Publicado no Jornal do
Brasil em janeiro de 1988 e retirado do Saite Millôr Online
Millôr Fernandes
Parte X
Aqui vão, leitores, apenas mais algumas pequenas observações
sobre Brejal Dos Guajas, obra-prima inigualável. O único livro que conheço
errado da primeira à última linha. Reitero meu pedido ao governo José Aparecido
para que lute por tombar (também) esse livro, transformando-o em patrimônio da
humanidade. Os dadaístas num tão cum nada.
Pág. 10) “Quem ganhar as eleições será o dono de todas as
posições municipais e o chefe do partido.” Pudera.
Pág. 11) Fala do senador Guerra: “O nosso partido, compadre,
foi feito pra servir os amigos. A lei é dura pra quem é mole (…) inimigo aqui
não tem bandeira…” O coronel Javali fica perplexo com essa “ameaça velada”.
Pág. 12) “Afinal de contas, herdaram do avô, ele e o primo
Né, por pais diferentes, o eleitorado e os bens.” Primos por pais diferentes? É
mesmo o primado da ignorância.
Pág. 19) “Uns chamavam de jíparo, outros de jipa.” Por volta
de 1960 (*) os brejalenses que nunca viram um carro, nem em efígie! chamam o
jipe assim. Nos anos 40, quando os repórteres da O Cruzeiro desciam no Xingu de
Beechcraft, os índios chamavam o avião de… Beechcraft (bixicrafi). Sir Ney
conseguiu uma corruptela mais difícil do que o corruptelado jipe. Essa istória
do jipe, no livro, vale um estudo especial.
Pág. 12) O Coronel Javali “Falava devagar, usando sempre
vossa mercê”. Nem uma vez o coronel usa o vossa mercê no livro.
Pág. 12) “O Coronel Né Guiné usava o ‘meu senhor’ sem muitos
rebuços (?)”. O coronel Né Guiné também não tem memória e esquece essa
recomendação do autor.
Pág. 22) “A notícia correu célere. De ponta a ponta, de lado
a lado.” As duas ruas teriam no máximo 300 metros. Bastava um grito.
Pág. 22) “Seus amigos de longas datas.” Longas datas?
Viiinnte e seettte deee maaiiiiooo de miiilllll noooveeeeceeeeeentttooosss e
quaareeeenta eeee oooito? É por aí? Tão bem longas?
(*) A história se passa mais ou menos em 1960, por certas
dicas do autor. Mas ele não sabe.
Parte XI
Observação final (a não ser que me solicitem mais) com
demonstração de matemática elementar, meu caro Watson (a partir de dados
fornecidos inconscientemente pelo próprio autor), provando que o Brejal, com
apenas duas ruas, era uma das maiores cidades do Maranhão, cuíca do mundo.
Rationale.
I) Na pág. 60 está: “– Quantos eleitores tem o Brejal? –
2.053 – ambos responderam”.
II) Pode-se precisar razoavelmente a época da istória pela
frase à pág. 10: os dois coronéis eram “da mesma corrente política invicta em
todos os pleitos realizados desde a queda da ditadura”. José Ribamar Sir Ney
está falando da outra ditadura, 1930/45, anterior à dele, 1964/85. Ora, “todos
os pleitos” são mais três, no mínimo. Dois, definitivamente, não são todos.
Portanto, a istória (!) acontece por volta de 1960, mais ou menos 15 anos
depois da queda da ditadura getulista. Isso é estatisticamente importante:
nessa época. Numa região pobre, a população abaixo de 18 anos elevava-se a mais
de 60% (hoje é 40% em todo o país). Mas vamos deixar por 50%. Portanto os 2.053
eleitores são parcela, não de 100% da população, mas de 50% dela, já que metade
não estaria na faixa do voto.
III) Nas quatro linhas finais da istória, numa babaquice que
pretende, acho, ser poética-social-irônica, o autor grandilóqua: “…E o povo do
Brejal feliz: oitenta por cento de tracoma, sessenta de bouba, cem por cento de
verminose, oitenta e sete de analfabetos, mas feliz, ouvindo a valsa do Brejal,
Brejal dos Guajajaras”.
Ora, quem tem 87% de analfabetos, tem penas 13% de
alfabetizados. Como os 50% da população abaixo de 18 anos não votam (embora,
por serem mais novos, devam ter até maior índice de alfabetização) isso
significa que dos 13% alfabetizados apenas 6,5% votam. Quer dizer, os 2.053
eleitores do Brejal correspondem a 6,5% da população total. Façam agora uma
simples regra de três: “6,5% estão para 2.053 assim como 100% estão para X”, e
verificarão que Brejal dos Guajas tinha uma população de 31.584 pessoas. Mesmo distribuindo
generosamente 60% dessa população para área rural (da qual, aliás, não se
fala), ainda assim teríamos 12.683 pessoas nas duas ruas. 105 pessoas por casa!
Eta, apertamento!
Janeiro 1988
E FORAM TODOS FELIZES PARA SEMPRE.
Zé pai, Zé filho (Zequinha), Roseana, Murad e outros menos
votados.
F I M
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