Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
Pesquisar este blog
sexta-feira, março 23, 2012
Aula 10 do Curso Intensivo de Black Music: A legendária Atlantic Recording
Embora as influências da soul music pudessem ser sentidas em quase toda a produção musical da década de 60 (inclusive fora dos Estados Unidos, como pode ser percebido nas interpretações do inglês Robert Plant, vocalista do Led Zeppelin, e dos brasileiros Cassiano e Tim Maia), o berço do estilo (e celeiro de suas maiores estrelas) foi uma única gravadora situada na 75, Rockefeller Plaza, Nova York.
Depois de Abbey Road, em Londres, esse é provavelmente um dos endereços mais conhecidos no mundo da música popular.
Ele está inscrito nas capas e nas etiquetas dos LPs de 33 rpm da Atlantic Recording Corporation, empresa fundada em Washington, em 1947, por Ahmet Ertegun.
Filho de um diplomata turco, Ahmet morou na França e na Inglaterra antes de se mudar com a família para os EUA, em 1934.
Fanático por jazz e blues, fundou a Atlantic Records em outubro de 1947, mas os primeiros discos só saíram no ano seguinte.
Seu estilo “bon vivant” ajudou a aproximá-lo de muitos artistas e músicos, incluindo brasileiros como o poeta Vinicius de Moraes, o compositor Tom Jobim e o jazzófilo Jorginho Guinle.
Seu irmão Nesuhi, cinco anos mais velho, também era um garoto bastante precoce, fissurado por literatura e arte moderna.
Quando viveu em Paris, cursando a Sorbonne, Nesuhi costumava sair com artistas de vanguarda, como André Breton, o papa do surrealismo, e Darius Milhaud.
Ele também adorava jazz.
Quando os dois irmãos moravam em Londres, Nesuhi levava Ahmet para assistir às big bands de Cab Calloway e Duke Ellington.
Ahmet tinha oito anos e ficara fascinado com as roupas e os metais que eles tocavam.
Virou fã do jazz e, ao mudar para os EUA, também começou a colecionar discos.
Aos 17 anos, Ahmet Ertegun já tinha 25 mil discos.
Ele tinha 22 anos quando seu pai morreu e o resto da família voltou para a Turquia.
Ahmet ainda estava cursando a universidade e então decidiu começar a trabalhar.
Alguns amigos de seu pai até lhe ofereceram empregos, mas ele logo percebeu que o que queria mesmo era fazer discos, especialmente os voltados para o público negro.
Começou produzindo algumas sessões de gravação, com os selos Quality e Jubilee, mas nada aconteceu.
Seu maior problema era a falta de capital para transformar o negócio em algo mais sério.
Ahmet tinha alguns amigos ricos, mas nenhum deles quis apostar em um jovem que jamais trabalhara antes.
Lionel Hampton, grande amigo seu, chegou a se interessar.
Os dois decidiram fundar a Hampton Records, mas a mulher dele vetou: “você está louco? Só porque freqüenta botequins com esse garoto, vai jogar dinheiro fora com uma idéia tão idiota?”
Finalmente, Ahmet convenceu seu dentista a investir no negócio.
“Ele gostava de jogar e era meio maluco. Ele me deu US$ 10 mil. Os dentistas são conhecidos por investir mal seu dinheiro”, relembrou o empresário, numa entrevista para a revista Billboard.
Os primeiros discos foram lançados em 1948.
E pouco importa se a empresa mudou para outro endereço.
Cercado por um glorioso status de selo independente, atualmente integrado ao grupo WEA, a marca registrada continua sendo o 75, Rockefeller Plaza.
Nos anos 50, 60 e 70, a companhia refletia as evoluções musicais – e às vezes sociológicas – dos Estados Unidos.
Graças a seus fundadores e produtores, engenheiros de som e colaboradores diversos, a Atlantic praticamente não perdeu nenhuma corrente do blues, rhythm & blues ou jazz antes de acompanhar o percurso dos grandes nomes do rock.
Apenas a música country ficou ausente por um longo período de um catálogo que havia feito do ecletismo sua regra.
Um gênero que Ahmet e Nesuhi Ertegun não apreciavam nem compreendiam totalmente.
Os homens que construíram o som, a imagem e a especificidade da Atlantic se chamavam Jerry Wexler, Tom Dowd, Jerry Leiber e Mike Stoller, quase todos autores de sucessos eternos, Arif Mardin, Phil Spector (antes de voar com suas próprias asas como gênio do som), David Geffen e Joel Dorn.
Sob a batuta de Nesuhi e Ahmet Ertegun, eles ficaram por trás dos controles dos gravadores, foram a campo, garimparam novos talentos e mostraram a algumas de suas estrelas qual caminho tomar (de agradável vocalista de jazz, Aretha Franklin se tornou referência máxima como cantora de soul).
Eles compuseram e fizeram arranjos de canções que conquistaram o público e o mundo.
Ahmet Ertegun, que nunca aprendeu a ler nem escrever partituras, assobiava ele mesmo, em frente aos gravadores, as músicas que escutava nos anos 50 e que deram a base para os compositores e letristas.
O gosto de Ahmet Ertegun pelas vozes e o de Nesuhi pelos solistas de jazz foi o que permitiu aos músicos negros norte-americanos coexistirem sob a mesma sigla: Solomon Burke, Percy Sledge, The Coasters, Ray Charles, Aretha Franklin, Otis Redding, Roberta Flack, Wilson Pickett...
Todos, em plena ascensão e no melhor de suas carreiras, produziram pela Atlantic a quintessência do soul.
O Modern Jazz Quartet, Charles Mingus, John Coltrane, Roland Kirk, Ornette Coleman fizeram mais do que passar pela Atlantic: gravaram ali algumas de suas obras-primas.
Eddie Harris, Art Blakey com Thelonius Monk, Duke Ellington, Lennie Tristano, Jimmy Giuffre, Keith Jarret, Art Ensemble of Chicago e Gil Evans completam o premiado time de jazz da gravadora.
Led Zeppelin e Rolling Stones permitiram que a Atlantic dominasse a cena do rock mundial durante os anos 70.
Os dois grupos são de origem inglesa, mas a América os considera como seus.
O quarteto de country rock Crosby, Stills, Nash & Young deu uma voz melodiosa à contestação doce dos anos hippies.
Os australianos do AC/DC fizeram soar o sino pesado do heavy metal.
É claro que há alguns vazios em cada um dos gêneros de atuação da Atlantic.
Miles Davis nunca fez parte da casa, nem James Brown ou Elvis Presley – nem mesmo os Beatles.
Ahmet Ertegun sempre lamentou isso.
Mas ele diz que, gentilmente, quis deixar um pouco para as gravadoras concorrentes...
Foi o vice-presidente da Atlantic, Jerry Wexter – com a anuência de Nesuhi e Ahmet, claro –, quem arregimentou uma legião de músicos negros, estabelecendo alianças comerciais com diversas gravadoras e selos independentes de todo o país, notadamente a Stax, de Memphis, Tennessee, e a Fame, de Muscle Shoals, Alabama.
Jerry Wexler foi responsável por produzir a maioria dos trabalhos de inúmeros artistas emergentes com sua orientação personalíssima, o que redundaria no estilo chamado soul.
Embora houvesse a ferrenha concorrência de outra gigante da indústria da música negra – a Motown, de Detroit, Michigan – o fulgurante sucesso experimentado pela Atlantic, desde 1961, só seria obscurecido em 1974, quando a companhia deixou de existir.
A empresa foi vendida para a Warner Brothers em 1968, no mesmo ano em que foi rompida a aliança com a Stax, mas a marca “Atlantic” continuou a constar nos discos, e as vendas daquele ano foram superiores às da Motown.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário