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sábado, julho 10, 2010

Sobre o Pato Fu e outras futricas midiáticas


A atual formação do Pato Fu inclui Fernanda Takai (vocal e violão), John Uchoa (guitarra, programações e vocais), Ricardo Koctus (baixo e vocais), Xande Tamietti (bateria) e Lulu Camargo (teclados)


Setembro de 1995. No papel de editor de Cultura do jornal Amazonas Em Tempo, onde estava trabalhando há quase um ano, a minha única preocupação diária era não repetir o rame-rame, a mesmice, a pauta sem imaginação dos suplementos locais, sempre anunciando os mesmos shows das mesmas bandas nos mesmos locais.

A minha editoria possuía apenas dois jornalistas (o saudoso Marcos Figueira e a querida Amélia Loureiro, ela mais focada em matérias de turismo e comportamento) e uma estagiária (a lovely Trícia Cabral, atual editora executiva do jornal).


Encontrar um fotógrafo disponível para cobrir nossas pautas só com a ajuda de São Judas Tadeu, o padroeiro das causas impossíveis.


Para ilustrar as matérias locais, na maioria das vezes eu me valia de fotografias dos arquivos pessoais de nossos brilhantes colunistas sociais (a saudosa Elaine Ramos e os abnegados Alexandre Prata, Fernando Coelho e César Seixas, que nunca me deixaram na mão).


Naquelas circunstâncias, era quase impossível querer disputar espaço com as bem-fornidas editorias de cultura dos jornais A Crítica, Diário do Amazonas, Jornal do Norte, etc, cobrindo os mesmos assuntos.


A gente preferia publicar coisas mais interessantes e inventivas, que estivessem na terceira margem, no acostamento ou a léguas de distância do mainstream local. É claro que isso nos causava alguns problemas.


Aliás, aqui cabe fazer, antes, um pequeno registro.


Apesar do suposto glamour de trabalhar com cultura, moda e comportamento, o suplemento cultural dos jornalões sempre foi o patinho feio de qualquer redação.


Os jornalistas das demais editoriais olham para a turma da Cultura com um misto de ódio, inveja, rancor e ressentimento. E todo mundo dá palpite nas matérias publicadas.


Eu nunca vi um repórter de Cultura pegar uma página de Cidade, ir lá com o editor e dizer: “Essa matéria está uma merda! Não gostei não!”


Mas qualquer estagiariozinho do caderno de Esportes se acha com o direito de falar desse jeito com um editor de Cultura ou, durante o cafezinho, com um repórter da referida editoria responsável pela tal matéria que lhe deu engulhos.


Bom, pelo menos era assim há 15 anos. Não faço a menor idéia se mudou alguma coisa de lá pra cá. Desconfio que não.


Naquela época, nas tardes de segunda-feira, a doce e enérgica jornalista Hermengarda Junqueira, diretora executiva do Amazonas Em Tempo, se reunia com todos os editores para discutir as falhas e os acertos da semana anterior (incluindo os “furos” dados ou tomados da concorrência) e pautar as edições da nova semana.


Era uma espécie de “lavagem de roupa suja”, mas de alto nível. Eu nunca dei palpite sobre as demais editorias, mas sempre tinha que me livrar de alguma saia justa provocada por um dos presentes.


Em uma dessas reuniões, a jornalista Solange Elias, editora de Economia, resolveu me detonar por conta de uma matéria publicada na sexta-feira anterior.


Exibindo os demais suplementos culturais da cidade, que abriram a primeira página anunciando um show da banda Carrapicho naquela noite, ela comparou com a primeira página do nosso suplemento: eu anunciava que a banda Pato Fu iria se apresentar em Nova York.


Como a Solange Elias nunca havia ouvido falar nos músicos mineiros, ela achava que o jornal estava prestando um desserviço à população amazonense por não informar direito sobre a cena cultural local e, o mais grave, levando um banho da concorrência.


Eu contra-argumentei explicando que o leitor queria saber de novidades (e o Pato Fu em Nova York era novidade), de informações quentes, de pautas fora da mesmice.


Se ela não conhecia o Pato Fu, aquilo era problema dela. E sua (dela) ignorância musical não era motivo suficiente para privar os leitores do jornal de conhecerem o trabalho de um dos mais inventivos grupos musicais da época.


“Não vai demorar muito pra todo mundo começar a elogiar o trabalho musical do Pato Fu. Que mal há em os nossos leitores tomarem contato primeiro com aquilo que só vai ser novidade daqui a um ano?”, ironizei.


O Augusto Banega, editor de Cidade, ficou do meu lado e comprou a briga. “O Simão está editando um caderno de Cultura, não um guia de shows da cidade. Eu também não conhecia o Pato Fu, mas agora já sei de quem se trata e vou tentar comprar o disco deles pra ver se é mesmo aquela maravilha toda!”, avisou.


A Solange Elias, evidentemente, ficou puta nas calças.


Também não precisava. A matéria sobre o show do Carrapicho havia sido publicada nas páginas internas do suplemento, logo, portanto, por conseguinte, a gente não estava “levando um banho da concorrência”. Pelo contrário. Só a gente tinha dado a matéria do Pato Fu.


Além disso, naquele ano, eu já havia dado quatro primeiras páginas para a banda Carrapicho. Eu era amigo dos músicos, mas eles só ganhariam a primeira página de novo se fossem apresentar algo inusitado naquele show (o vocalista Zezinho Corrêa praticar harakiri no palco durante a milionésima apresentação de “Tic Tic Tac”, por exemplo).


Como isso não estava previsto no script, optei pela divulgação da banda mineira. Simples assim.


As origens do Pato Fu


Se o senhor não está lembrado, dê licença, eu vou contar: Marcelo Dolabella sempre foi um dos grandes agitadores culturais de Belo Horizonte. Apesar de nunca nos termos conhecido pessoalmente, trocamos muitos livros de poesia via correio nos anos 80.


Ativo colaborador do vanguardista fanzine Gass, ele editou uma revista de poesia e textos, a Farenheit 451, foi dono de uma loja de livros usados, a Boogie Woogie, encabeçou vários cursos, como o “Da Poesia ao Rock”, ministrado no festival de inverno de São João del-Rey (MG), mas na mídia em geral ficou mais conhecido como autor do primeiro dicionário de rock brasileiro – o famoso “ABZ do Rock”.


Como se não bastasse ter participado de todos os aprontos citados anteriormente, aí por volta de 1984, Marcelo arquitetou um projeto musical intitulado Divergência Socialista.


O nome podia ser associado tanto a uma oposição à corrente política trotskista Convergência Socialista (hoje PSTU) como a uma dissidência do Sexo Explícito, um dos melhores grupos pop do país, que contava com Marcelo na primeira formação e tinha entre os colaboradores Gato Felix e Rubinho Troll.


Depois de ficar parado durante todo o ano de 85, o Divergência Socialista começou a sedimentar seu novo projeto em 1986, tendo lançado um CD com o nome da banda.


Devido a infinitas mesclas e referências, eles se transformaram em um dos poucos grupos de rock experimental daquela década que vingaram em termos de proposta, mas que não obtiveram a continuidade necessária para se manter na ativa. Coisas do Brasil.


Para dar maiores detalhes sobre o trabalho da banda Divergência Socialista, ninguém melhor do que o próprio Marcelo Dolabella, a partir desses toques pinçados de uma sua entrevista para a extinta revista Bizz:
“Miramos o rock-experiência, unido a outras formas de arte. Um trabalho de aglutinação: de Alice Cooper, passando pela discotéque e o punk dos anos 70, até a música contemporânea. Toda essa mescla se associa à linguagem cinematográfica e à poesia. Enfim, pegamos as coisas que todos já experimentaram no rock e as acrescentamos às que ainda não foram usadas”.


O quê, por exemplo?


“Fazer uma coisa que tenha peso, mas que seja dançante. Por questão de amadurecimento, utilizamos, também, o silêncio como interferência na massa sonora. O texto, meio minimalista, hai-kai, toma uma forma diferente quando cantado – muda... Como diz a letra: ‘Você não é muda, quem sabe muda...’ Politicamente não se refere à descrença. como normalmente ocorre quando se utilizam esses temas. Leva para o lado antiniilista, para cima, no sentido de fazer alguma coisa. Não tem que ficar chorando o leite derramado e achar que tudo é ruim e não há o que fazer.”


A argamassa sonora do Divergência Socialista incluía a utilização de instrumentos tradicionais, como baixo acústico, por conta do arranjador Mário (também Sexo Explícito), teclados, violão, baixo elétrico, mas também um computador rítmico, aos cuidados da graciosa Aleca, além de voz mais performance do desencanado Suma. O multimídia Marcelo Dolabella se incumbia dos “dada tapes” e textos.


A idéia de usar tapes veio da experiência do cineasta russo Dziga Vertov. No início do século 20 ele usava gravação de elementos da natureza e de vozes lúbricas para servir de fundo para suas declamações. Marcelo utilizava o mesmo recurso como uma nuvem ou tempestade que perpassava a massa sonora e o vocal.


“Gravo, por exemplo, um som de floresta, jogo em 45 rotações e fica como se fosse uma guerra”, explicava.


Entre os moleques que gravitavam em torno de Marcelo Dolabella estava um adolescente gaiato chamado John Ulhoa, que pode ser visto fazendo uma pequena participação neste vídeo caseiro abaixo:





O Pato Fu teve início em 1992, quando Fernanda Takai, até então vocalista da banda Fernanda & 3 Do Povo, decidiu formar uma banda com dois amigos de uma loja de guitarras onde ela costumava comprar encordoamentos.


Os amigos eram John Ulhoa e Ricardo Koctus, das bandas Sustados por Um Gesto e Sexo Explícito, respectivamente. Alguns anos depois, Fernandinha se casaria com John.


A proposta do trio era fazer música de forma não convencional, unindo bases eletrônicas a guitarras pesadas, música regional, baladas e o que mais aparecesse pela frente. Uma espécie de filho pródigo do Divergência Socialista.


Eles decidiram se chamar Pato Fu em alusão a uma tira de quadrinhos em que o preguiçoso gato Garfield lutava gato-fu.


Para não lembrar tanto a história original, trocaram a primeira letra, e ficaram com um nome tão estranho quanto o som que fariam mais tarde.


Em outubro de 1992, gravaram sua primeira fita demo, e, no final do ano, começaram a se apresentar no circuito universitário de Belo Horizonte.





Já no começo de 1993, participaram do show Rock Brasil, ao lado de bandas como Skank, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho e Titãs.


Em maio de 1993, o Pato Fu terminou de gravar o seu primeiro álbum – Rotomusic de Liquidificapum – no estúdio Ferreti, localizado em Belo Horizonte, atual estúdio Máquina do Haroldo Ferreti (baterista do Skank).


Embora o disco não tenha obtido o sucesso esperado, acabou despertando a atenção da gravadora BMG, durante uma apresentação do trio eletrônico no Rio de Janeiro, em 1994.


Em meio a outras bandas emergentes, o Pato Fu foi escolhido por Maurício Valadares (coordenador do selo Plug da BMG) para assinar um contrato com a gravadora.


Algum tempo depois, em 1995, gravaram o segundo CD – Gol de Quem? –, em apenas um mês, no estúdio Cia. de Técnicos, também no Rio de Janeiro.


Eles me enviaram os dois trabalhos (Rotomusic de Liquidificapum veio em fita K-7), um release e o anúncio de que iriam tocar em Nova York. De quebra, haviam trocado a sua bateria eletrônica por um músico de verdade: Xande Tamietti.


Pra quem gostava de boa música, aquilo era uma notícia e tanto, aqui ou na Conchichina. E merecia a primeira página de qualquer suplemento cultural digno do nome, independente do mau humor das demais editorias.


Em dezembro daquele ano, o Pato Fu voltaria a ocupar a primeira página dos suplementos culturais do país inteiro: músicas como “Sobre o tempo” e “Qualquer bobagem” deram à banda o prêmio de revelação no 1º Video Music Awards da MTV Brasil e também o 1º Prêmio Multishow de Música Brasileira.


Apesar de ter errado na previsão (em vez de um ano, o Pato Fu estourou em quatro meses), eu havia ganho a aposta da querida Solange Elias. Acontece.


O certo é que com uma sonoridade bem diferenciada, que fazia a ponte dos Mutantes ao Britpop, passando por elementos típicos de música brasileira e pelo pós-punk, a banda de Fernanda Takai, John Ulhôa e Ricardo Koctus, aos pouquinhos, foi entrando no dial das rádios e lançando sucessos que todos sabem de cor.


Os seus primeiros discos, mais experimentais, prepararam o terreno para o Pato Fu soar um pouco mais comercial a partir de “Televisão de Cachorro” (1998), mas sem perder a sua originalidade.


A partir daí o Pato Fu segue uma carreira de sucesso, com muitos shows e participações importantes, grava musicas que fazem sucesso no mundo inteiro, lança CDs e DVDs, excursiona pela “Bahia, Brasil e Oropas” e se transforma em queridinho da mídia.


Na nova década, os integrantes dão um tempo para se dedicar a projetos pessoais sem, no entanto, desfazer o grupo. John e Fernanda curtem o primeiro filho, enquanto Ricardo dedica-se a fotografia e assim seguem até 2005, quando lançam o CD “Toda cura para todo mal”, um trabalho que traz uma nova roupagem da banda, um som mais maduro, mais forte e que também marca a estréia do selo independente do Pato Fu: Rotomusic.


Em 2007, novo sucesso com o CD “Daqui para o futuro”, que vendeu como água pela internet antes mesmo de ser lançado nas lojas especializadas.


Resumo da ópera: com mais de 15 anos no cenário musical brasileiro, o Pato Fu já se consagrou como uma original banda de rock, tendo sido classificada pela revista Time entre as 10 melhores bandas do mundo. Não é pouca porcaria.


Curtam abaixo um novo vídeo de Rubinho Troll, de seu disco solo “Fedendo que nem Brasileiro” (2009), produzido por John Ulhoa:


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