Marcos Guterman
O Conselho Nacional de Educação recomendou que o livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, não fosse distribuído a escolas públicas ou, se for, que venha acompanhado de um aviso de que se trata de obra “racista”, informa a Folha da última sexta-feira.
Segundo o parecer, o racismo estaria caracterizado no tratamento de Tia Nastácia e de animais como urubu e macaco, cuja menção, diz o texto do conselho, é “revestida de estereotipia ao negro e ao universo africano”.
Para o CNE, os professores da rede pública não estão preparados para lidar com esse tipo de mensagem em sala de aula.
O autor da denúncia, o mestrando em relações raciais da UnB Antonio Gomes da Costa Neto, acredita que o livro de Lobato “deixou para trás as regras de políticas públicas para as relações etno-raciais” e tenha o potencial de “ensinar a criança a ser racista”.
Quando Monteiro Lobato é considerado danoso para as crianças, por supostamente conter mensagens ou estereótipos de caráter racista, perdeu-se completamente a noção da importância dos clássicos para a formação intelectual.
“Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram”, explica Italo Calvino em seu livro “Por Que Ler os Clássicos”.
Ou seja, um livro desse porte não é apenas texto; é uma revelação. A obra, como toda a saga do Sítio do Pica-Pau Amarelo, é exatamente isso.
Publicado em 1933, “Caçadas de Pedrinho” sofreu de fato alguma influência do pensamento racial de sua época – em que o racismo não era considerado necessariamente negativo.
Mas não é possível qualificar de “racista”, por causa de um punhado de frases descontextualizadas, um autor que criou protagonistas negros tão bondosos e formidáveis como Tia Nastácia e Tio Barnabé.
Ademais, esse não é, nem de longe, o aspecto central de sua obra – tanto é assim que milhares de crianças a leram e certamente não se tornaram racistas por causa dela.
Em primeiro lugar, os pequenos leitores são apresentadas de modo bem humorado e excitante ao universo rural brasileiro, com seu rico folclore.
Enquanto Dona Benta relata as aventuras da ficção como tal, as crianças do Sítio são, elas mesmas, personagens de suas fantasias, convidando os leitores a abstrair-se e entrar em suas epopeias.
Mas o que torna “Caçadas de Pedrinho” uma obra significativa – e atual – é a crítica feroz aos excessos da burocracia estatal.
Para relembrar: a segunda parte de “Caçadas de Pedrinho” relata a divertida história de Quindim, um rinoceronte que escapou de um circo carioca.
Diante disso, o governo cria um “Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte”, um monstro burocrático com um chefe e 12 auxiliares, muito bem remunerados, além de “um grande número de datilógrafas e encostados”.
Todo esse pessoal se esforça ao máximo para não encontrar o bicho, uma vez que, se isso acontecesse, todos eles perderiam a boquinha.
Quindim acaba se incorporando à família do Sítio, como parceiro das crianças e em desafio ao Estado que o caça.
Ao ousar colocar os meninos como protagonistas dessa “rebeldia”, a obra de Lobato chegou a ser classificada de “comunista” pelo padre jesuíta Sales Brasil, em 1959.
O livre pensamento e a fantasia a serviço da reflexão política e social são os piores inimigos da “ordem” de um Estado crescentemente hostil à crítica.
Assim, não admira que haja burocratas no Estado brasileiro que, a título de impedir o “racismo” de “Caçadas de Pedrinho”, queiram evitar que as crianças o leiam.
Um comentário:
histeria pura. Li quando era criança e nem por isso sou racista.
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