O rapper Caushun diz
que adora sentar numa boneca
O rap, estilo de música nascido nos bairros negros dos
Estados Unidos, ficou restrito aos guetos por mais de duas décadas.
O ritmo só foi inteiramente absorvido pela indústria musical
no fim dos anos 90, quando caiu no gosto dos consumidores.
Eminem, o rapper de maior sucesso da atualidade, com mais de
30 milhões de discos vendidos, é um branquelo.
O que não mudou no rap foram as letras raivosas, cheias de
ódio à polícia, apologia da violência e abuso nos palavrões.
O rap tem sido também o mais homofóbico dos gêneros musicais
– Eminem canta versos como “Vou te apunhalar se você for gay”, para citar o
mais leve.
A surpresa é que a nova sensação do rap nos Estados Unidos,
o nova-iorquino Caushun, é homossexual e declara isso abertamente em sua
música.
Há dois anos, ele lançou o que chamou de “o primeiro CD
assumidamente gay de rap”.
Seu sucesso The Gay
Rapper’s D-Lite (ou o Deleite do Rapper Gay) – uma canção que cita os
artistas idolatrados pelos homossexuais – ficou três semanas entre os mais
pedidos na MTV americana.
Caushun lançou seu segundo disco, Shock and Awe (Choque e Espanto), durante a Parada Gay de Nova
York, neste ano.
Caushun era cabeleireiro no hotel The Plaza, o preferido das
celebridades em Nova York.
Lá, cuidou dos cabelos da atriz e cantora Jennifer Lopez,
que o apresentou a Russell Simmons, o megaempresário do rap. Foi de Simmons a
idéia de vender o artista iniciante como o pioneiro de um novo gênero musical,
o rap gay.
Era para ser apenas uma jogada de marketing, mas acabou
assumindo um sentido de contestação social.
“O rap sempre foi um veículo para expressar formas
marginalizadas pela sociedade. Não poderia ser diferente com a comunidade gay”,
diz a professora Cheryl Keyes, do departamento de musicologia da Universidade
da Califórnia.
O sucesso de Caushun ajudou a promover outros rappers
homossexuais.
Cinco anos atrás, a rapper Queen Pen fez sucesso com a
música Girlfriend.
A letra era convencional: vangloriava-se por ter dormido com
a namorada de alguém.
A diferença é que a namorada era roubada por outra mulher.
Quando a polêmica aumentou, Queen Pen desconversou: disse
que se tratava apenas de rimas e se recusou a falar da própria sexualidade.
De lá para cá, surgiu meia centena de rappers gays.
As letras deles são tão violentas quanto as de qualquer
rapper – com a diferença de que não atacam os homossexuais.
“Decidi ser real / Ser quem eu sou – uma rainha”, canta o
rapper MC DutchBoy.
Em Nova York, há alguns meses, houve três dias de shows e
discussões sobre o futuro do rap gay.
Evidentemente, os rappers tradicionais ainda torcem o nariz
para os novos companheiros de viagem.
“Faz parte da mítica que o rapper seja durão. Quem vai
querer investir dinheiro em um rapper gay?”, diz Frank Williams, editor da
revista de hip hop The Source.
O rapper Mykki Blanco
é um exímio engolidor de cobra
O rapper Michael David Quattlebaum Jr., mais conhecido como
Mykki Blanco, chocou muita gente e agradou tantos outros ao lançar o clipe de
seu primeiro single, Wavvy, em que aparece
vestido como mulher.
Em 2012 lançou o EP Mykki
Blanco & the Mutant Angels e no começo do ano divulgou a Cosmic Angel: The Illuminati Prince/ss.
“Oh this
fag can rap? Yeah they saying that they listening” (Ah, essa bicha pode
fazer rap? sim, estão dizendo que estão ouvindo) diz a letra de Wavvy, uma das muitas que embalam a
luta de outros artistas do gênero, que se irritam pelo fato de sua orientação
sexual chamar mais atenção do que o seu trabalho.
O rap de Blanco, alter ego do cantor e poeta Michael David
Quattlebaum, também é uma resposta a declarações recheadas de intolerância
como a de Snoop Dogg, que durante uma entrevista ao site Huffington Post
afirmou que “não há espaço para gays no mundo do hip hop”.
Na esteira do pioneiro Mykki Blanco, uma onda de artistas
gays como o duo nova-iorquino House of Ladosha, as lésbicas do
Theesatisfaction e o transexual Rocco Katastrophe não planejam restringir o
seu trabalho aos guetos/redutos gays e avançam com força em direção ao
mainstream.
O rapper Frank Ocean
ganhou o respeito do casca grossa 50 Cent
Um deles já chegou lá. Frank Ocean, membro do coletivo Odd
Future (do qual também faz parte Syd tha Kid, que é abertamente lésbica), saiu
do armário em junho de 2012, semanas antes de lançar seu primeiro e elogiado
álbum solo channel ORANGE, em que fala sobre o amor que sente por outro homem.
Em faixas como Bad
Religion, Pink Matter e Forrest Gump, Ocean canta sobre paixão e
faz referências óbvias a ‘ele’, e não ‘ela’.
O fato é que uma grande cena estava a todo vapor, antes
mesmo das declarações de Ocean.
Em março do mesmo ano, o produtor Diplo lançou a faixa Express Yourself, em parceria com o
rapper gay Nicky Da B.
Mais tarde foi a vez de Azealia Banks assumir sua
bissexualidade e do cantor Le1f, produtor do coletivo Das Racist, lançar sua
mixtape de estreia, Dark York, que
recebeu bons elogios da crítica especializada.
A aceitação dos novos nomes do rap tem sido lentamente
conquistada.
Apesar da homofobia explícita ainda percorrer gêneros como o
reggae, o rock e o metal, o rap permanece o mais intolerante.
Basta lembrar rimas de nomes como Eazy E (“This is one
faggot that I had to hurt” – “Essa é uma bicha que eu tive que machucar”),
Eminem (“Hate fags? The answer’s yes” – “Odeia bichas? a resposta é sim”) e
Lil Wayne (“I ain’t got no worries, no, Frank Ocean, I’m straight” – “Não estou
preocupado, Frank Ocean, sou hétero”), para absorver o pensamento preconceituoso
de grandes astros da cena.
Em contrapartida, alguns membros da comunidade hip hop, como
50 Cent, condenam qualquer tipo de preconceito no mundo do rap: “Qualquer um
que tenha qualquer problema com Frank Ocean é um idiota”.
Em resumo, os artistas da galeria acima estão ligados por
sua sexualidade, mas ser gay não é um gênero musical. É apenas uma faceta da
personalidade de cada artista e uma forma de renovar o hip hop.
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