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sexta-feira, novembro 19, 2010

A melhor capa de disco de todos os tempos


Por Ana Maria Bahiana
Velvet Underground – The Velvet Underground & Nico
Gravadora – Verve
Ano – 1967
Design – Andy Warhol
Fotografia – Andy Warhol
Imagine Nova York. Não a Nova York de hoje, gorda, de luxo, donald trump, sex and the city, wall street, ruas limpas, casacos de pele, espresso bars, comédias românticas com meg ryan, festas com bellinis, paris hilton e sean puffy daddy combs.
Imagine Nova York magra, junkie, pobre, livre, ruas sujas, dentes podres, lofts abandonados, squatters, grandes espaços vazios suspensos abertos como bocas para quem quisesse cuspir neles, morar neles, sonhar neles, heroína, opiáceos puros – ecstasy ainda não havia sido inventado, tudo era pó e gim, coisa barata e farta (estranho, quem ganhava com isso?) –, max’s kansas city, ratos, fumaça dos subterrâneos, gente nos subterrâneos, esgoto nos subterrâneos como veludo, espesso, fedorento, liso, escuro.
Imagine 1967. Vinil, vietnã , úlcera roendo por dentro, uma geração contra a outra, lyndon johnson, helicópteros em missões secretas, swinging london, mary quant, maconha, testes de ácido, mundos coloridos, festival de monterey, jimi hendrix, jefferson airplane, beatles, strawberry fields forever, janis joplin, carlos castañeda, caras pintadas.
Drop in, drop out, get free. If you’re going to San Francisco, be sure to wear some flowers in your hair... Mas São Francisco é uma península. Nova York é uma ilha.
Na ilha dos dentes podres, Andy, o filho homossexual de imigrantes tchecos – solitário e talentoso, bolsista, isolado, chacota dos colegas, tardes solitárias no estúdio desenhando futuros prováveis –, chegou para trabalhar em publicidade, encurtou o nome de Warhola para Warhol, ganhou tubos de dinheiro, mandou chamar a mãe e os três gatos dela e se instalou numa peculiar vida dupla.
Em casa, com Dona Julia Warhola e caixas de recortes de tudo; nas ruas, como o mestre e senhor de um cavernoso galpão, meio estúdio, meio teatro, meio galeria, chamado The Factory.
Agora você tem de imaginar portas abertas. Portas abertas como arte. Doce, tímido e incrivelmente dominador do jeito como pessoas doces e tímidas são capazes de ser, Andy abria as portas da Factory sem julgar e sem perguntar, sem catalogar e sem querer saber para que serviam os pedaços de humanidade que as marés da ilha empurravam através delas. (Por favor, não esqueça que você está imaginando 1967!).
Artistas, travestis, junkies, vagabundos, atores pornô, modelos, garotos de programa, traficantes, socialites, beatniks. "As pessoas simplesmente eram", diria, muitas décadas depois, um surpreendentemente intacto sobrevivente da experiência. "Elas chegavam à Factory e, de alguma forma, se encontravam. Encontravam um espaço onde podiam ser elas mesmas."
Por essas portas, um dia passou um agregado de gente tão improvável que apenas ali poderia ser seu paradeiro. Lou Reed e Sterling Morrison eram colegas de faculdade nascidos no mesmo lugar – Long Island, Nova York –, do mesmo tipo de família – rica e conservadora.
John Cale, nascido no País de Gales, era um músico treinado em conservatório – com especialização em viola – e educado tanto por mestres minimalistas quando pelas exigências de uma gravadora comercial, tipo linha de montagem, onde sua tarefa era produzir canções pop em massa.
Maureen Tucker era irmã de um amigo de faculdade de Lou e Sterling.
Faziam música juntos com vários nomes até que um, descolado de um romance sadomasô, colou: Velvet Underground. Estavam tocando num bar em Greenwich Village, o Cafe Bizarre, quando Andy os viu.
Aí tudo mudou.
A arte de Andy Warhol era, basicamente, a arte do desejo de Andy Warhol. E Andy desejou o Velvet Underground. Talvez não sexualmente de forma explícita – chegaremos à banana em um minuto.
Mas os desejou em sua vida-arte-vida, desejou a coisa rock que eles traziam para dentro da Factory, a trilha sonora que eles proporcionavam a suas outras aventuras no caminho de uma arte de massa/massa como arte.
A trilha era assim: insular e angulosa, um pulsar quieto sobre uma base tribal. Guitarras improváveis e letras (Reed formou-se em literatura) falsamente simples e extremamente eruditas sobre drogas, chicotes, prostituição. 
Na Costa Oeste, tudo girava multicolorido e harmônico, e em Londres, as notas saltitavam sobre oboés e fitas invertidas, mas o Velvet era uma ilha numa ilha, e Andy era uma ilha numa ilha e foi paixão à primeira vista. Antes da consumação, houve Nico.
Nico era alta, ossuda, imponente, às vezes loura, às vezes ruiva (“pintei o cabelo de ruivo porque me disseram que Jim Morrison só gostava de ruivas, eu era tão louca por ele”).
Germânica e rainha do gelo, era a pessoa que ela havia inventado no mundo particular da Factory, para onde fora importada depois de uma carreira como modelo e quase popstar.
Nico cantava como se fosse Morticia Adams com um garrote no pescoço, o que, na visão de Andy, era absolutamente perfeito para o Velvet.
Um disco seria feito, estava decidido, e Lou comporia algumas canções especialmente para Nico (“Femme Fatale”, “All Tomorrow’s Parties” e “I’ll Be Your Mirror”).
O disco foi gravado em um dia, talvez dois, num estúdio caindo aos pedaços – Scepter Records – e bancado inteiramente por Andy e um amigo, ex-executivo de gravadora (custo total da produção: 1,5 mil dólares).
Os Velvets vinham ensaiando ferozmente havia semanas. “Foi um período extremamente produtivo”, Cale recorda. “Mexemos com a afinação, aprendemos a usar instrumentos e efeitos” – e participaram dos shows-multimídia da Factory, os Exploding Plastic Inevitable.
 A Verve, divisão da MGM Records, comprou o disco, mas teve de esperar pela capa.
Andy queria uma banana, mas não qualquer banana – uma banana em camadas que, devidamente descascada, revelasse seu interior.
Uma cortadora especial teve de ser providenciada para a execução dessa perfeita metáfora de Nova York em 1966/67, com a Factory e os Velvets no meio.
Banal e possivelmente passada, bruta e simples e só no espaço branco da capa, pedaço descolado de uma natureza morta não consumida, a banana se abre (ao longo da linha perfurada dizeres mínimos indicam – “descasque devagar e você verá”) para revelar um interior rosa fálico, frágil e sensual. Uma ilha dentro de uma ilha, com uma casca grossa por cima. (E a assinatura de Warhol embaixo, honra imerecida pelo próprio título do álbum).
A contracapa tem os Velvets tocando num E.P.I. na frente de um still do filme de Warhol The Chelsea Girls – um still de uma figura complicada do universo warholiano, Eric Emerson, que depois, precisando de grana para pagar fiança e sair da cadeia, processou a gravadora pelo uso não autorizado de sua fotografia.
The Velvet Underground & Nico foi lançado em março de 1967, chegou ao modestíssimo centésimo septuagésimo primeiro lugar das paradas americanas em maio e depois desapareceu.
Os tempos não estavam maduros, a banana flutuava entre o que absolutamente era, em seu universo preciso, e o que poderia vir a ser.
A banda se separaria em 1969 e Lou Reed seguiria para uma brilhante carreira-solo.
Nico morreria do coração na Espanha justo quando tinha largado as drogas.
Andy Warhol faria uma outra capa fálica de muitas camadas – Sticky Fingers, dos Rolling Stones –, se tornaria uma estrela das artes americanas contemporâneas e morreria aos 58 anos entre suas caixas de recortes, depois de uma cirurgia de rotina.
Eric Emerson morreria aos 30 anos de overdose e seria homenageado com uma canção do Sonic Youth, uma das centenas de bandas que jamais teriam existido se The Velvet Underground and Nico não tivesse existido antes.

2 comentários:

Anônimo disse...

car desculpe ficar puxando o saco mas vc é um POETA!!!!!!!!!! fique certo de q vou te plagiar!!!!!!!!!

Anônimo disse...

excelente