Desde que surgiu, há mais de 35 anos, o punk pode ter se transformado, mas sempre esteve ao nosso lado. E, mais do que pela música, especialmente pela atitude e pelo visual.
Olhe para a capa do primeiro álbum dos Ramones. Assim como a música do quarteto de Nova York, o trabalho de arte do disco não tem nada de sofisticado ou elaborado.
Quatro caras desajeitados com as costas na parede tentando parecer cool.
Qualquer mané que está começando e tem uma banda de garagem imita essa pose clássica.
Os tijolos irregulares, a parede pichada, tudo virou clichê, mas começou aqui, em meados de 1975 - sim, meu amigo, há mais de três décadas, e os caras eram Joey, Dee Dee, Johnny e Tommy Ramone.
Foi uma foto simples, tirada em preto e branco e que não levou muito tempo para ser feita.
Anos depois, o empresário Danny Fields comentou esse momento histórico: “A gente já tinha tudo pronto, então o disco era como uma declaração de intenções. A foto da capa foi a mesma coisa. Foi só colocá-los no beco atrás do CBGB e certificar-se de que estavam no foco. Eles já tinham inventado a si próprios”.
Foi fácil mesmo, já que a banda e a pessoa que a clicou eram bastante amigas.
Eles tinham se conhecido no clube CBGB, onde os Ramones haviam descolado um espaço como uma das "bandas da casa". Com isso, veio um contrato com a Sire.
A história dos bastidores do primeiro álbum dos Ramones é também a improvável saga da fotógrafa Roberta Bayley. Ela foi uma das mais importantes figuras a forjar a estética punk.
Durante os anos 70, Roberta e sua câmera estiveram presentes em momentos emblemáticos da música daquela década. Ela trabalhou na Inglaterra com Malcolm Mclaren, tomou conta da portaria do CBGB e colaborou no antológico fanzine Punk, de John Holmstrom.
Em frente de suas lentes também passaram Blondie, New York Dolls, Iggy Pop, Heartbreakers, Television, Sex Pistols, Richard Hell (com quem morou por algum tempo) e muitos outros.
Mais do que ninguém, Roberta teve chance de observar os Ramones em seu habitat e no apogeu de sua criatividade. Ela sabe de muita coisa que se escondia por trás das jaquetas de couro e dos óculos escuros. Ainda assim, a resolução da capa foi coisa dela.
Alguns arranjos foram feitos. Apesar de Joey ser o vocalista e líder não declarado, ninguém queria que ele se sobressaísse muito em relação aos outros, tarefa um tanto difícil se levarmos em conta a altura do cara.
Aos poucos, Roberta foi posicionando os amigos como peças de xadrez que tinham que se encaixar de maneira impecável.
Da esquerda para direita a coisa ficou assim: Johnny, como sempre desafiador e confiante, coloca a mão no bolso e encara a lente.
Preste atenção na pose do baixinho Tommy. Para que ele não ficasse muito abaixo dos outros, Roberta pediu que ele subisse na muretinha da parede.
Joey, por outro lado, está ligeiramente inclinado para não parecer gigantesco em relação aos colegas.
À direita, Dee Dee, tenso, com ar de que não vê a hora de acabar com aquilo.
A sessão de Roberta gerou mais frutos. Um outtake da foto foi usado pela gravadora Sire com o intuito de promover o grupo nas revistas especializadas.
O anúncio dizia: “Os Ramones são tão punky (sic) que vocês vão ter de reagir”.
A pose era mais engraçada do que a oficial. Johnny faz cara de bobo, Tommy tenta segurar o riso, Joey cinicamente mostra os dentes e Dee Dee continua querendo dar no pé.
Embaixo da foto, opiniões de publicações como o New Musical Express, Village Voice, Circus Magazine e Hit Parader.
No pé da página, a frase: “A música deles varreu o beco... agora vai varrer o país!”
A opinião de Charles Shaar Murray, do NME, acerta na mosca: “Eles são tão engraçados que parecem ter saído de alguma história em quadrinhos. São tão coesos e poderosos que vão encantar aqueles que se apaixonam pelo verdadeiro rock’n’roll.”
O tempo passou, os Ramones viraram ícones pop e ficaram grandes demais para a vizinhança do CBGB. Foi natural um certo distanciamento. Mas o carinho permaneceu.
Quando Dee Dee Ramone morreu de overdose, em junho de 2002, Roberta relembrou o velho amigo.
Segundo a fotógrafa, ele era ao mesmo tempo charmoso e enervante.
Um indivíduo único e criativo, que parecia uma criança em seu desejo de chocar e agradar ao mesmo tempo.
Obviamente, Roberta ficou mais chegada do sempre simpático e acessível Joey Ramone.
Em um tributo ao falecido cantor, ela lembrou que uma vez levou o sobrinho menor de idade ao CBGB, prometendo ao gerente que deixaria o moleque longe do álcool.
Quando o conduziu para conhecer Joey, a primeira coisa que o Ramone fez foi levar o garoto ao banheiro e arranjar-lhe uma cerveja.
Outro nome importante na saga do quarteto aparece nesse primeiro disco: Arturo Vega. O artista foi responsável pelo desenvolvimento visual da banda.
Na contracapa, havia uma imagem de uma típica águia americana, segurando um taco de beisebol como um porrete - e aquilo virou o distintivo Ramone por excelência.
Vega era amigão dos caras e sua casa foi o “ponto Ramones”. Era um mistura de armazém e quartel-general e muitas entrevistas e sessões de fotos foram realizadas lá.
Quando o álbum saiu, no começo de 1976, não dá para dizer realmente que o mundo virou de pernas para o ar. Ramones chegou à modesta 111ª posição da Billboard.
Mas muita gente se inspirou naquelas canções curtas e incendiárias criadas por aqueles quatro personagens do subúrbio nova-iorquino.
Incluindo todo mundo que se disse punk nos anos seguintes.
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