Eu e Artur, no
Flutuante do Repolho, no Lago do Miriti, na Princesinha do Solimões
No início dos anos 90, Artur Repolho abandonou o
empreendimento de sua família em Manaus (o Restaurante Caçarola, um dos poucos
restaurantes da cidade a figurar no Guia Quatro Rodas durante os anos 80. Localizado
na Rua Maués, quase no canto com a Rua Ipixuna, na Cachoeirinha, o restaurante
era tão bom que foi alvo de reportagem até do francês Le Monde, por conta de
seu cardápio supimpa) e adquiriu um pequeno sítio em Manacapuru.
No sítio, ele iniciou uma pequena produção artesanal de tucumã-do-amazonas
(Astrocaryum aculeatum), mas quando
colheu a primeira safra dos frutos não gostou muito do resultado: a polpa era
travosa e meio amarga.
Para resolver o problema, ele partiu em busca de auxílio
junto aos técnicos do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas
(Idam), Embrapa e INPA.
Ninguém sabia como resolver o problema. Pior: não havia
qualquer literatura a respeito.
Artur Repolho resolveu partir para o melhoramento genético
na marra, com a cara e a coragem, utilizando uma espécie de laboratório de
campo com modestos 50 pés de tucumã.
No início, ele começou a replantar os caroços das frutas que
tinham menor acidez, esperando um milagre da Natureza, mas continuou enxugando
gelo: a polpa dos novos frutos permanecia inapelavelmente travosa e amarga.
Alguns anos depois, ele assistiu uma matéria no Globo Rural
em que um agricultor explicava que o sabor dos frutos das palmeiras está
associado diretamente à qualidade do solo, ou seja, o adubo deve conter uma
determinada proporção de nitrogênio, fósforo e potássio, em quantidade
específica para cada tipo de palmeira, porque é isso vai se refletir na
qualidade do fruto.
Ano após ano, na base da tentativa e erro, Repolho começou a
testar determinadas combinações de nitrogênio, fósforo e potássio no adubo de
cada pé de tucumã, tentando melhorar empiricamente o sabor dos frutos.
Depois de 15 anos de labuta, ele descobriu que fazendo sete
covas de um palmo de profundidade no entorno de cada pé de tucumã e preenchendo
cada cova com uma determinada quantidade de fósforo, potássio e nitrogênio, os
frutos ficavam adocicados.
Ele então resolveu replicar a experiência em larga escala:
plantou mil pés de tucumã e aplicou a técnica dos sete buracos.
Eureca! Os frutos dessa nova safra eram todos adocicados e
bastante carnudos.
O jornalista Mário
Dantas aprovou a qualidade dos tucumãs: “São mesmo doce pra caralho!”
Para a qualidade dos tucumãs do Artur Repolho conquistar o
paladar da população de Manacapuru foi conta de multiplicar e, em pouco tempo,
ele se transformou no mais requisitado produtor do fruto no município.
No início deste ano, ele foi procurado por um repórter da
revista Produtor Rural para relatar sua experiência e não se fez de rogado:
explicou didaticamente o que precisava ser feito para eliminar o travo e o
amargo do tucumã nativo e, simultaneamente, aumentar a polpa dos frutos.
Há seis meses, Repolho foi surpreendido por uma visita
intempestiva: uma equipe de agentes da Polícia Federal, acompanhada de
pesquisadores do Embrapa, Idam e INPA, apareceu em seu sítio para acusa-lo de
ter “roubado” pesquisas sigilosas daqueles renomados órgãos públicos.
Artur Repolho subiu nas tamancas:
– A única vez que bati na porta desses órgãos procurando
alguma coisa a respeito de melhoria genética de tucumã foi 20 anos atrás e não
havia nada a respeito. Tudo que descobri foi por conta do meu trabalho de
campo!
– A gente que ver as fórmulas que o senhor usou para chegar
a esses resultados! – insistiu o pesquisador do Embrapa!
– As fórmulas estão todas aqui dentro! – avisou Repolho,
apontando para a própria cabeça.
– O senhor está brincando com a gente! – interviu o
pesquisador do INPA. “Se o senhor não disser o nome de quem lhe passou essas
fórmulas, o senhor pode se dar muito mal...”
– Os senhores devem estar loucos! – vociferou Repolho. “Eu
não conheço nenhum pesquisador do Idam, da Embrapa ou do INPA. E se quiserem
saber como é que faço o plantio dos meus tucumãs, é só ler a matéria da revista
Produtor Rural. Está tudo lá!”
Depois de meia hora dessa conversa-de-bêbado-pra-delegado,
os agentes da Polícia Federal concluíram que o empresário estava sendo sincero,
deram os trâmites por findos e pegaram o beco.
Os pesquisadores saíram cuspindo fogo.
E, pelo andar da carruagem, eles vão se tornar vítima de
combustão espontânea se a nova experiência do Artur Repolho der certo: produzir
tucumãs sem caroço.
Já consegui fazer com pupunha, através de enxerto, e estou
começando agora a testar com os tucumãs – avisa o empresário.
– Mas cadê a fórmula? – ironizo.
– Está tudo aqui dentro! – devolve Repolho, apontando pra
cabeça.
O Prêmio Nobel de Química já tem um forte candidato...
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