Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
Pesquisar este blog
sexta-feira, março 02, 2012
Da série todo mundo curtiu isso: Jambalaya (On the Bayou)
Por Virgilio Freire
Numa tarde de verão, há alguns anos atrás, eu estava de férias e aluguei um carro em Miami.
Dirigimos até New Orleans, na Louisiana.
Quando estávamos chegando perto de New Orleans, o rádio do carro ligado, de repente, começou a tocar um tipo de música diferente, parecido com o country americano, mas um pouco diferenciado.
E mais surpreso fiquei quando o locutor começou a falar – em francês.
Em pleno Sul dos Estados Unidos, uma rádio em francês!
Achei incrível aquilo e fui me informar mais a respeito.
Descobri que a Louisiana é o único Estado nos EUA que não adota a jurisprudência inglesa e sim as leis napoleônicas, que é um estado bilíngue, onde se fala inglês e francês, e que os descendentes dos franceses se chamam “Cajun”.
No mapa abaixo você vê a área de cultura Cajun no Estado da Louisiana.
Tudo começou em 1604 quando os franceses fundaram uma colônia chamada Acádia, no Canada, na região onde hoje se encontram as províncias de Nova Escócia, New Brunswick e Ilha do Príncipe Edward.
Primeira colônia a ser estabelecida pela França na América do Norte, ela ficava em Port-Royal, em uma pequena ilha chamada Ile-Ste. Croix.
Durante o século 17, cerca de sessenta famílias francesas se estabeleceram em Acádia.
Os colonos estabeleceram relações amistosas com os índios Mi'kmaq, utilizando as técnicas de pesca e caca dos índios.
Entre os anos 1756 a 1763, a Europa foi envolvida na Guerra dos Sete Anos, em que de um lado ficaram a Inglaterra, a Prússia, Portugal e a Irlanda, contra a França, Rússia, Suécia, Saxônia e a Espanha.
No dia 12 de Setembro de 1759, o general inglês James Wolfe cruzou suas tropas através do rio St. Lawrence, no Canadá, em frente à cidade francesa de Quebec, e enfrentou as tropas francesas na Planície de Abraham, no que ficou conhecido como a Batalha das Planícies de Abraham.
Os franceses eram comandados por Louis-Joseph, Marques de Montcalm.
Os dois comandantes morreram na batalha, mas os ingleses foram vencedores, e tomaram Quebec.
Em menos de quatro anos, os franceses haviam perdido para os ingleses todos os territórios que haviam colonizado no Canadá.
No tratado de Utrecht, em 1713, a França cedeu grande parte da Acádia, onde hoje está a Nova Escócia, aos ingleses.
Em 1754, o governo britânico exigiu que todos os cidadãos acadianos prestassem um juramento de fidelidade à coroa britânica, o que implicava em serviço militar no exercito inglês.
Os acadianos se negaram, ate porque isso comprometeria sua fé católica, já que a Inglaterra era anglicana e protestante.
O coronel Charles Lawrence então ordenou a deportação em massa dos acadianos.
Segundo o historiador contemporâneo John Mack Faragher, os ingleses fizeram o que atualmente chamamos de “limpeza étnica” na Acádia.
Cerca de 14.000 acadianos foram deportados, no que ficou conhecido como “A Grande Expulsão” (Le Grand Derangement).
Suas casas foram queimadas, suas terras confiscadas.
Famílias foram separadas, e os acadianos dispersados por todas as terras britânicas na América do Norte.
Gradualmente, alguns conseguiram emigrar para a Louisiana onde mantiveram o nome de “Acadiens” que os ingleses e norte-americanos pronunciavam como “Akeidians”.
Dessa palavra veio a abreviatura “Keijum” ou, na grafia atual, “ Cajun”.
Os Cajun da Louisiana guardam ate hoje suas raízes, sua cultura francesa, a língua, a música, a religião católica, o hábito de famílias grandes.
Em 2003, a pedido dos representantes acadianos, o governo do Canadá emitiu uma proclamação reconhecendo a deportação e estabelecendo o dia 28 de julho como data de comemoração e reconhecimento do fato.
Em 1803, a presença francesa na América do Norte foi definitivamente extinta, com a venda do território da Louisiana (muito maior do que o atual estado da Louisiana. Estendia-se desde o Canadá até New Orleans.).
Até esta data, apesar de haverem perdido suas colônias no Canadá, os franceses ainda tinham cerca de 23% do que é hoje o território dos Estados Unidos.
Napoleão Bonaparte aceitou uma oferta do presidente Thomas Jefferson e vendeu por apenas 23 milhões de dólares em valor atual todo o território da Louisiana.
A área total vendida foi de 2,1 milhões de quilômetros quadrados.
Para se ter uma idéia da extensão da área comprada pelos Estados Unidos, nela estão hoje os Estados de Arkansas, Missouri, Iowa, Oklahoma, Kansas, Nebraska e parte de Minnesota, grande parte de Dakota do Norte, quase todo o Estado de South Dakota, o noroeste do Novo Mexico, o norte do Texas, e partes de Montana, Wyoming e Colorado, e, claro, o Estado de Louisiana, incluindo a bela cidade francesa de New Orleans.
O mapa abaixo mostra a área comprada pelos Estados Unidos.
Com isso, os Cajun se tornaram cidadãos americanos, mas de novo mantiveram sua cultura, sua identidade e sua língua.
A cozinha Cajun é completamente diferente da americana, bastante apimentada, e inclui muitos frutos do mar.
Um dos pratos mais típicos é exatamente a Jambalaya, uma caldeirada de frutos do mar, cuja receita você tem abaixo.
A Jambalaya é preparada em uma grande panela onde vão frango, linguiça (andouille ou defumada), legumes, arroz, tomates, peixes, crustáceos e a santíssima trindade (cebola, salsa e pimenta verde) de todos os pratos Cajun.
Deixa-se ferver por cerca de 20 a 60 minutos, dependendo da receita.
Depois é coberta e abafada por pelo menos meia hora.
Outros pratos típicos Cajun são o Fillet Gumbo e o Etoufée, que também levam crawfish, lagosta e camarão.
Às vezes usa-se carne de jacaré (“alligator”), que é um animal presente nos pântanos da Louisiana, os “Bayous”.
Jambalaya (On the Bayou) – Letra Original
Goodbye, Joe, me gotta go, me oh my oh.
Me gotta go, pole the pirogue down the bayou.
My Yvonne, the sweetest one, me oh my oh.
Son of a gun, we'll have big fun on the bayou.
Jambalaya and a crawfish pie and fillet gumbo
'cause tonight I'm gonna see my ma cher amio.
Pick guitar, fill fruit jar and be gayo,
son of a gun, we'll have big fun on the bayou.
Thibodaux, Fontaineaux, the place is buzzin',
kinfolk come to see Yvonne by the dozen.
Dress in style and go hog wild, me oh my oh.
Son of a gun, we'll have big fun on the bayou.
Jambalaya and a crawfish pie and fillet gumbo
'cause tonight I'm gonna see my ma cher amio.
Pick guitar, fill fruit jar and be gayo,
son of a gun, we'll have big fun on the bayou.
Settle down far from town, get me a pirogue
and I'll catch all the fish in the bayou.
Swap my mon to buy Yvonne what she need-o.
Son of a gun, we'll have big fun on the bayou.
Jambalaya and a crawfish pie and fillet gumbo
'cause tonight I'm gonna see my ma cher amio.
Pick guitar, fill fruit jar and be gayo,
son of a gun, we'll have big fun on the bayou.
Jambalaya (On the Bayou) – Letra Traduzida
Vou embora, Joe, tenho que ir, me oh my oh
Tenho de ir, amarrar a canoa no bayou
(Bayous são mangues da Luisiana, os alagados, onde o transporte é por canoa ou em botes com imensas hélices em cima)
Minha Ivone, a mais doce, me oh my oh.
Companheiro, vamos nos divertir muito no bayou
Thibodaux, Fontaineaux, tá tudo agitado
(Observe os nomes franceses dos povoados)
O povo vem ver Ivone às dúzias
Se arrume todo, se solte todo, me oh my oh
Companheiro, vamos nos soltar e nos divertir no bayou
Jambalaya e torta de lagosta e Fillet gumbo
(filé de peixe preparado com o tempero gumbo, à base de pimenta caiena, da Luisiana)
Pois hoje à noite eu vou ver “ma cher amio”
(francês = minha querida amiga)
Pegue a guitarra, encha a jarra de ponche e fique alegre
Companheiro, vamos nos divertir no bayou
Se acomode longe da cidade, pegue uma canoa
(pirogue, em francês)
E vamos apanhar todo o peixe do bayou
Vou gastar meu dinheiro (mon) para comprar para Ivone tudo que ela precisa
Companheiro, vamos nos divertir no bayou
Jambalaya e uma torta de lagosta e fillet gumbo
Pois hoje à noite vou ver minha querida amiga
(ma cher amio)
Pegue a guitarra, encha a jarra de ponche e se alegre
NOTA DO EDITOR DO MOCÓ
Finalmente descobri uma explicação lógica para o fato de minha ex-mulher Jane Jatobá, professora de francês na Ufam (depois de mestrado, ela agora está fazendo doutorado em língua francesa, te mete!) ser capaz de fazer a melhor Jambalaya da cidade: é culinária francesa, ora bolas!
Que eu me lembre, lhe falei uma única vez, superficialmente, sobre essa espécie de risoto criollo, ela foi pra cozinha e duas horas depois nos serviu (a mim e a Tayra) a melhor Jambalaya do universo.
Caceta, Janão, mas lendo esse texto do Vírgilo bateu uma saudade miserável daquele prato.
Qualquer dia desses, vou aí em Iranduba só pra comer a sua deliciosa Jambalaya – sem duplo sentido, please!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário