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sexta-feira, março 23, 2012

Aula 13 do Curso Intensivo de Black Music: Maxwell


Desvinculada de suas conotações políticas e religiosas, no entanto, e tratada simplesmente como uma vertente artística específica, a soul music sobrevive até hoje.

O legado do soul mostrou-se riquíssimo.

Sua melodia e mistura de estilos inspiraram o ska e o reggae jamaicano.

Os vocais falados, em tom de pregação, serviram de esboço para o rap moderno.

Com batidas eletrônicas e sintetizadores, o soul experimentou um revival nos anos 90, através de Erykah Badu e Maxwell, entre outros.

Maxwell lançou seu segundo CD, “Embrya”, em 98 e trouxe o soul de volta à mídia.

Alguns passos nesse sentido tinham sido ensaiados por D’Angelo e Tony Rich.

Mas Maxwell tinha o cabelo afro, as roupas de brechó e o sex-appeal de um black em filme de Quentin Tarantino.

Segundo a revista Rolling Stone, ele lançou “uma definição do soulman elegante”.

Por default, tornou-se referencial único.

O álbum confirmou o distanciamento de Maxwell dos últimos desdobramentos do rhythm & blues americano.

Soava como se Bobby Brown nunca tivesse feito sucesso.

Evocava uma época, nos anos 80, anterior ao surgimento do new jack swing, hip hop soul e demais derivações com batidas programadas – aqui no Brasil, tudo isso recebe o nome de charme.

“Embrya” era rhythm & blues com instrumentos convencionais.

Retrô e chique.

A ironia de toda reciclagem é classificar uma volta ao passado como algo novo.

Mas nem isso: a primazia da volta ao soul não cabe a Maxwell ou a seus colegas americanos.

Há alguns anos, bandas inglesas têm gravado o mesmo tipo de groove lento presente nos álbuns do cantor.

A diferença é que chamavam as gravações de Jamiroquai, Incognito e Brand New Heavies de acid jazz.


De todo modo, o lançamento, em 96, de “Maxwell’s Urban Hang Suite”, o primeiro álbum do cantor, foi refrescante por romper com a chatice e a pasteurização de teclados dos produtores milionários do rhythm and blues.

O R&B, como o gênero costuma ser abreviado, nunca experimentou baixa de vendas nos EUA e, desde que adotou manhas do hip hop, coloca-se entre os estilos musicais mais populares do país.

Mas revistas pop como Spin e Rolling Stone ignoram solenemente essa fatia do mercado.

Nem todos os Grammies do mundo são suficientes para convencê-las que o R&B não é apenas “baba” romântica.

A mídia branca só abre espaço para os estilosos Maxwell, Erikah Badu e outros poucos que, por sinal, gravam com bandas.

Parte do destaque dado a esses artistas se deve à recusa da cultura roqueira em admitir que a música negra de bases eletrônicas tem méritos.

No fim das contas, 90% do pop refere-se a sexo e amor.

Maxwell não foge do clichê, apenas faz isso com instrumentos e leveza.

Ele segue a tendência básica de embaralhar sexo e religião, que, lá nos anos 60, fez do soul um gênero profano aos olhos dos cantores de gospel.

Para marcar diferença, ele se mostra um amante dedicado, mais interessado em comunhão do que numa sucessão de conquistas.

Sua luxúria aparece nos arranjos e não nas cantadas.

Há evolução em “Embrya”.

As melodias agora abraçam dub e gospel, sem afastar-se da linha de acordes suaves de teclados, sopros, guitarras com wah-wah (o efeito funky por excelência) e falsetes.

Mas a produção é certinha, tão redonda que contraria o conceito básico da música soul – rude, caipira, às vezes desafinada (como em “When A Man Loves A Woman”).

O único momento áspero do disco fica por conta de uma faixa instrumental.

Stuart Matthewman, produtor de três faixas, era membro da banda da cantora Sade.


A relação sonora entre Maxwell e a diva dos anos 80 é evidente nos arranjos e na interpretação.

Outra comparação plausível é Terence Trent D’Arby.

Não são cantores clássicos, mas figurantes de um estilo nobre, que não ganharam capítulos próprios.

Que fim levaram Sade e Terence Tent D’Arby?

Tornaram-se antiquados.

A vantagem de Maxwell reside no fato de sua música mexer com ambiência.

Após o cantor encerrar seu trabalho, ela ainda vibra por minutos notáveis, graças a instrumentistas competentes.

Assim, Maxwell encontra um meio-termo entre o erótico e o etéreo.

Sua imagem foi trabalhada no sentido de ressaltar esse sentimento difuso, por meio de fotos esfumaçadas e olhares chapados.

Há um efeito colateral.

O neo-soul profissional de Maxwell é glamouroso, mas sua delicadeza relaxa em vez de empolgar, o que faz de “Embrya” um disco indicado para backgrounds (música de fundo).

Bonito, cool, bem tocado, mas não deixa marcas na pele após ser descartado.

Ouvindo este e outros discos do gênero, resta-nos uma certeza: não há como comparar os atuais aspirantes a soulman com os lendários Otis Redding, Isaac Hayes e companhia.

Músicas doces e celestiais como as da Atlantic/Stax só mesmo em antologias nostálgicas.

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