Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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quinta-feira, março 22, 2012
Aula 4 do Curso Intensivo de Black Music: Soul
Ao aderir às guitarras elétricas e acelerar seu ritmo, o blues sofreu um verdadeiro choque.
Para muitos, o rhythm & blues assinava o atestado de óbito da tradição dos bluesmen do Delta do Mississipi.
O escritor negro LeRoi Jones (que depois adotaria o nome de guerra de Amiri Baraka), via no rhythm & blues um anátema para a classe média negra, um tipo de frenesi e vulgaridade que nunca tinham estado presentes nas formas mais antigas do blues:
“De repente, era como se uma grande parte da fachada humanista euro-americana adotada pela música afro-americana tivesse sido lavada ou eliminada pela guerra. Os cantores de rhythm & blues tinham literalmente de berrar para se fazer ouvir acima dos sons de diversos instrumentos eletrificados e das ruidosas seções rítmicas. De certo modo, quanto mais alto o acompanhamento instrumental e mais gritado o canto, mais expressiva parecia a música. O blues sempre fora música vocal – e devemos admitir que o acompanhamento instrumental do rhythm & blues ainda seguia aquela tradição vocal –, mas agora a voz humana tinha de lutar, de gritar para ser ouvida.”
O veterano bluesman John Lee Hooker via a questão por outro ângulo: “para os garotos negros comuns, parece que o blues é um constrangimento. Acho que eles gostam de blues, mas sentem um certo embaraço porque seus avós foram criados na escravidão. Eles gostam, mas acham que nos dias modernos não deviam mais ouvir esta música – é como se ela os puxasse para trás no tempo”.
Na verdade, o que aconteceu no pós-guerra foi que os negros da América urbana passaram a nutrir os mesmos sonhos de consumo da classe média branca.
Afinal, isso estava até embutido na idéia da democracia e na luta pelos direitos civis.
Não por acaso, o ano em que estourou o rock’n’roll, 1954, foi o mesmo em que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos adotou a decisão histórica de proibir a segregação racial nas escolas públicas.
A partir de 1954, o rock nascente (“rockabilly”) dos brancos começou a competir com um tipo mais suave de música vocal negra, tipificada por sucessos como “Crying In The Chapel”, dos Orioles, e “Only You”, dos The Platters.
Surgia o estilo de riffs vocais chamado onomatopaicamente de “doo-wop” (o roqueiro iconoclasta Frank Zappa gravaria em 1967 uma bem-humorada paródia de doo-wop no LP “Cruising With Ruben And The Jets”, não escondendo uma certa afeição pelo gênero).
O rockabilly teve o seu apogeu entre 1956 e 1960.
Surgiu então uma série de novas danças e novos ritmos de inspiração negra.
Henry Belafonte introduziu o calypso caribenho, Chubby Checker fez todo mundo se sacudir ao ritmo do twist – e quem não se lembra do jerk, do madison, do watusi ou do hully-gully?
O território estava aberto para a invasão da soul music e ela foi concebida e lançada virtualmente como um produto industrial.
A pergunta “O que é soul?”, foi feita pelo cantor Ben E. King no início de um de seus hits dos anos 60, antes do músico dar sua própria explicação: “Soul é algo profundo, do interior.”
Ele se referia à alma, mas o soul vinha mesmo do interior sulista.
Grande parte de seus intérpretes não passava de caipiras.
Nas rádios de suas cidadezinhas não tocava sequer o blues negro.
Apenas country.
A outra influência que podiam ter era a música das igrejas, os spirituals e o gospel.
Quando o rhythm and blues recebeu doses maciças de country e gospel, nasceu o soul, cujo nome, “alma” em inglês, deriva da devoção religiosa de seus primeiros artistas.
Apesar disso, a música era considerada pecaminosa, porque usava fervor religioso para falar de amor carnal.
Consta que uma vocalista saiu chorando de uma sessão de Ray Charles, recusando-se a cantar uma das músicas por ser religiosa.
O cantor Bobby Bland dizia que o blues e o gospel são a mesma coisa: basta cantar “baby” num e “Lord” no outro...
Ray Charles fez o que é considerado o primeiro soul em 1954.
A música “I Got A Woman” nada mais era do que a adaptação de um gospel tradicional com uma letra profana.
A gravação transformou o gospel em rhythm & blues vitaminado e influenciou toda uma geração.
Frank Sinatra chamou seu autor de “o único gênio no show business” e o apelido colou.
Como “gênio”, ele gravou vários álbuns, entre eles “The Genious Of Ray Charles” e “Genius Hits The Road”.
É impossível dissociar o soul da gravadora Atlantic e, em particular, do empresário e produtor Jerry Wexler.
Até a gravação de Ray Charles pela Atlantic, o rhythm & blues nada mais era do que uma variação acelerada do blues, voltada para a comunidade negra e com pouco impacto fora dela.
Foi Jerry Wexler, na época em que não passava de um simples repórter de música, quem inventou o termo rhythm & blues, em 1949, para substituir nas paradas da Billboard o termo racista intitulado “race music”.
Jerry Wexler foi contratado como vice-presidente da gravadora por Ahmet Ertegun, filho do embaixador da Turquia nos EUA, que tinha 24 anos quando fundou a Atlantic em 1947.
Foi Wexler quem, a partir de 1953, incentivou Ray Charles a mudar de estilo, fechou contrato de distribuição com a Stax, levou Aretha Franklin e Wilson Pickett para os estúdios do sul, enfim, quem transformou o soul em uma vertente musical rentável.
Nos seus primórdios, o soul mostrou-se um negócio extremamente lucrativo, que colocou em oposição, pela conquista do mercado consumidor negro, as duas escolas mais prolíficas desse estilo.
De um lado do campo, a gravadora Atlantic, de Nova York, que tinha a Stax, de Memphis, no sul dos EUA, como uma de suas subsidiárias.
Do outro lado, a Motown, gravadora instalada em Detroit, cidade ao norte do país.
Em vez de didatismo barato, indicar cidades e regiões dos EUA que abrigaram Stax e Motown é importante para entender a formação das duas correntes principais do soul.
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