A Vânia Love não
chegava aos pés da Irene da Nanda... Interessa?...
Fernanda Torres (*)
No presente, a mulher ainda apanha, ganha menos do que o
homem e fechou um contrato social impossível de ser cumprido, já que cabe a ela
não só cuidar da prole, do lar, se manter jovem e desejada, como também
trabalhar para contribuir para o sustento da casa. Sobra tempo nenhum para
dormir e, muito menos, sonhar com alguma realização que vá além dos deveres do
dia.
Nas camadas mais desassistidas, o fim do casamento
indissolúvel produziu milhares de lares sem pai, onde a avó e a mãe servem de
esteio para a estrutura familiar. Na falta de creches, de escolas, do estado
para ampará-las, a tarefa de criar rapazes que não repitam a violência e o
abandono dos pais e meninas que deem um basta na escravidão das mães, é uma
missão que beira o inatingível.
A maternidade interfere na vida da mulher de uma forma mais
arraigada do que a paternidade na do homem. Temos um relógio biológico
certeiro, que coincide com nosso período produtivo, interferindo nas decisões
profissionais e pessoais.
A fragilidade no emprego, a dependência dos cônjuges,
a falta de liberdade de ir e vir passa pela incapacidade do feminino de se
desapegar das crias.
Um homem, seja ele pobre, rico, preto ou branco, baixo,
alto, feio ou bonito, dorme quando está cansado, sai quando deseja e dá
prioridade à própria agenda, sem nenhuma pressão que não a da vontade.
Algumas correntes defendem que essa diferença é cultural,
mas eu acho que é biológica, carnal, imemorial.
Sou pela licença paternidade. É um passo e tanto para que o
casal, unido, divida a responsabilidade dos primeiros meses exaustivos de um
bebê. Sou favorável a que toda fábrica tenha uma creche e tenho gratidão pelas
babás que me criaram e que criaram meus filhos, cumprindo a função da mãe
social, que nos tempos da vovó menina era feito pelas tias, primas, avós e
irmãs da casa.
Invejo o companheirismo dos homens, o prazer que eles sentem
de estarem juntos e se divertirem com qualquer bobagem. Homem gosta muito de
estar com homem. Não me incomoda o machismo, confesso, talvez seja uma
nostalgia de infância que carrego. A geração que me criou era formada por
machões gloriosos, de Millôr a Miéle, irresistíveis até nos seus preconceitos.
Um editor alemão recusou publicar meu livro, Fim, dizendo
que era machista. Explicaram que a obra havia sido escrita por uma mulher e ele
disse que não importava, que era machista do mesmo jeito e não iria pegar bem
na Alemanha. Está certo o editor, eu sou latina, não consigo entrar numa sauna
com todo mundo pelado e me manter isenta.
Os estupros da passagem de ano na mesma Alemanha advogam em
favor do editor avesso ao machismo. A violência contra a mulher é menor em
lugares onde a igualdade entre os sexos é melhor resolvida.
Nos países
muçulmanos que visitei, Marrocos, Egito, Malásia, sempre me incomodou o olhar
guloso, reprimido e repressor dos homens.
O Brasil está entre um e outro.
Minha babá era um avião de mulher, uma mulata mineira
chamada Irene que causava furor onde quer que passasse. Eu ia para a escola
ouvindo os homens uivando, ganindo, gemendo, nas obras, nas ruas, enquanto ela
seguia orgulhosa.
Sempre associei esse fenômeno à magia da Irene. O assédio não
a diminuía, pelo contrário, era um poder admirável que ela possuía e que nunca
cheguei a experimentar.
Estou certa de que essa é a minha primeira encarnação como
mulher.
Apesar do talento para ser mãe, sou menos feminina do que
gostaria de ser. Já beirando a idade em que nos tornamos invisíveis ao peão da
obra da esquina, rejeito as campanhas anti fiu fiu e considero o flerte um
estado de graça a ser preservado.
É claro que um chefe que mantém uma
subalterna sob pressão constante merece retaliação, mas uma vida de
indiferença, onde todo mundo é neutro, não falo igual, digo neutro, sem xoxota,
sem peito, sem pau, bigode, ah… é uma desgraça.
Tenho admiração pelas mulheres livres, que não conhecem o
medo e são plenas na sua feminilidade.
Certa feita, um mulherão me explicou que
terminou um casamento sem brigas e sem sofrimento porque o marido ficou homem
demais.
Na casa dela, pontuou a morena, só havia lugar para um homem, e esse
homem era ela.
Nunca fui mulher o suficiente para chegar a ser homem.
A vitimização do discurso feminista me irrita mais do que o
machismo. Fora as questões práticas e sociais, muitas vezes, a dependência, a
aceitação e a sujeição da mulher partem dela mesma.
Reclamar do homem é inútil.
Só a mulher tem o poder de se livrar das próprias amarras, para se tornar mais
mulher do que jamais pensou ser.
Um homem fêmea.
(*) Fernanda Torres é atriz e escritora
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