Mario Prata
Acho que um escritor pode ser considerado um meio-famoso.
Nem tanto pela qualidade dos livros, mas por quantas vezes já apareceu na
televisão. Meio-famoso até mesmo se tem coluna em jornal e toda semana sai a
fotinho dele lá em cima.
O famoso é aquele que quando entra num restaurante, por
exemplo, todas as pessoas de todas as mesas o conhecem e olham. O meio-famoso
pode ser reconhecido, no máximo, em uma mesa e por apenas uma pessoa, que
aponta com o queixo para quem está ao seu lado e diz baixinho: fulano. E a
gente percebe.
Um meio-famoso meio que sofre. Não por não ser um
total-famoso. Mas o meio é péssimo. Às vezes as pessoas apresentam um
meio-famoso para alguém, dizendo o nome dele. O meio-famoso percebe que a
pessoa nunca ouviu falar. Aí fica um mal-estar. Todo mundo com cara de bunda,
principalmente o meio-famoso e o meio-mal-informado. Cada um olhando para a
cara do outro. Constrangimento. Aí o imbecil que fez a apresentação, não
contente, completa: escreveu tal livro. Nada. Ninguém sabe mais o que falar.
Não é bom ser meio-famoso.
Estou fazendo este preâmbulo todo porque aconteceu comigo na
semana passada, num voo, um ato meio-famosista. O meio-famoso, para evitar
atravessar um avião cheio e não ser reconhecido (ele sempre sabe quando alguém
reconhece) e ficar com a autoestima baixa, entra antes de todos, senta e fica
de cabeça baixa. Esperando que todos se acomodem.
Na semana passada estava lá eu, sentado no corredor, entra
uma senhora e vem se dirigindo para a minha fileira. Saquei que ela descobriu
quem eu era. Pediu licença, eu me levantei e ela ficou esperando que eu a
cumprimentasse. É outro problema do meio-famoso. Como a pessoa nos conhece,
acha que a gente também a conhece. Não dei bola, ela pediu licença, eu disse
fique à vontade e sentamos.
Tô sentindo que ela me olha com o rabo do olho enquanto o
avião decola. Mas não resiste ao sofrimento que está passando e me solta a
seguinte pérola:
– O senhor é alguém, né?
Contei até cinco, virei o rosto para ela e fui simpático.
– A senhora também, né?
Ela sorriu, balançou a cabeça.
– O senhor me entendeu. Alguém assim (balançou as duas mãos
no ar), sabe?
E eu respondi apenas:
– Sou.
Ia dizer sou meio-alguém, mas ela não ia atingir a
profundidade do problema. Ela agradeceu, ficou uns dez minutos meio olhando
pela janelinha, meio no soslaio comigo.
Ela tentou outro caminho.
– Sou viúva de um general, moramos em várias cidades… O
senhor é da Reserva? Talvez seja…
Não me faltava mais nada. Cortei.
– Não, senhora. Ainda sou titular.
– Sei.
Uns 15 minutos de silêncio, comemos aquele “lanchinho”. O
fato de eu ter pego o copo usado dela para
jogar no lixo da aeromoça fez com que ela se sentisse mais íntima.
– O senhor trabalha com o quê mesmo?
Comecei a ficar com pena. Mas fiquei com medo de dizer o meu
nome e ela fazer aquela cara de nunca ouvi falar. Ia ficar pior para ela e para
mim. Mas tenho alguma prática com as meio-informadas.
– A senhora deve ter me visto no Programa do Jô. Fui lá
algumas vezes.
O sorriso dela se clareou, matou a charada.
– Claro, claro. Isso, no Jô. Que cabeça a minha. Agora
lembrei tudo. Só não lembro o que o senhor faz. Mas isso não importa. Foi no
Jô, sim. Me conta, o que ele tem naquela canequinha dele?
O Jô sim é um total-famoso!
– Nunca olhei.
– Num acredito!
E deu um tapinha no meu ombro. Pode?
– Num acredito!
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