Em 1967, enquanto os Beatles trancafiaram-se por quatro meses nos estúdios para fazer sabia-lá-Deus-o-que, o mundo girou rapidamente. Hendrix, Pink Floyd, psicodelismo, LSD, rádios piratas. I Want to Hold Your Hand já não podia sonorizar o planeta.
Por intermédio de Peter Asher (irmão de sua namorada, Jane Asher, e metade do duo Peter & Gordon), Paul McCartney conheceu o mexicano John Dunbar, formado em artes em Cambridge, fanático por jazz radical, Duchamp, Beethoven e literatura beat.
Em fevereiro de 1966, Peter Asher e John Dunbar uniram forças com o livreiro Barry Miles e fundaram a Indica Bookshop & Gallery. Foi lá que Lennon comprou o Livro Tibetano dos Mortos, que o inspirou a compor Tomorrow Never Knows e, algum tempo depois, conheceu Yoko Ono. E foi lá que Miles apresentou o marchand Robert Fraser a Paul McCartney.
Fraser era gay, heroinômano, aristocrático e rico de nascença - seu pai mexia com o mercado financeiro e era conselheiro da Tate Gallery. Paul o considera até hoje sua maior influência artística formativa. Com ele, comprou quadros, foi a instalações, viajou para assistir a concertos de música erudita e experimentou drogas variadas.
Quando os Beatles começaram a pensar na capa do álbum que gravavam havia quatro longos meses em clima de total mistério, foi inevitável que Fraser estivesse envolvido.
A idéia básica por trás de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band era a de que os Beatles interpretassem a tal banda do sargento Pepper como seu alter ego hippie.
Paul chamou Robert Fraser e explicou que, para a imagem de capa, imaginava o tal grupo - os Beatles em uniformes de banda militar coloridos acetinados - em uma sala forrada com fotos de seus ídolos.
Outras idéias transportavam os quatro bigodudos de Liverpool para uma imaginária pracinha de cidade do interior, em algum evento com o prefeito adornado com arranjos florais e coisas do tipo.
Fraser sugeriu que, pelo tom nostálgico da coisa e pela enormidade de elementos populares, o homem certo para realizá-la seria Peter Blake.
Blake era um inglês de Kent, famoso pelos quadros repletos de colagens que misturavam peças de memorabilia, pin-ups, capas de disco, brinquedos fora de moda, fotografias triviais e molduras insuspeitas.
Estudou arte folclórica, lecionou em várias universidades inglesas e morou por algum tempo nos Estados Unidos, quando desenhou para o jornal Sunday Times. Já era um nome de ponta da pop art britânica.
A partir da idéia de Paul, imaginou a bandinha de metais entre um grande arranjo de flores em que se lê BEATLES, sendo laureada por uma multidão de celebridades vindas de recordações mais ou menos desconexas dos músicos - James Dean, Dylan Thomas, Karl Marx, Fred Asteire, Aleister Crowley, Edgard Allan Poe, Oscar Wilde, Tony Curtis, Paramahansa Yogananda e outros gurus de George Harrison, entre outros.
O ex-fotógrafo da Vogue Michael Cooper foi indicado por Fraser (seu amigo do circuito gay inglês, com quem abrira um estúdio no bairro de Chelsea) para clicar a instalação de Blake.
A idéia original, de uma imagem ao ar livre, acabou substituída pelo maior conforto que o estúdio de Cooper oferecia. Para acomodar tanta informação visual, os Beatles solicitaram à EMI uma capa dupla.
Blake cuidou de um encarte com diversas imagens e insígnias para recortar. Era um autêntico projeto de pop art.
Foi também o início de uma era de extravagâncias no rock. Uma capa, geralmente gerida pelo próprio departamento de arte das gravadoras, custava em torno de 25 ou 50 libras.
Em Sgt. Pepper, só a direção de arte de Robert Fraser somada ao cachê de Michael Cooper custaram 1,5 mil libras. Peter Blake levou 200, mas entrou com um processo décadas depois pedindo reavaliação do valor.
Os direitos de uso das fotografias das celebridades também passaram das mil libras.
O disco foi lançado em 10 de junho de 1967, vendeu 10 milhões de cópias e se tornou imediatamente um marco na cultura ocidental.
Se Peter Blake (que foi transforado em sir em 2002) não recebeu nem mais um tostão de direitos, sua obra mais famosa lhe garantiu um belo lugar na história da música e das artes.
E isso, como diz o outro, não tem preço.
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