O clássico London Calling, do The Clash, vai virar filme: Mick Jones e Paul Simonon, integrantes remanescentes da banda, estão trabalhando em cima do making-of do disco de 1979 para contar sua história e retratar a participação de Guy Stevens na produção de um dos álbuns mais famosos do punk-rock.
Ainda sem nome, o filme terá roteiro escrito por Jez Butterworth (A Última Legião e Jogo de Poder) e a produção fica por conta de Paul Trijbits e Alison Owen, mãe da cantora Lily Allen. As gravações começarão no ano que vem e o elenco ainda não foi escolhido.
Joe Strummer, frontman da banda que faleceu em 2002, também ganhará uma cinebiografia: Joe Public, que está sendo escrito por Paul Viragh, não tem cronograma definido.
Preocupações políticas e musicais não eram as únicas coisas que importavam para a única banda que importava naqueles anos fluviais.
O The Clash sempre teve consciência do valor do impacto visual no rock.
Afinal de contas, estilo era o motor do punk inglês e, ainda que a banda não fosse espalhafatosa e provocadora como os Sex Pistols, o Clash cuidava de detalhes como signos, bottons, chapéus, cintos e cabelos besuntados com brilhantina desde suas primeiras fotos publicitárias.
O assalto estético propagado pelo punk era fundamental no plano de dominação que a banda pretendia aplicar nos Estados Unidos.
Antes de London Calling, havia a fúria punk de The Clash (1977), cuja selvageria tratava da recessão econômica e do caos social que atacava Londres.
O som de rock clássico de Give’em Enough Rope (1978) tampouco foi suficiente para conquistar o público americano - entrou na modestíssima posição 128 da parada em abril de 1979 - e a CBS franzia a testa preocupada com o poder de alcance de sua aposta, cujo contrato estipulara cifras inéditas para o mundo punk.
O primeiro sinal de que as correntes do estilo e a barreira americana poderiam ser rompidas veio em junho de 1978 com o reggae-dub White Man in Hammersmith Palais.
Ao menos os integrantes do Clash acreditavam firmemente em sua internacionalização.
Em sua primeira turnê americana, Pearl Harbor’79, no início daquele ano, o The Clash escolheu nomes como Sam & Dave, Bo Diddley e Screamin’ Jay Hawkins para a abertura de seus shows, tática do tipo política da boa vizinhança, mas que também revelava o fascínio pelas raízes e pelas legendas do rock’n’roll que apareceria em London Calling.
No segundo giro pelos Estados Unidos, no mesmo ano, o The Clash embarcou da Inglaterra ao lado da fotógrafa Pennie Smith e do designer Ray Lowry, para documentar as apresentações e, depois, criar a arte do próximo disco.
Estudante da Twickenham Art School no fim da década de 60, Smith não gostava particularmente de fotografia ou de rock quando foi chamada para colaborar (de graça) na revista alternativa Frendz.
Aliás, era completamente alheia ao rock da época até conhecer o jornalista Nick Kent, que a levou para a publicação New Musical Express.
Nesse semanário, fez várias capas, incluindo a da turnê do Led Zeppelin de 1973, e ficou amiga do futuro companheiro de viagem Lowry.
A foto que se tornou uma das capas de disco mais conhecidas da música pop foi tirada durante uma apresentação do The Clash no Palladium Theater, em Nova York, no dia 21 de setembro.
O show transcorria bem (na concepção punk do termo), mas o baixista Paul Simonon irritava-se cada vez mais, possivelmente por causa do som de seu instrumento que ouvia pelas caixas de retorno.
Smith percebeu a ira do baixista e passou a acompanhar seus movimentos.
Foi então que, com fumaça saindo pelas ventas, Simonon ergueu o contrabaixo acima da cabeça e o arremessou para baixo, espatifando-o contra o chão.
Próxima da cena, Smith não temeu ser atingida por um naco do instrumento e clicou.
Confiante de que conseguira uma boa foto, ela revelou o filme, mas decepcionou-se em seguida: a imagem de Simonon não tinha foco.
Joe Strummer, contudo, afirmou categoricamente que aquela seria a capa do disco, não arredando pé nem mesmo diante dos argumentos técnicos da fotógrafa.
Depois de ampliada, Smith percebeu que realmente tinha registrado uma imagem poderosa.
A superação da crise de identidade, o rompimento com as limitações sonoras e estéticas, a gana em abrir outras portas para o rock e um novo mercado para si próprio - o Clash tinha nas mãos um instantâneo que espelhava as mudanças detonadas com London Calling.
No departamento de arte da gravadora CBS, em Londres, Ray Lowry utilizou a mesma tipografia do disco de estréia de Elvis Presley, em verde e rosa, com a idéia de que London Calling tornava o rock novamente perigoso, como ele havia sido em meados dos anos 50.
Strummer e Mick Jones, os líderes da banda, ganharam espaço somente na contracapa, mas não reclamaram.
Quem sempre se lamentava ao ver a arte gráfica do disco era o próprio Paul Simonon. "Devia ter usado um baixo reserva. O que destruí era muito bom!"
London Calling expandia não somente o som do Clash para o reggae, o rockabilly, o jazz e o R&B como também levava fisicamente o grupo para a América e seu caos de informações e misturas culturais.
O título puxava os holofotes do mundo pop de volta para a capital inglesa, só para ganhar as credenciais e pisar no solo americano.
Definitivamente, o Clash não estava mais entediado com os EUA, como cantara no disco de estréia.
Apesar de duplo, London Calling foi vendido a preço de LP simples e teve excelente aceitação nos EUA, chegando ao 27º posto da parada no início de 1980.
Por pouco não foi intitulado The New Testament, mas presunção tinha limite até para os ingleses.
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