Pesquisar este blog

quinta-feira, dezembro 05, 2013

Grandes Textos: Sarney e o Brejal dos Guajas (Final)


Publicado no Jornal do Brasil em janeiro de 1988 e retirado do Saite Millôr Online

Millôr Fernandes

Parte X

Aqui vão, leitores, apenas mais algumas pequenas observações sobre Brejal Dos Guajas, obra-prima inigualável. O único livro que conheço errado da primeira à última linha. Reitero meu pedido ao governo José Aparecido para que lute por tombar (também) esse livro, transformando-o em patrimônio da humanidade. Os dadaístas num tão cum nada.

Pág. 10) “Quem ganhar as eleições será o dono de todas as posições municipais e o chefe do partido.” Pudera.

Pág. 11) Fala do senador Guerra: “O nosso partido, compadre, foi feito pra servir os amigos. A lei é dura pra quem é mole (…) inimigo aqui não tem bandeira…” O coronel Javali fica perplexo com essa “ameaça velada”.

Pág. 12) “Afinal de contas, herdaram do avô, ele e o primo Né, por pais diferentes, o eleitorado e os bens.” Primos por pais diferentes? É mesmo o primado da ignorância.

Pág. 19) “Uns chamavam de jíparo, outros de jipa.” Por volta de 1960 (*) os brejalenses que nunca viram um carro, nem em efígie! chamam o jipe assim. Nos anos 40, quando os repórteres da O Cruzeiro desciam no Xingu de Beechcraft, os índios chamavam o avião de… Beechcraft (bixicrafi). Sir Ney conseguiu uma corruptela mais difícil do que o corruptelado jipe. Essa istória do jipe, no livro, vale um estudo especial.

Pág. 12) O Coronel Javali “Falava devagar, usando sempre vossa mercê”. Nem uma vez o coronel usa o vossa mercê no livro.

Pág. 12) “O Coronel Né Guiné usava o ‘meu senhor’ sem muitos rebuços (?)”. O coronel Né Guiné também não tem memória e esquece essa recomendação do autor.

Pág. 22) “A notícia correu célere. De ponta a ponta, de lado a lado.” As duas ruas teriam no máximo 300 metros. Bastava um grito.

Pág. 22) “Seus amigos de longas datas.” Longas datas? Viiinnte e seettte deee maaiiiiooo de miiilllll noooveeeeceeeeeentttooosss e quaareeeenta eeee oooito? É por aí? Tão bem longas?

(*) A história se passa mais ou menos em 1960, por certas dicas do autor. Mas ele não sabe.


Parte XI

Observação final (a não ser que me solicitem mais) com demonstração de matemática elementar, meu caro Watson (a partir de dados fornecidos inconscientemente pelo próprio autor), provando que o Brejal, com apenas duas ruas, era uma das maiores cidades do Maranhão, cuíca do mundo. Rationale.

I) Na pág. 60 está: “– Quantos eleitores tem o Brejal? – 2.053 – ambos responderam”.

II) Pode-se precisar razoavelmente a época da istória pela frase à pág. 10: os dois coronéis eram “da mesma corrente política invicta em todos os pleitos realizados desde a queda da ditadura”. José Ribamar Sir Ney está falando da outra ditadura, 1930/45, anterior à dele, 1964/85. Ora, “todos os pleitos” são mais três, no mínimo. Dois, definitivamente, não são todos. Portanto, a istória (!) acontece por volta de 1960, mais ou menos 15 anos depois da queda da ditadura getulista. Isso é estatisticamente importante: nessa época. Numa região pobre, a população abaixo de 18 anos elevava-se a mais de 60% (hoje é 40% em todo o país). Mas vamos deixar por 50%. Portanto os 2.053 eleitores são parcela, não de 100% da população, mas de 50% dela, já que metade não estaria na faixa do voto.

III) Nas quatro linhas finais da istória, numa babaquice que pretende, acho, ser poética-social-irônica, o autor grandilóqua: “…E o povo do Brejal feliz: oitenta por cento de tracoma, sessenta de bouba, cem por cento de verminose, oitenta e sete de analfabetos, mas feliz, ouvindo a valsa do Brejal, Brejal dos Guajajaras”.

Ora, quem tem 87% de analfabetos, tem penas 13% de alfabetizados. Como os 50% da população abaixo de 18 anos não votam (embora, por serem mais novos, devam ter até maior índice de alfabetização) isso significa que dos 13% alfabetizados apenas 6,5% votam. Quer dizer, os 2.053 eleitores do Brejal correspondem a 6,5% da população total. Façam agora uma simples regra de três: “6,5% estão para 2.053 assim como 100% estão para X”, e verificarão que Brejal dos Guajas tinha uma população de 31.584 pessoas. Mesmo distribuindo generosamente 60% dessa população para área rural (da qual, aliás, não se fala), ainda assim teríamos 12.683 pessoas nas duas ruas. 105 pessoas por casa! Eta, apertamento!

Janeiro 1988

E FORAM TODOS FELIZES PARA SEMPRE.

Zé pai, Zé filho (Zequinha), Roseana, Murad e outros menos votados.

F I M

Nenhum comentário: