Lazuli, de Bloom, lançado em 2012, tem verso e refrão que se entrelaçam em um gesto econômico, operando quase um minimalismo indie.


É Victoria que explica: “Entre os obstáculos de fazer uma canção está a forma com que você consegue traduzir a pureza de um sentimento, sem que isso se desfaça, usando o mínimo de elementos possíveis. No caso de Master of None, escrevi aquelas palavras e elas tinham algo de uma brincadeira ao mesmo tempo feliz e ressentida, amarga”, diz, sobre a letra “você sempre vai à festa, e tira as penas de todos os pássaros”.

Em Bloom, disco que a banda mostra, junto às canções do belo Teen Dream, de 2010, essa frágil arqueologia da busca de um gesto que não se desfaça enquanto está sendo escavado por seu compositor, chegou a um nível de mestre.

Muito foi dito sobre como o disco não representa uma palpável evolução em relação a Teen Dream, mas isso foge do ponto do disco.


O Beach House não é uma banda de revoluções estéticas, e sim uma de mestres cancionistas, uma arte cada vez mais raramente bem praticada no panorama musical contemporâneo.

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