Pesquisar este blog

segunda-feira, dezembro 16, 2013

O meio-famoso


Mario Prata

Acho que um escritor pode ser considerado um meio-famoso. Nem tanto pela qualidade dos livros, mas por quantas vezes já apareceu na televisão. Meio-famoso até mesmo se tem coluna em jornal e toda semana sai a fotinho dele lá em cima.

O famoso é aquele que quando entra num restaurante, por exemplo, todas as pessoas de todas as mesas o conhecem e olham. O meio-famoso pode ser reconhecido, no máximo, em uma mesa e por apenas uma pessoa, que aponta com o queixo para quem está ao seu lado e diz baixinho: fulano. E a gente percebe.

Um meio-famoso meio que sofre. Não por não ser um total-famoso. Mas o meio é péssimo. Às vezes as pessoas apresentam um meio-famoso para alguém, dizendo o nome dele. O meio-famoso percebe que a pessoa nunca ouviu falar. Aí fica um mal-estar. Todo mundo com cara de bunda, principalmente o meio-famoso e o meio-mal-informado. Cada um olhando para a cara do outro. Constrangimento. Aí o imbecil que fez a apresentação, não contente, completa: escreveu tal livro. Nada. Ninguém sabe mais o que falar. Não é bom ser meio-famoso.

Estou fazendo este preâmbulo todo porque aconteceu comigo na semana passada, num voo, um ato meio-famosista. O meio-famoso, para evitar atravessar um avião cheio e não ser reconhecido (ele sempre sabe quando alguém reconhece) e ficar com a autoestima baixa, entra antes de todos, senta e fica de cabeça baixa. Esperando que todos se acomodem.

Na semana passada estava lá eu, sentado no corredor, entra uma senhora e vem se dirigindo para a minha fileira. Saquei que ela descobriu quem eu era. Pediu licença, eu me levantei e ela ficou esperando que eu a cumprimentasse. É outro problema do meio-famoso. Como a pessoa nos conhece, acha que a gente também a conhece. Não dei bola, ela pediu licença, eu disse fique à vontade e sentamos.

Tô sentindo que ela me olha com o rabo do olho enquanto o avião decola. Mas não resiste ao sofrimento que está passando e me solta a seguinte pérola:

– O senhor é alguém, né?

Contei até cinco, virei o rosto para ela e fui simpático.

– A senhora também, né?

Ela sorriu, balançou a cabeça.

– O senhor me entendeu. Alguém assim (balançou as duas mãos no ar), sabe?

E eu respondi apenas:

– Sou.

Ia dizer sou meio-alguém, mas ela não ia atingir a profundidade do problema. Ela agradeceu, ficou uns dez minutos meio olhando pela janelinha, meio no soslaio comigo.

Ela tentou outro caminho.

– Sou viúva de um general, moramos em várias cidades… O senhor é da Reserva? Talvez seja…

Não me faltava mais nada. Cortei.

– Não, senhora. Ainda sou titular.

– Sei.

Uns 15 minutos de silêncio, comemos aquele “lanchinho”. O fato de eu ter pego o copo usado dela para  jogar no lixo da aeromoça fez com que ela se sentisse mais íntima.

– O senhor trabalha com o quê mesmo?

Comecei a ficar com pena. Mas fiquei com medo de dizer o meu nome e ela fazer aquela cara de nunca ouvi falar. Ia ficar pior para ela e para mim. Mas tenho alguma prática com as meio-informadas.

– A senhora deve ter me visto no Programa do Jô. Fui lá algumas vezes.

O sorriso dela se clareou, matou a charada.

– Claro, claro. Isso, no Jô. Que cabeça a minha. Agora lembrei tudo. Só não lembro o que o senhor faz. Mas isso não importa. Foi no Jô, sim. Me conta, o que ele tem naquela canequinha dele?

O Jô sim é um total-famoso!

– Nunca olhei.

– Num acredito!

E deu um tapinha no meu ombro. Pode?

– Num acredito!

Nenhum comentário: