Publicado no Jornal do
Brasil em janeiro de 1988 e retirado do Saite Millôr Online
Millôr Fernandes
Parte VI
TRECHO DO LIVRO: “I) O caminho do Brejal era longe. II)
Longe demais para ser contado em dias ou léguas. III) A distância dependia da
época das viagens: se era no Inverno, invernão de pingo grosso, seis meses de água
por todos os lados, não tinham (1) fim. IV) De comboio até longe, de longe em
canoa subindo o rio Itapicuru até a Laje Amarela, e de lá a cavalo até a ponta
da rua ou mais, se era amigo, e se não era, da ponta da rua ate à hospedaria do
mercado, falando mansinho, olhando de lado e de frente (2), até que se soubesse
a que vinha e donde”.
I) Frase já comentada.
II) Contado (é medido que ele quer dizer? Então em quê?
Anos-luz? Não, na frase III vê-se que o caminho do Brejal era longe como
qualquer caminho quando chove paca.
Por exemplo, do Clube Caiçaras ao Clube Piraquê, ali na
lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, são 900 metros.
Mas, se chover, eu levo duas horas (medidas!) pra atravessar
esse Brejal dos Tivolis.
Porém a distância entre um ponto e outro continua 900
metros.
Não dá pra dizer que o caminho do Caiçaras (ou do Piraquê) é
longe.
Esses tinham (1) aí é gênio! Não bate com caminho. Não bate
com distância. Se (só na cabeça neosemântica do autor!) bate com seis meses,
então tinham fim: 180 dias.
IV) Nesta frase, o autor assume uma posição nitidamente
exterior ao Brejal. Deve achar que o leitor sabe onde ele está. Não sabe. Eu
sei porque é evidente que a cabeça do autor só raciocina a partir de Pinheiros,
Maranhão, 24 de abril de 1930.
Ainda não saiu daí, nem no espaço nem no tempo.
De onde o autor está até o Brejal, o cara tem que pegar um
comboio, depois uma canoa até Laje Amarela, onde, é evidente, existe uma posta
de cavalos. Ou o cara leva seu cavalo no comboio e na canoa?
A frase nem é analisável em sua tronchisse barroca, exceto
nesse (2) “olhando de lado e de frente”. Significando o quê, levantando
desconfiança?
De lado e de frente é como todo mundo olha. Se o viajante
viesse olhando pro alto e pro chão é que dava na pinta.
Vocês vão ver que o Brejal é bem localizável: 1) os
“coronéis” estavam a toda hora em São Luís. 2) Bamburral (pág. 22) dista 4
léguas, e a Encruzilhada do Manuel , onde mora o vereador Pipira Preta, fica a
seis léguas (pág. 37). Só falta o autor dar o CPF.
Parte VII
TRECHO DO LIVRO: “Ruas tinha duas: a da Matriz e do Mercado.
A cidade era menos mais que umas três quarentenas de casas. Nem telégrafo, nem
calçadas, nem prédios públicos, nem escolas. Aliás, escola tinha uma, de uma
sala, construída recentemente; nela residia o sargento da força policial de dez
praças”.
Três quarentenas. Esse parâmetro numeral praticamente não
existe.
Só a última edição do Aurélio (1986) dá quarentena com esse
sentido e a frase de abonação é… exatamente a aí acima, do Sir Ney!
Desconfio que isso é coisa do Joaquim Campelo, craque em
léxico, grande colaborador do Aurélio e… grande colaborador do Sir Ney.
Bem, uma cidade de apenas 120 casas (ele quer dizer o fim do
mundo) tinha igreja matriz, um mercado (grande, pois nele havia “uma hospedaria”),
açougue, venda (pág. 20), e loja do genro do coronel Francelino (pág.12).
Fala-se ainda (pág.45) do coronel Guiné “utilizando o Caixa
e Razão de sua loja”. Mariquita tinha “uma pousada” (pág.12), e à pág.27 “os
pequenos comerciantes não abriram as portas”.
Estamos no coração de Manhattan.
A cidade não tinha telégrafo, mas se lê: “O coronel Guiné
passara um telegrama aderindo” (pág. 10), e, na pág. 11, “não era duas nem três
vezes que (o coronel Javali) telegrafara; não tinha calçadas, mas na pág. 12
descreve-se a casa de Javali (“sortida, de dez portadas, calçadas altas”), na
pág. 26, Mário, depois de cortar o rabo da jumenta “atirou na calçada a
encomenda” , e na pág. 58 (*) Zacarias fica “protegido na quina de uma calçada
alta.”; não tinha prédios públicos mas tinha cobradores de impostos (pág. 11),
nove vereadores, dois notários. Na pág. 21 diz-se “Às quatro todos esperavam na
delegacia”, na pág. 35 Zé do Bule convida os presentes “a comparecerem ao baile
da Prefeitura”; não tinha escolas mas, neste mesmo período, se diz que tinha
uma, ocupada pela força policial; na pág. 45 “O veículo seria recebido pelos
meninos do colégio da Prefeitura”, na pág. 52 o coronel Guiné fala de uma
escola, e nomeia-se uma professora (pág. 40). O verdadeiro baião do maranhense
doido.
(*) Como eu disse o livro tem 50 páginas. Mas, pra parecer
mais com um livro, a numeração começa na página 8.
Não percam, a seguir: a extraordinária capacidade literária
de Sarney mostrará que não tem qualquer capacidade literária.
Parte VIII
TRECHO DO LIVRO: “Do antigo teso grande onde agora se
localiza a cidade só restava um pé de tamboril, copudo, verde, de folhagens
abertas, em frente à casa de D. Rosa Menina (1). Na época da safra (2) os
moleques vinham e juntavam as favas chatas (3). Ali, antigamente, os veados
deviam chegar (4) para a comida nas noites de Verão (5). Boa espera teria sido
(6) aquele tronco onde agora ficavam amarrados os animais e a rancharia (7). Na
cidade todos se conheciam (8) e o que se vendia eram os teréns de vestir e de
comer, e um pouco de arroz (9), porque não era zona de arroz, mas de muito
babaçu e farinha (10). Chamado dos Guajas (11) porque ficava próximo à aldeia
dos guajajaras (12), hoje longes (13), perdidos, mortos e domados”.
ANÁLISE APENAS SUPERFICIAL: 1) A primeira e única vez em que
Rosa é tratada de Dona. Logo o autor esquece, fica íntimo, Rosa pra cá, Rosa
pra lá. A memória, como já se viu, não é o forte do autor. Mesmo a apenas duas
frases de distância.
2) Safra de uma árvore só? Eta, arvorão!
3) Fava, por definição, é chata. Pode até ser redonda, mas é
chata.
4) Deviam chegar ou chegavam? O autor tá aí pra dar
informações, pô!
5) Veado só come em noite de verão? Seria a Ceia de Natal?
6) Teria sido? Pô, esse autor não tem certeza de nada?
7) Rancharia amarrada num tronco de árvore? Eta arvorão
porreta!
8) Pudera não!
9) E arroz não é de comer?
10) Gente, no Brejal tem pé de farinha!
11) Sujeito oculto por elipse, e bota elipse nisso.
12) Por que Guajas com maiúscula e guajajaras com minúscula?
Era uma tribo inferior?
13) Substantivo-advérbio já desclassificado na primeira
eliminatória.
A SEGUIR. ERROS DE NOSSO PRÓXIMO CAPÍTULO: cacófatos,
apedeutismos, lacunas, lapsus plumae, sobejidades, obscuridades, ambages, e a
morte de um cachorro sufocado por uma conjunção adversativa. PLIM, PLIM!
Parte IX
Pra não dizerem que tenho má vontade, terminada a ingente tarefa
de análise da 1ª página do Brejal, realizo a tarefa ingentíssima de copidescar
a mesma.
Como bom copy, respeitei o estilo do autor, mudando léxico e
sintaxe só quando fundamental.
Fiz também ligeiras alterações de sentido, preparando a base
lógica do futuro. Coisa que o autor não soube fazer, nem no Brejal, nem no
Brasil.
Era longe, o Brejal. Longe demais, difícil mesmo de medir em
dias ou léguas. Pois, quando chovia, no invernão de pingo grosso, seis meses de
água por todos os lados, o Brejal se afastava, a distância não tinha fim.
Daqui, primeiro um comboio até bem longe, de longe em canoa, subindo o Rio
Itapicuru até Laje Amarela, e de lá, num cavalo já avisado, até a ponta de uma
das ruas, e mais, se era gente amiga, senão só até o único quarto de hospedaria
do pequeno mercado e olhando assim, só de frente e de lado, cuidando de falar
mansinho, até que se soubesse a que vinha e donde.
Ruas mesmo, tinha duas: a da Matriz e a do Mercado. A cidade
era menos que seis vintenas de casas. O telégrafo era só quando Deus queria, as
calçadas um luxo de poucos, três ou quatro casebres faziam de prédios públicos.
Escola não tinha, quer dizer, tinha uma, de uma sala, construída recentemente,
nela residia o sargento da força policial de dez praças, outra escola estava
sempre ficando pronta, e havia um galpão na Prefeitura.
Do antigo teso grande onde agora se localizava a cidade só
restava um pé de tamboril, copudo, verde, de folhagens abertas, em frente à
casa da Rosa Menina. Quando estava no tempo, os moleques vinham e juntavam as
favas. Ali, antigamente, os veados chegavam à noite para a comida sem sustos.
Boa espera deveria ser aquele tronco onde agora ficavam amarrados os animais,
junto da rancharia. Na cidade, como era, todos se conheciam, e o que se vendia eram
os teréns de vestir e de comer, pouco arroz, mas de muito babaçu e mandioca.
Brejal dos Guajas, porque ficava próximo à aldeia dos Guajajaras, hoje domados,
perdidos, mortos nos longes.
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