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quinta-feira, dezembro 05, 2013

Grandes Textos: Sarney e o Brejal dos Guajas (2ª Parte)


Publicado no Jornal do Brasil em janeiro de 1988 e retirado do Saite Millôr Online

Millôr Fernandes

Parte VI

TRECHO DO LIVRO: “I) O caminho do Brejal era longe. II) Longe demais para ser contado em dias ou léguas. III) A distância dependia da época das viagens: se era no Inverno, invernão de pingo grosso, seis meses de água por todos os lados, não tinham (1) fim. IV) De comboio até longe, de longe em canoa subindo o rio Itapicuru até a Laje Amarela, e de lá a cavalo até a ponta da rua ou mais, se era amigo, e se não era, da ponta da rua ate à hospedaria do mercado, falando mansinho, olhando de lado e de frente (2), até que se soubesse a que vinha e donde”.

I) Frase já comentada.

II) Contado (é medido que ele quer dizer? Então em quê? Anos-luz? Não, na frase III vê-se que o caminho do Brejal era longe como qualquer caminho quando chove paca.

Por exemplo, do Clube Caiçaras ao Clube Piraquê, ali na lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, são 900 metros.

Mas, se chover, eu levo duas horas (medidas!) pra atravessar esse Brejal dos Tivolis.

Porém a distância entre um ponto e outro continua 900 metros.

Não dá pra dizer que o caminho do Caiçaras (ou do Piraquê) é longe.

Esses tinham (1) aí é gênio! Não bate com caminho. Não bate com distância. Se (só na cabeça neosemântica do autor!) bate com seis meses, então tinham fim: 180 dias.

IV) Nesta frase, o autor assume uma posição nitidamente exterior ao Brejal. Deve achar que o leitor sabe onde ele está. Não sabe. Eu sei porque é evidente que a cabeça do autor só raciocina a partir de Pinheiros, Maranhão, 24 de abril de 1930.

Ainda não saiu daí, nem no espaço nem no tempo.

De onde o autor está até o Brejal, o cara tem que pegar um comboio, depois uma canoa até Laje Amarela, onde, é evidente, existe uma posta de cavalos. Ou o cara leva seu cavalo no comboio e na canoa?

A frase nem é analisável em sua tronchisse barroca, exceto nesse (2) “olhando de lado e de frente”. Significando o quê, levantando desconfiança?

De lado e de frente é como todo mundo olha. Se o viajante viesse olhando pro alto e pro chão é que dava na pinta.

Vocês vão ver que o Brejal é bem localizável: 1) os “coronéis” estavam a toda hora em São Luís. 2) Bamburral (pág. 22) dista 4 léguas, e a Encruzilhada do Manuel , onde mora o vereador Pipira Preta, fica a seis léguas (pág. 37). Só falta o autor dar o CPF.

Parte VII

TRECHO DO LIVRO: “Ruas tinha duas: a da Matriz e do Mercado. A cidade era menos mais que umas três quarentenas de casas. Nem telégrafo, nem calçadas, nem prédios públicos, nem escolas. Aliás, escola tinha uma, de uma sala, construída recentemente; nela residia o sargento da força policial de dez praças”.

Três quarentenas. Esse parâmetro numeral praticamente não existe.

Só a última edição do Aurélio (1986) dá quarentena com esse sentido e a frase de abonação é… exatamente a aí acima, do Sir Ney!

Desconfio que isso é coisa do Joaquim Campelo, craque em léxico, grande colaborador do Aurélio e… grande colaborador do Sir Ney.

Bem, uma cidade de apenas 120 casas (ele quer dizer o fim do mundo) tinha igreja matriz, um mercado (grande, pois nele havia “uma hospedaria”), açougue, venda (pág. 20), e loja do genro do coronel Francelino (pág.12).

Fala-se ainda (pág.45) do coronel Guiné “utilizando o Caixa e Razão de sua loja”. Mariquita tinha “uma pousada” (pág.12), e à pág.27 “os pequenos comerciantes não abriram as portas”.

Estamos no coração de Manhattan.

A cidade não tinha telégrafo, mas se lê: “O coronel Guiné passara um telegrama aderindo” (pág. 10), e, na pág. 11, “não era duas nem três vezes que (o coronel Javali) telegrafara; não tinha calçadas, mas na pág. 12 descreve-se a casa de Javali (“sortida, de dez portadas, calçadas altas”), na pág. 26, Mário, depois de cortar o rabo da jumenta “atirou na calçada a encomenda” , e na pág. 58 (*) Zacarias fica “protegido na quina de uma calçada alta.”; não tinha prédios públicos mas tinha cobradores de impostos (pág. 11), nove vereadores, dois notários. Na pág. 21 diz-se “Às quatro todos esperavam na delegacia”, na pág. 35 Zé do Bule convida os presentes “a comparecerem ao baile da Prefeitura”; não tinha escolas mas, neste mesmo período, se diz que tinha uma, ocupada pela força policial; na pág. 45 “O veículo seria recebido pelos meninos do colégio da Prefeitura”, na pág. 52 o coronel Guiné fala de uma escola, e nomeia-se uma professora (pág. 40). O verdadeiro baião do maranhense doido.

(*) Como eu disse o livro tem 50 páginas. Mas, pra parecer mais com um livro, a numeração começa na página 8.

Não percam, a seguir: a extraordinária capacidade literária de Sarney mostrará que não tem qualquer capacidade literária.

Parte VIII

TRECHO DO LIVRO: “Do antigo teso grande onde agora se localiza a cidade só restava um pé de tamboril, copudo, verde, de folhagens abertas, em frente à casa de D. Rosa Menina (1). Na época da safra (2) os moleques vinham e juntavam as favas chatas (3). Ali, antigamente, os veados deviam chegar (4) para a comida nas noites de Verão (5). Boa espera teria sido (6) aquele tronco onde agora ficavam amarrados os animais e a rancharia (7). Na cidade todos se conheciam (8) e o que se vendia eram os teréns de vestir e de comer, e um pouco de arroz (9), porque não era zona de arroz, mas de muito babaçu e farinha (10). Chamado dos Guajas (11) porque ficava próximo à aldeia dos guajajaras (12), hoje longes (13), perdidos, mortos e domados”.


ANÁLISE APENAS SUPERFICIAL: 1) A primeira e única vez em que Rosa é tratada de Dona. Logo o autor esquece, fica íntimo, Rosa pra cá, Rosa pra lá. A memória, como já se viu, não é o forte do autor. Mesmo a apenas duas frases de distância.

2) Safra de uma árvore só? Eta, arvorão!

3) Fava, por definição, é chata. Pode até ser redonda, mas é chata.

4) Deviam chegar ou chegavam? O autor tá aí pra dar informações, pô!

5) Veado só come em noite de verão? Seria a Ceia de Natal?

6) Teria sido? Pô, esse autor não tem certeza de nada?

7) Rancharia amarrada num tronco de árvore? Eta arvorão porreta!

8) Pudera não!

9) E arroz não é de comer?

10) Gente, no Brejal tem pé de farinha!

11) Sujeito oculto por elipse, e bota elipse nisso.

12) Por que Guajas com maiúscula e guajajaras com minúscula? Era uma tribo inferior?

13) Substantivo-advérbio já desclassificado na primeira eliminatória.

A SEGUIR. ERROS DE NOSSO PRÓXIMO CAPÍTULO: cacófatos, apedeutismos, lacunas, lapsus plumae, sobejidades, obscuridades, ambages, e a morte de um cachorro sufocado por uma conjunção adversativa. PLIM, PLIM!

Parte IX

Pra não dizerem que tenho má vontade, terminada a ingente tarefa de análise da 1ª página do Brejal, realizo a tarefa ingentíssima de copidescar a mesma.

Como bom copy, respeitei o estilo do autor, mudando léxico e sintaxe só quando fundamental.

Fiz também ligeiras alterações de sentido, preparando a base lógica do futuro. Coisa que o autor não soube fazer, nem no Brejal, nem no Brasil.

Era longe, o Brejal. Longe demais, difícil mesmo de medir em dias ou léguas. Pois, quando chovia, no invernão de pingo grosso, seis meses de água por todos os lados, o Brejal se afastava, a distância não tinha fim. Daqui, primeiro um comboio até bem longe, de longe em canoa, subindo o Rio Itapicuru até Laje Amarela, e de lá, num cavalo já avisado, até a ponta de uma das ruas, e mais, se era gente amiga, senão só até o único quarto de hospedaria do pequeno mercado e olhando assim, só de frente e de lado, cuidando de falar mansinho, até que se soubesse a que vinha e donde.

Ruas mesmo, tinha duas: a da Matriz e a do Mercado. A cidade era menos que seis vintenas de casas. O telégrafo era só quando Deus queria, as calçadas um luxo de poucos, três ou quatro casebres faziam de prédios públicos. Escola não tinha, quer dizer, tinha uma, de uma sala, construída recentemente, nela residia o sargento da força policial de dez praças, outra escola estava sempre ficando pronta, e havia um galpão na Prefeitura.

Do antigo teso grande onde agora se localizava a cidade só restava um pé de tamboril, copudo, verde, de folhagens abertas, em frente à casa da Rosa Menina. Quando estava no tempo, os moleques vinham e juntavam as favas. Ali, antigamente, os veados chegavam à noite para a comida sem sustos. Boa espera deveria ser aquele tronco onde agora ficavam amarrados os animais, junto da rancharia. Na cidade, como era, todos se conheciam, e o que se vendia eram os teréns de vestir e de comer, pouco arroz, mas de muito babaçu e mandioca. Brejal dos Guajas, porque ficava próximo à aldeia dos Guajajaras, hoje domados, perdidos, mortos nos longes.

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