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sábado, dezembro 07, 2013

Nelson Mandela e a minha indignação com as “verdades” cabotinas de ocasião


Ucho Haddad (*)

O texto é longo, por isso sugiro aos avessos à leitura e à reflexão que parem por aqui. Neste artigo não faço a defesa de Nelson Mandela, mas analiso, a partir do líder sul-africano e passando pelo Brasil, a polarização burra entre a direita e a esquerda, como se uma fosse melhor do que a outra. Reitero que sou democrata convicto e adepto confesso do diálogo.

No Brasil, lamentavelmente, jornalista bom é aquele que bate na esquerda ou o que bate na direita. Quem pautar o ofício pela coerência, isenção e parcimônia entrará na alça de mira dos inconformados. O pior é que esses estão em ambos os lados. Contudo, não pensem, esquerdistas e direitistas, que vestirei a toga de um juiz de tribunal de exceção para agradar essa ou aquela legião.

A maior sandice a mim dedicada após a morte de Nelson Mandela foi a de que sou um comunista enrustido. Por certo quem fez tal afirmação não me conhece e muito menos lê o que escrevo. Esse tipo de gente que mira o título da matéria e sai apedrejando a vidraça alheia não merece o meu esforço para escrever uma letra sequer, mas cá estou em respeito aos leitores assíduos e que há anos me acompanham. Não sou dado aos exageros e às injustiças, como sabem, mas também não alivio a pena diante da corrupção, do desmando, da utopia e da incoerência.

O País foi tomado de assalto por uma quadrilha que usa o discurso rasteiro e populista como forma de enganar a parcela desavisada da população, mas esses não encontram guarida nos meus escritos. O que já está mais do que provado. Porém, tenho acompanhado com muita preocupação o comportamento de certas pessoas que defendem as transgressões da oposição como forma de eliminar os atuais ocupantes do poder. Não é assim que se faz democracia, como não é possível concordar com desmandos e atos de corrupção, independentemente da ideologia do agente. Diz a sabedoria popular que “o pau que bate em Chico, bate em Francisco”.

Voltando a Mandela…

O ex-presidente sul-africano morreu e minutos depois do anúncio de sua morte espocaram na rede mundial de computadores artigos, textos e vídeos que o acusam de comunista, terrorista, enganador e outros adjetivos mais. Nenhuma novidade, mas muitas leviandades. O grande segredo da democracia é o equilíbrio de forças, não a supressão de uma por outra. Nelson Mandela foi considerado comunista porque lutou pela igualdade racial em um país dominado pelo Apartheid. Se isso é ser comunista, então Mandela de fato o era.

A acusação de ter sido terrorista se deve ao fato de ter atuado no braço armado do Congresso Nacional Africano, porque os brancos direitistas que dominavam a África do Sul, onde instalaram um regime criminoso de segregação, não eram querubins barrocos. Um erro não justifica o outro, mas na guerra cada qual se defende com as armas que tem à disposição. É uma questão de sobrevivência. Na época do Apartheid os brancos tinham direito a tudo e mais um pouco, enquanto os negros eram tratados como seres inferiores, muitas vezes como animais.

Somente quem sabe o que é segregação racial ou já se deparou com esse comportamento hediondo e excludente é capaz de avaliar o estrago que provoca na psique humana. Há de surgir alguém para dizer que não sei o que é isso, mas engana-se o eventual acusador. Discriminação é uma realidade descabida no Brasil, que os brasileiros fingem enxergar pelo fato de ser uma atitude politicamente correta e também porque a lei é dura e implacável com esse tipo de crime. Não existisse uma legislação punindo esse crime, a discriminação estaria correndo solta no País. Não me refiro a chamar alguém de negro, mas de segregá-lo por causa da cor da pele.

Discordo com indignação das insinuações e afirmações que sobraram na rede de que o fato de ter sido comunista no passado fez de Mandela um delinquente político. Fosse assim, ele teria permanecido no poder depois de cumprir o mandato presidencial. O que ele conseguiu foi, por meio do diálogo e da conciliação, transformar a África do Sul em uma democracia, que como tal tem equívocos e mazelas, inclusive no campo racial.

Retorno ao Brasil…

No Brasil criou-se uma referência equivocada de que comunista é lixo e que só a direita presta e funciona. Não é bem assim que o violino da política global toca. A delinquência não escolhe ideologia ou partido político. Há marginais na direita, na esquerda, no centro e em outras tantas faces e brechas que a ideologia permitir. Esse conceito equivocado de que a esquerda não funciona e a direita é a solução do universo se desmonta na primeira análise mais apurada dos fatos.

O comunismo só se instala onde prevalece a miséria e a ignorância. Se em meio a essa massa de desvalidos surgir ao menos um cidadão com pensamento concatenado, o comunismo encontrará terreno fértil para florescer. Experimentem dar à população conhecimento e condições dignas de vida para ver se o comunismo encontra espaço. Quando está no poder, a direita é tão burra e utópica que chega a ser tomada por uma cegueira que a impede de enxergar o óbvio. E a esquerda quando chega ao poder não se avexa em ser escandalosamente direitista. E por consequência igualmente cega, burra e utópica.

Não é novidade que meu pensamento é antagônico ao dos saltimbancos que se instalaram no Planalto Central, mas sou duramente criticado quando cobro explicações sobre transgressões cometidas pelos adversários da esquerda tupiniquim. Ora, será que o erro da esquerda é muito pior que o da direita? Ou será que a direita é magnânima, impoluta? Não, erro não tem meio termo, assim como não tem mulher meio grávida.

Voltando a Mandela…

O sul-africano teve o seu legado defendido por este escriba, mas parece que isso é proibido. Há os que não acreditam em legado. Respeito o contraditório, até porque faz parte da democracia. Queiram ou não os inconformados, Nelson Mandela deixou um legado que só pode ser constatado conhecendo-se a África do Sul e a sua história. Não a história escrita de um só lado. Ainda há muito que fazer no país no âmbito das questões raciais, mas o passo dado foi enorme. Defender mudanças sem ação, sentado no sofá da sala, é muito fácil. No momento não importa o legado deixado por Mandela, mas, sim, o fato de ele ter sido comunista. Até onde sei, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, John Lennon e outros tantos nem em sonho eram direitistas. Mesmo assim, são até hoje venerados por simpatizantes da esquerda e da direita.

De maneira equivocada estigmatizou-se que o esqeurdismo é sinônimo de bandalheira, totalitarismo, corrupção, atos criminoso e outros quetais. Isso é coisa de marginal que usa a política como arma. A referência atual dessa tese, pelo menos na América Latina, é o comportamento dos governantes da região. Mas engana-se quem pensa que o que temos nessa porção do continente americano é comunismo – ou socialismo do século XXI, como vociferou o vigarista Hugo Chávez. O que grassa na região é banditismo político em última instância, escondido na alcova do discurso embusteiro e visguento.

Creio que o comunismo nasceu morto, pois a ganância do ser humano impede a socialização dos direitos. Quase todo o planeta canta a música “Imagine”, de John Lennon, mas nem de longe as pessoas pensam e agem como sugere a letra. O negócio é cantar e dane-se o mundo, o John Lennon, o vizinho, o mendigo da esquina, o desvalido que mata a fome revirando o lixo. Afinal, a maciça maioria dos seres humanos tem a sua porção “Justo Veríssimo”, personagem de Chico Anysio que só tinha olhos para os próprios interesses.

Pausa para Obama…

Na esteira das muitas acusações dedicadas a Nelson Mandela, até Barack Obama pagou o pato. O atual inquilino da Casa Branca foi chamado de “comunista de carteirinha”. Que Obama não é de direita todos sabem, mas comunista que sobreviveu nos Estados Unidos, a Meca do capitalismo, é prova de feito inédito. Para os direitistas dessa tresloucada Terra de Macunaíma, Obama é um marginal da política planetária. Tudo muito bem, Barack Obama é comunista.

Quando surgiu a notícia de que os Estados Unidos teriam espionado a presidente Dilma Rousseff, a direita adorou, defendeu a ação e quase canonizou Obama. O pior é que aceitam ser espionados pelos ianques, desde que Dilma e seus patifes estejam no bolo. Insisto em afirmar que se as denúncias que surgiram contra a Agência Nacional de Segurança forem procedentes, o governo dos EUA agiu criminosamente.

Como na vida a coerência é ingrediente imprescindível, ou Barack Obama é um comunista de carteirinha safado, ou é sensacional porque grampeou o celular da Dilma e outros do bando. Não há menor possibilidade de analisar Obama a partir do que fazem seus adversários políticos. Os integrantes do radical Tea Party não têm vocação para anjo e quase pararam a economia do planeta, porque era preciso marcar o território da direita xiita ianque. Dualidade de pensamento é sinônimo de falta de opinião.

Voltando a Mandela…

Mandela foi acusado de ter abandonado o comunismo após deixar a prisão, onde passou longos 27 anos. Que bom que Nelson Mandela mudou de opinião, o que mostra que ele jamais foi o dono da verdade. Aliás, quem na juventude nunca teve um lampejo comunista ou se rebelou contra o sistema, mesmo de maneira inócua? Contestar faz parte da juventude, apesar de existirem exceções. Respeito todas as opiniões, pois creio piamente na eficácia da democracia, mas não pauto meus pensamentos e opiniões apenas nas leituras que emolduram os meus longos anos. Também não nego que li e ainda leio com muita frequência, mas quando pude fui conferir in loco o que aprendi com a leitura. E quando posso repito isso com prazer. Nem todos têm essa oportunidade, é verdade, mas é uma questão de ousadia e determinação.

As quase três décadas em que esteve encarcerado davam a Mandela o direito de reconquistar a liberdade no embalo da fúria, o que é compreensível sob a ótica da psiquiatria, pois é devastador o efeito do aprisionamento no comportamento do ser humano. Mas não, seu primeiro ato foi a aproximação com Frederik Willem De Klerk, então presidente da África do Sul e representante do regime do Apartheid, além de ter sido igualmente responsável pelo acordo entre brancos e negros no país.

De Klerk reconheceu publicamente, antes da morte do líder sul-africano, a importância do legado de Nelson Mandela, assim como para o país. “Seu legado é fundamentalmente importante (…) O melhor meio de honrar sua memória será seguir o bom exemplo que ele deu e (seguir) seu principal legado político, que foi ter insistido na importância da reconciliação”, disse o ex-líder do Partido Nacional e ex-presidente da África do Sul. Palavras de alguém que lutou contra Mandela e seus ideais.

Sentar a borduna depois que a pessoa se despede da vida é muito fácil. Quero ver quem tem coragem para criticar alguém notório e suportar o tranco, a reação da opinião pública. Esse enfrentamento precisa acontecer com as próprias ideias e convicções, não com base em escritos daqui e de acolá. Nas redes sociais sobram valentes e donos da razão, mas na hora de escrever e assinar uma denúncia ou uma crítica contundente a coragem desaparece na velocidade de um cometa.

Nove entre dez críticas contra Mandela têm como base alguma publicação passada, que teve como referência outra mais antiga e assim sucessivamente. É preciso saber quem escreveu sobre Nelson Mandela quando ele ainda lutava contra o sistema excludente que reinava na África do Sul. Se foram seus adversários de então, a história corre o risco de virar estória.

Condenar a esmo é o ato mais covarde que um humano pode praticar. O importante, antes da condenação, é analisar os fatos e as circunstâncias que os envolvem com o pensamento de quem está na mira do julgador. Não se trata de ser complacente com os fatos, mas emprestar equilíbrio ao júbilo. Sem essa condescendência a extensa maioria dos terráqueos já estaria condenada. Da mesma forma que não se pode pasteurizar a ideia de que a direita é sensacional, enquanto a esquerda é marginal. Fosse assim, bastava dividir o globo em duas metades. De um lado os direitistas e suas convicções, de outro os esquerdistas e suas ideologias. Eis a solução derradeira do universo.

Retorno ao Brasil…

Reconheço que citar exemplos chega a ser enfadonho, mas não abro mão dessa prerrogativa diante de assunto tão sério, mas que não é levado a sério. Essa dualidade de pensamento radical não ecoa com a devida isonomia. O PT só avança porque a oposição é pífia e soberba. A CPI dos Correios deu à oposição a chance de ejetar Lula do poder, mas surgiu a tese obtusa da “governabilidade”. De cima do salto alto, os oposicionistas acreditaram que era possível derrotar o petista nas urnas de 2006. Só mesmo irresponsáveis podem acreditar em tamanho absurdo. Um governante falastrão – com a máquina governamental nas mãos e um orçamento na casa dos trilhões – só tropeça na reeleição se for extremamente incompetente. O que não significa ser sério e honesto.

Mas o Brasil é o paraíso dos absurdos. Fernando Henrique Cardoso seria eleito se concorresse à presidência novamente. Acontece que FHC e Lula foram comunistas de carteirinha no passado, matando a sede na mesma tina ideológica. Analisando o DNA, tucanos e petistas são xifópagos que foram separados no berço. Uns seguiram o caminho da vida envergando fraque e cartola, enquanto outros preferiram macacão e botina. Além disso, a diferença está no vocabulário. Tucanos se valem do rebuscamento discursivo, enquanto petistas tropeçam no linguajar de botequim. Fora isso, são tão idênticos que até acordos fazem longe das câmeras e microfones.

Voltando a Mandela…

A principal acusação contra Nelson Mandela é que ele era comunista. Não rezo pela cartilha do comunismo, mas também não uso régua discriminatória para medir as pessoas. Mandela foi comunista, sim, e seus ideais do passado deixaram claro sua opção, mas isso não significa que a toada ideológica marcou sua trajetória. Há direitistas espetaculares, assim como existem esquerdistas marginais. Há esquerdistas espetaculares, assim como existem direitistas marginais. Conheço ambos os tipos tanto na direita quanto na esquerda.

Encerrando, com apelo à coerência…

Mandela é acusado de ter sido terrorista, de ter pegado em armas para enfrentar os adversários políticos que durante décadas mantiveram um covarde regime de segregação racial. Pois bem, isso é fato. Por tal motivo acabou condenado e preso. Volto à citação que fiz no começo do texto: na guerra cada qual se defende com as armas que tem à disposição.

Quem critica essa posição pretérita de Mandela é a mesma direita que hoje defende o uso de armas para tirar Dilma Rousseff e o PT do poder. No mínimo estranho para quem agora condena o líder sul-africano. Há quem defenda o velho “paredão” para os atuais ocupantes do poder. Não foi essa a lição de democracia que aprendi. Quem está no comando da nação foi eleito de forma legítima. Se corruptos e totalitaristas chegaram lá é porque os brasileiros são acomodados e a oposição é incompetente. Mas é melhor trocar a metralhadora pelo voto.

Causam preocupação os muitos movimentos que pregam o retorno dos militares ao poder. Quem defende essa tese possivelmente não enfrentou a ditadura militar, chamada de regime militar por alguns. Nada tenho contra os militares, mas ainda guardo na memória detalhes da ação truculenta dos agentes do DOI-Codi. Por isso prefiro a democracia, mesmo que anoréxica e cambaleante.

Analisar os fatos com coerência é a atitude mais justa que se pode tomar, mesmo que isso demande tempo e nos coloque diante da incompreensão alheia. Democracia não é um interruptor para ser acionado. Quando a democracia é abandonada, sempre surge algum candidato a totalitarista para dominar a cena. E esse não é o melhor dos mundos.

Então ficamos assim, até porque muitos não permitirão que seja diferente: Nelson Mandela foi um terrorista, eu sou um comunista enrustido e bom mesmo é o totalitarismo, de direita ou de esquerda. Até porque, essa tal democracia dá muito trabalho.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.

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