Marius Bell diante do painel retratando a belle époque de Manaus, que produziu em um dos muros da Penitenciária do Estado
Agosto de 1963. Aluno do terceiro ano primário no grupo escolar Getúlio Vargas, na mesma classe de Mário Cortez e Silene Pessoa, Marius Bell sonhava em ser professor de História, provavelmente por conta da sofreguidão com que lia gibis, romances de cavalaria e obras de Monteiro Lobato.
Naquela época, ele já era um desenhista de mão cheia.
O problema é que Marius Bell havia descoberto os catecismos do Carlos Zéfiro e começara a ganhar dinheiro dos colegas de classe replicando aquelas saborosas histórias em quadrinhos com traços cada vez mais ultrarrealistas.
Na maioria das vezes, a heroína das picantes (ops!) HQs tinha a cara da professora Terezinha, que era o terror da turma. Ninguém gostava dela.
A outra professora da classe, Cristina, era sangue bom.
Durante uma aula de português, onde a missão da classe era escrever o ditado “A caneca da Cecília”, recitada pela professora Terezinha, Marius Bell começou a desenhar, a pedido de seu colega Sergio Gordo, a diretora do colégio, Dona Mirandolina, participando de uma orgia espetacular.
A diretora estava sendo vítima de seis predadores sexuais, incluindo um padre redentorista dotado de uma estrovenga estilo Long Dong Silver.
Marius Bell estava ali, entretido na tarefa, quando a professora Terezinha, silenciosa como uma sucuriju armando o bote, se aproximou de sua carteira, segurou-lhe pela orelha e, antes que ele pudesse reagir, tomou-lhe o indecente desenho das mãos.
Marius Bell foi levado, sendo puxado pela orelha, até a sala da diretoria.
Era uma sexta-feira, dia em que o padre redentorista Elesbão Fritz comparecia ao educandário para ministrar aquelas chatíssimas palestras sobre a necessidade de neguim não tocar punheta sob pena de ficar cego, nascer cabelos nas palmas da mão ou passar o resto da vida ardendo no fogo eterno do inferno.
Quando viu o desenho, o padre quase enfartou – já que ele era um dos seis sujeitos que estavam na orgia.
Dona Mirandolina, que nem quis olhar o desenho, fez a única coisa possível para manter a moral da tropa: expulsou o indecente artista gráfico do grupo escolar.
E anexou ao documento de expulsão um boletim de ocorrência denunciando o entrevero.
Quando Dona Maria Pura Fernandes do Amaral, mãe do moleque, tomou tenência do acontecido, a cobra fumou.
– Já que é assim, seu fedelho indecente, você nunca mais vai estudar. Você agora vai é trabalhar, pra aprender a ter juízo! – detonou.
Com dez anos de idade, o promissor artista plástico foi trabalhar como auxiliar de gari do Departamento Estadual de Rodagem do Amazonas (DER-AM).
Sua missão era meio espinhosa: retirar as ervas daninhas que teimavam em nascer no entorno dos paralelepípedos da rua Carvalho Leal.
Havia um milhão de paralelepípedos só naquela artéria.
Munido de uma pequena “faca” artesanal feita de um pedaço dos flandres que eram usados como cintas das caixas de refrigerantes, Marius Bell começou sua odisseia.
Ele iniciou sua tarefa em frente da Casa Amarela e sua missão era chegar até a rua Paraíba, uns 800 metros depois.
Trabalhando oito horas diárias, ele conseguia dar conta de mil paralelepípedos.
Diariamente, um fiscal do DER-AM vinha conferir o trabalho.
Em outubro, Marius Bell já havia atingido a antiga rua Waupés (hoje avenida Castelo Branco) e estava trabalhando exatamente em frente ao grupo escolar.
Seus velhos companheiros de classe do Getúlio Vargas se divertiam ao vê-lo acocorado naquela tarefa inglória.
Foi quando a professora Cristina, saindo do educandário, deparou-se com o ex-aluno na sua faina indescritível e levou um susto.
– Pensei que você estivesse faltando às aulas porque estivesse doente. Que merda é essa?...
Marius Bell relatou seu drama. A professora, que já era progressista naquela época, ficou abespinhada:
– Mas só por causa de um simples desenho erótico eles foram capazes de fazer toda essa maldade? Cadê a liberdade de expressão do nosso país? Ah, meu filho, não tem mais polícia... Mas não esquenta não. Faz o seguinte. Procura o meu sobrinho, Gustavo Flores, que ele vai te repassar as matérias que já foram dadas. Depois você me procura, que eu mesma vou fazer teu teste final.
Marius Bell cumpriu o script direitinho. Estudou as matérias com o Gustavo Flores, fez o teste final com a professora Cristina, foi aprovado e passou de ano.
Mas preferiu continuar trabalhando, em vez de seguir a carreira acadêmica.
O Amazonas perdeu um provável professor de História, mas ganhou um dos melhores artistas plásticos do planeta. Evoé!
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