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quinta-feira, junho 23, 2011

Aula 34 do Curso Intensivo de Rock: The Beach Boys


Agora, vale uma pergunta: qual é o tipo de som que um surfista ou apenas um fã do esporte atualmente gosta de ouvir?

Na verdade, os mais diversos estilos se misturam na preferência da rapaziada praieira de hoje.

Pode ir da violência explícita do thrash metal e do rap às levadas hipnóticas do reggae e do ska, ou até mesmo descambar para o pagode.

Nem sempre foi assim.

Na virada dos anos 50 para os 60, a moçada das praias do sul da Califórnia nos EUA inventou um som para embalar suas ondas.

Chamado de “surf music”, ele era caracterizado pelas elaboradas harmonias vocais, um instrumental rude e agressivo (solos frenéticos de guitarra) e letras celebrando as praias, o sol, as garotas de biquíni e outras delícias do universo surfista.

A popularidade da temática foi menos conseqüência do esporte e mais subproduto do fenômeno conhecido como “teensploitation”, o filão de filmes adolescentes que varreu Hollywood a partir de “Gigdet” – o título era uma gíria surfista, que identificava Sandra Dee como “baixinha” (“girl midget”).

As canções sobre amores de verão e longboards ganharam o vocabulário pop em 1959 com a dupla Jan & Dean, por meio de seu hit “Baby Talk”.

Mas o apogeu da era surfe veio mais tarde com os Beach Boys, que conquistaram o público americano com uma sofisticação melódica e temática até então inédita na surf music.


Imagine o início dos anos 60 na desbundada Califórnia.

Uma turma de adolescentes que acreditava no sonho, na paquera e na inocência de um beijo roubado.

A praia. As pranchas. O biquíni.

Os flipantes filminhos do golfinho Flip, com Frankie Avalon e Annette Funicello.

As festinhas embebidas em luz lilás.

As carangas envenenadas.

As aventuras do rock’n’roll e a lágrima da rock ballad.

E aquela loirinha que não queria nada com ninguém.

Em meio a essa deliciosa atmosfera é que nasceram os Beach Boys, um dos mais influentes e legendários grupos da pop music.


Formado em 61, pelos irmãos Wilson (Brian, Dennis e Carl), o primo Mike Love e um amigo da turma, Alan Jardine, eles gravaram mais de trinta LPs, deixando uma vasta influência que vai desde Beatles a Ramones.

Ao lado de contemporâneos como Jan & Dean, The Hondells e The Surfaris, inicialmente, ficaram conhecidos como reis da surf music, que nada mais era senão o espírito da época unido aos mais simples acordes de rock’n’roll, boas doses de doo wop e baladas, e um gostinho de paixões platônicas derramadas em melodias definitivamente rockmânticas.

Sob esta concepção, os Beach Boys realizaram onze álbuns, sendo que os quatro primeiros são inteiramente de surf music.

Os sete LPs seguintes continuam nessa linha só que em tom mais pop.

Aí vem um disco em questão. A água divisora na carreira do grupo.

O fim de todo um ciclo e, acima de tudo, o mais polêmico.

Para uns, o álbum “Pet Sounds”, lançado em 1966, significou a maturidade e o desfecho do lado “alienado” e das tonalidades do flesh surf rock.

Porém, para outros, representou a morte do grupo.

A verdade é que nesse disco os “moleques da praia”, realmente, mudaram de forma radical suas características primordiais.

Afinal de contas, os tempos eram outros.

O final de 66 indicava grandes mudanças.

Guerra à vista, início do psicodelismo, liberação sexual, drogas e posicionamentos políticos eram alguns dos fatores que se chocavam com a “antiga” alegria e os sonhos azuis da banda.

Além do mais, o egocêntrico Brian Wilson queria fazer algo bem melhor que os Beatles.

E fez, pois este LP precedeu “Sgt. Pepper’s”, onde se consumou a já citada influência dos Beach Boys nos meninos de Liverpool.


O álbum “Pet Sounds” é uma resposta a eles mesmos, uma prova de fogo que, em outras palavras, demonstrou que eram capazes de fazer um disco com letras profundas, instrumentação avançada e ruptura com os moldes que estavam em voga.

É também o LP que inicia a trilogia da excentricidade progressiva-psicodélica em “Smilley” e “Wild Honey”.

Excetuando-se a faixa “Wouldn’t It Be Nice”, que ainda entrevê a felicidade conjugal, as outras, num tom confessional, são entrecortadas por lamentos, abandono e angústias.

Uma reflexão de caráter sentimental, contudo adornada por “novos” elementos tais como as experiências com as drogas, a meditação transcendental e as coloridas visões do misticismo.

Acima de maiores suspeitas, provam que, além de exímios músicos, eram inventivos e, como toda banda que se preze, mergulharam no plano das ousadas transformações.

As harmonias vocais reapareceram muito mais trabalhadas.

As estruturas musicais escapavam com muita facilidade dos arquétipos convencionais.

Sob a produção fanaticamente requintada de Brian Wilson, surgiram novidades como a inclusão de instrumentos de sopro, intromissões orquestrais, teclados com timbres peculiares, percussões diversas (não faltando sininhos e berimbau), flautinhas aciduladas e arranjos complexos e sutis.

Enfim, um misto de nuances bizarras e desolação do coração, de psicodelia e sintomas progressivos, de experimentalismos e os santificados, eternamente imperdíveis, fluidos do rock’n’roll.


“Podemos fazer algo tão bom assim?”, perguntou um surpreso Paul McCartney, depois de ouvir o álbum pela primeira vez.

“Não. Podemos fazer melhor”, respondeu o sábio George Martin, arranjador e parceiro das ousadias sonoras praticadas pelo grupo.

E fizeram: em 1967, “Sgt. Pepper’s” explodia no mundo, detonando a mais profunda revolução musical da história.

Mas a verdadeira “guerra transatlântica”, como definia George Martin, havia começado um ano antes, quando Brian Wilson ouviu, em dezembro de 1965, o álbum “Rubber Soul”, dos Beatles.

“Foi um desafio definitivo para mim”, escreveu ele, anos depois, no encarte da reedição em CD de “Pet Sounds”.

“Cada faixa era artisticamente muito interessante e estimulante”, comentou.

Superada a surpresa inicial, o líder dos Beach Boys começou a trabalhar em “Pet Sounds”, que radicalizou na utilização de refinadas harmonias vocais e arranjos orquestrais.

Tão logo o disco chegou às lojas, foi a vez de Paul McCartney delirar com as invenções sonoras de Brian Wilson.

Segundo ele mesmo disse, ouviu tanto o disco – por centenas de vezes, por dias e horas a fio – que “Pet Sounds” tornou-se onipresente em sua vida naquele momento.


“Toquei tanto o disco para John (Lennon) que foi difícil ele escapar da influência”, entregou Paul, que define o clássico dos Beach Boys como “o disco daquela época”.

“Fiquei impressionado com a lucidez do álbum e com os arranjos intrigantes”, garantiu.

Para Paul McCartney, parecia que os Beatles não conseguiriam superar aquela obra o que o levou a questionar George Martin sobre a desvantagem momentânea naquela saudável competição.

Possivelmente o fã mais famoso do álbum, McCartney apaixonou-se imediatamente por “God Only Knows” e, principalmente, por “You Still Believe In Me”, a canção de terceiros que ele mais gostaria de ter escrito na vida.

Quando “Sgt. Pepper’s” ganhou as ruas, foi a vez de Brian Wilson novamente se surpreender com a concorrência, mas agora já não de forma tão positiva como da primeira vez.

Conta a lenda que, diante do poder do novo álbum dos Beatles, Brian Wilson entrou em depressão, abandonando as gravações de “Smile”, que poderia ter sido o “Sgt. Pepper’s” dos Beach Boys.

Atropelados na sua viagem em busca do maior álbum dos anos 60, só restou aos Beach Boys lançar a pequena “sinfonia de bolso”, como definiu Brian Wilson: o single de “Good Vibrations”, extraído das sessões de “Pet Sounds”, e o álbum “Smiley Smile” (1967), sem o mesmo apelo conceitual da obra de Lennon-McCartney.

Interrompido na metade das gravações, “Smile” transformou-se no mais famoso “álbum inacabado” da história do rock mundial.

Ao longo dos anos, o disco ganhou várias edições piratas, trazendo suas demos e ensaios que, de fato, apontavam para um resultado final fantástico.

Entre elas está a primeira edição de vinil, lançada nos anos 80, e uma caixa com quatro CDs editados em 1999 pelo selo Vigtone.

Nos anos 90, a coletânea oficial “Good Vibrations”, que saiu pela gravadora Capitol, incluiu as músicas da sessão em um de seus quatro volumes oficiais, além do CD-bônus.

Isso tudo que um dia foi lenda, hoje faz parte da história oficial do rock’n’roll, retratando o momento mais criativo e definidor dos rumos daquela década de ouro, em que antecedeu a explosão psicodélica do “Verão do Amor”, em 1967.


Uma história que, apesar de contada tantas vezes, ainda esconde um detalhe que talvez explique porque Brian Wilson, que se antecipou a Lennon & McCartney, com “Pet Sounds”, acabou perdendo a corrida pelo “number one” da discografia roqueira mundial.

No estúdio, “sonhando que tinha uma auréola sobre sua cabeça, como se anjos estivesse presentes”, conforme ele mesmo disse, Brian Wilson não prestou atenção em todos os movimentos dos adversários e na revolução musical e comportamental que alargava seus horizontes.

O vacilo, se podemos assim chamar, foi não perceber que logo após “Rubber Soul” e antes de “Sgt. Pepper’s”, os Beatles produziram “Revolver”, o verdadeiro divisor de águas naquele momento.

Enquanto os Beach Boys continuava sua viagem em busca do “som dos anjos”, os Beatles já sabiam que o “amanhã desconhecido” era mais concreto (no sentido de John Cage), mais ácido, elétrico, colorido e universal.

Bom, mas na cola dos Beach Boys, e antes dessa briga insana deles com os Fab Fours pelo álbum da década, surgiu uma avalanche de grupos norte-americanos que, se não primavam pela originalidade, deram ao estilo surf music uma aura única, capaz de forjar canções inesquecíveis para tardes de sol.


Foi dentro desse contexto que se projetou o empresário Bob Keane, fundador do selo Del-Fi, um dos propulsores do gênero no início dos anos 60.

Ex-bandleader, Keane já havia criado a gravadora Keen, cujo principal contratado era Sam Cooke, uma das principais vozes da emergente música soul.

Ao conceber o Del-Fi, ele quis se dedicar a produzir outros estilos como gospel, doo wop, rock, rhythm’n’blues e, afinal, se rendeu à surf music.

Keane começou o Del-Fi com o puro rock dos anos 50.

Nesse sentido, um de seus primeiros contratados foi o astro Ritchie Valens, de origem chicana.

O cantor teve uma carreira de apenas oito meses, interrompida em 3 de fevereiro de 1959 com sua morte aos 17 anos, no mesmo acidente aéreo que vitimou Buddy Holly e The Big Booper.

No CD “Rockin’ All Night”, Valens é resgatado por meio de 22 gravações originais, que incluem seus dois maiores sucessos: “La Bamba” e “Donna”.

O produtor Bob Keane morreu em novembro de 2009, aos 87 anos.


Por sua vez, o texano Bobby Fuller teve um débito musical com outro conterrâneo dele, Buddy Holly.

Desde o início da carreira, o Bobby Fuller Four emulava Buddy Holly e seu grupo, The Crickets, fazendo um rock melodioso e cheio de nuances instrumentais.

Tanto que o seu maior hit – “I Fought The Law”, depois regravado pela banda The Clash – foi escrito por Sonny Curtis, ex-guitarrista dos Crickets.

Mas o quarteto de Fuller não se restringia a apenas seguir os passos de Holly.

E quando se mudou para Los Angeles aderiu à surf music, especialmente na sua variante “hot rod”, a dos “carangos envenenados”.

Daí surgiram hits como “King Of The Wheels” e outros, presentes na compilação de mesmo nome, que reúne os dois únicos álbuns que gravou (Fuller foi encontrado morto em 1966, aos 22 anos), mais sete faixas-bônus.

Até Frank Zappa teve em seu passado resquícios de surf music.

É o que comprova “The Cucamonga Years”, que reúne gravações que o músico fez entre 1963 e 1964, quando produzia vários artistas e ele mesmo (gravando sob pseudônimos e tocando todos os instrumentos) em seu estúdio Z, na californiana Cucamonga.

Distribuídos pelo selo Del-Fi, esses registros mostram as influências do doo wop e, especialmente, da surf music (vide as faixas com The Rotations) nos primeiros trabalhos de Zappa.

Na verdade, os vocais agudos de Jan & Dean e dos Beach Boys há muito saíram de moda, mas a surf music instrumental voltou à onda.

Depois de inspirar a new wave e virar trilha de cinema com “Pulp Fiction”, o gênero figura entre os samples favoritos do DJ inglês Fatboy Slim, entre outros adeptos da big beat eletrônica.

Os guitarristas de surf music vieram após o primeiro boom do rock instrumental, inspirados pelo som tosco das guitarras de Duane Eddy, Link Wray e até do blueseiro Bo Didley, entre outros.


Diz a lenda que Link Wray conseguiu a sonoridade de taquara rachada de seu principal hit, “Rumble”, ao perfurar o alto-falante do amplificador de sua guitarra com uma caneta, criando o protótipo do surf instrumental em 1958.

Todos os guitarristas que o seguiram, incluindo Dick Dale, chamado de “rei da guitarra surf”, esforçaram-se para repetir o efeito, experimentando com técnicas de vibração e modulação sonora.

O estilo também ficou famoso por trazer batidas fortes, que preenchiam as músicas feito trovões ou ondas gigantescas batendo sobre rochas.

Esse tipo de batida já era chamado, na época, de big beat.

O repertório surf, entretanto, é mais vasto que os pacotes de greatest hits costumam apresentar.

Uma característica pouco divulgada, a influência latina, pode ser claramente identificada em duas coletâneas clássicas da Del-Fi – nos ritmos, que incluem bongôs, e no uso de instrumentos de sopros.

A presença de imigrantes do México e do Caribe repercutiu na música californiana desde o impacto do rock instrumental “Sleepwalk”, de Santos e Johnny.

Antes de os Beatles invadirem as praias americanas, a surf music era o estilo favorito entre as várias ondas musicais jovens existentes – twist, watusi, limbo, etc.

Os CDs “Big Surf Hits” e “Wild Surf!” fazem um apanhado de músicos que, em vez de pranchas e bermudas, usavam guitarras Fender Stratocaster e terninhos em padrões combinados.

A maioria conheceu apenas sucesso regional, mas hoje seus discos valem fortunas em sebos especializados.


O grupo The Lively Ones é o principal destaque – cinco faixas em “Wild Surf!” e duas em “Big Surf Hits!”.

Seus discos jaziam no fundo do baú de Bob Keane quando Quentin Tarantino pediu para usar uma de suas faixas em “Pulp Fiction”.

O grupo surgiu quando seus integrantes se encontraram na platéia de um show de Dick Dale, em 1960 – não por acaso, as três primeiras faixas de seu LP de estréia, “Surf Rider!”, são covers do guitarrista.

A música que dá título ao LP tornou-se o seu maior sucesso. Além de ter entrado em “Pulp Fiction”, o hit aparece nos dois CDs.

Entre as demais faixas incluem-se clássicos do gênero, como “Wipe Out” e “Misirlou”, e uma gravação de spaghetti western, “Exodus” – o grupo The Lively Ones costumava gravar material de estilos diversos, como clássicos de Cole Porter em ritmo surf, por exemplo.

Uma das curiosidades da coletânea “Wild Surf!” é a presença de faixas assinadas pelo grupo Surfmen, que nada mais era que um das identidades adotadas pelos integrantes dos Lively Ones antes de gravar o primeiro LP.

A mudança de nome foi sugestão de um locutor de rádio, popular entre os surfistas, que descreveu o jeito como a banda pulava no palco como “lively” (vivaz, animado).

A faixa “Ghost Hop”, dos Surfmen – parece um instrumental da Jovem Guarda –, permaneceu perdida até entrar na coletânea.


The Centurions era outro grupo de caras comuns na multidão de surfistas do início dos anos 60 até ter uma faixa incluída na trilha de “Pulp Fiction”.

O hit “Bullwinkle Part II” foi usada na cena em que John Travolta dirige sob efeito de heroína, enfatizando o estilo viajante do instrumental.

Repetindo “Surf Rider”, ela aparece nas duas coletâneas.

Apesar de ter outras faixas lembradas em “Wild Surf!”, os Centurions não repetem a criatividade de “Bullwinkle Part II”, a não ser na versão de “Church Key”, que assinam com o pseudônimo The Gonzos.


Merrell Fankhauser, líder do grupo The Impacts, foi um dos primeiros músicos a dar títulos surfistas às suas composições.

Seu maior sucesso, a versão original de “Wipe Out”, abre “Big Surf Hits!”.

Ao tirar o som de uma guitarra havaiana em sua guitarra elétrica, Fankhauser criou uma base muito diferente da gravação celebrizada pelos Surfaris – famosa por explorar solos de percussão.

Mas o achado aqui é a balada “Blue Surf”, incluída em ambos os CDs, que combina slide com um vibrato de guitarra surf, sugerindo gravações atuais de Chris Isaac.

A praia latina é bem explorada pelos grupos The Sentinals, The Pharos e The Surf Mariachis – apesar do nome, este não passava de um conjunto de músicos de estúdio reunidos por Bob Keane.

Os hits “Latin Soul”, dos Sentinals, e “Pintor”, dos Pharos, são clássicos do surf chicano.

The Sentinals ainda gravou “Big Surf”, que dá nome a uma das coletâneas e ainda hoje soa moderna – influência nítida na música do Man or Astro-Man? e outros grupos revivalistas.

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